GRÉCIA: TSIPRAS FACE AO SEU DESTINO – E SE ELE VIRASSE A MESA DO EURO DE PERNAS PARA O AR? – por RÉGIS DE CASTELNAU

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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grexit - II

Grécia: Tsipras face ao seu destino

E se ele virasse a mesa do euro de pernas para o ar?

 

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No mês de Julho, em pleno centro da crise grega, coloquei nestas colunas  um artigo pessoal e sentimental. Nele descrevi a  minha reacção face à força de movimentação  do povo grego que reanimava as  emoções em que já não se acreditava que pudesse vir a sentir. Mas interrogava-me também sobre Alexis Tsipras, menos sobre o que ele poderia fazer e mais sobre aquilo em que se poderia transformar. E permiti-me nesse texto incentivá-lo a tomar uma direcção.

Seguidamente houve o referendo, a decepção do terceiro memorando. A assinatura do acordo leonino com o Eurogrupo e a sua aceitação pelo Parlamento dominado pelo Syriza foi uma coisa de rebentar  o coração. Todos nós tínhamos tanto desejo de desfazer esse monstro frio, encarnado até à caricatura pelo ministro Schäuble. O resultado do referendo e a ilusão lírica que nos tinha envolvido, a mim em primeiro lugar, tinha feito  acreditar que tal era possível.

Imediatamente depois, foi o desencantamento  insuportável. Foi necessário suportar os escárnios dos revolucionários  confortáveis, incapazes de fazer mover as coisas no seu próprio  país à deriva  mas  exigindo-o dos  Gregos de modo que fossem estes a fazer o trabalho no seu lugar. Tsipras, capitão de uma embarcação na tempestade, não passava então de um vendido e de um traidor por não  ter lançado o barco contra os recifes. No outro lado, a classe  política europeísta  que enjoa, festejava “o regresso ao curral” da ovelha tresmalhada, que no entanto anteriormente cobria de ofensas. Tive direito à minha parte de comentários incómodos.

Jacques Sapir, desiludido  de uma ocasião falhada, começará  por  pontuar as suas intervenções com ofensas como  o  são os termos “de capitulação ou “de traição”? Lordon sempre brilhante, qualificará mesmo Tsipras “de astro morto” da política.

O que teria eu  feito, o Diabo seja cego, surdo e mudo,  se eu tivesse  estado no lugar de Tsipras? Uma estupidez, certamente. Teria carregado como na batalha de Reichshoffen. E para ter o mesmo resultado. O que é descrito por Zola e celebrado por Renan: “Nós não pedimos um remunerador; mas queremos um testemunho. A recompensa dos combatentes franceses em  Reichshoffen na eternidade, é a palavra do velho imperador: “Ah! Muito corajosos, os rapazes!”. Schäuble não teria sequer dito isso. Como  Bismarck ter-se-ia contentado em  rir da desgraça alheia na frente dos cadáveres inúteis. Alphonse Baudin magnífico, lançando: “vão  ver como se morre por vinte e cinco francos!” subiu à  barricada dos arredores de  Santo-Antoine no dia  2 de Dezembro de 1851. Para ser morto. Baudin está no Panteão. Mas a ditadura de Badinguet durou vinte anos.

A minha modesta indicação a Tsipras pôde gerar um equívoco. Porque eu não o convidava  a tornar-se um herói, ele era-o já. Armado das citações de Borges, de Péguy e de Gaulle, pedia-lhe que fosse “o homem do destino”. O que  não é a mesma coisa.

A diferença? É a que salta aos olhos quando se estuda  a aventura da França livre. Charles de Gaulle foi “o homem do destino”. Os que tinham na altura   vinte anos, se comprometeram  sob as suas ordens,  heróis. Churchill, a 12 de Junho de 1940, confrontado com o desleixo do governo francês, cruzou-se com de Gaulle num corredor e apontando-o a  dedo perguntou-lhe: “o homem do destino?”. Intuição genial e início de muitos incómodos para Churchill, que teve de  suportar seguidamente este incómodo “rei no exílio”. A partir deste dia, de Gaulle  soube que lhe cabia  encarnar  a França. E por isso vir a ser  de Gaulle. Contra o mundo inteiro. Foi um caminho longo e difícil que encontrou a sua consagração apenas a 24 de Agosto de 1944. Quando lhe perguntaram  como foram estes anos, de Gaulle respondeu apenas com  uma só  palavra: “terríveis! ” Os heróis da França livre sobreviventes, confessam pelo contrário que foi uma maravilhosa possibilidade terem podido participar nesta aventura.

Retenhamos  um de entre eles. Jacques Chaban-Delmas,  general aos  29 anos, que recebeu   de Gaulle com Leclerc na estação de Montparnasse a  23 de Agosto de 44. Com uma muito longa carreira política no pós-guerra, presidente de câmara municipal, deputado, Presidente da Assembleia Nacional, Primeiro Ministro. Falhará  o destino nas presidenciais de 1974. Coberto de condecorações, coleccionando igualmente os títulos desportivos. De acordo com o seu desejo, sobre o seu túmulo há apenas o que ele quis que se retivesse da sua vida: “Jacques Chaban-Delmas. Companheiro da Libertação”. Para o herói, a vida é demasiado longa.

Alexis Tsipras deve tornar-se neste homem do destino de que a  Grécia tem necessidade. Evidentemente, não se trata de o  comparar  a  de Gaulle. Seria ridículo. Mas recordar que não está no seu lugar para levar   o seu povo ao massacre e com isso nos dar  prazer. Está lá  para restaurar a política num país sempre em situação difícil  desde há duzentos anos, martirizado pela Alemanha durante a Segunda guerra mundial, que atravessou a seguir uma terrível  guerra civil. Antes de suportar depois uma feroz  ditadura militar. Incorporado por acaso e fraudulentamente na  União Europeia. Conduzido  durante anos por líderes políticos europeístas completamente corruptos. E para preencher esta primeira missão deve ir ao encontro do seu povo e convencê-lo de que ele pode encarnar a Grécia.

Para responder à questão: “o que é uma comunidade? ”, Hobbes foi levado  a   interrogar as condições ontológicas de um povo. Colocando na condução deste, a representação no lugar da encarnação que prevalecia até então. Mas misteriosamente, esta permaneceu bem viva, acrescentando  a função de simbolização   à da representação. Isto reenvia-nos a  uma capacidade específica: a de aparecer como uma força de interpretação da realidade. Construindo um processo de identificação que esclarece,  tranquilizando, protegendo e dando uma imagem credível à ideia de nação. Max Weber teria chamado a isso  a dimensão carismática de governo “de uma comunidade emocional”. Mas este poder de encarnação não é um dado. É necessário querê-lo  e construi-lo.

É  isto  que estava jogo neste último mês de Julho na Grécia.  Tornar-se Alexis Tsipras para ser a Grécia. Não era o Grexit.

Chegado ao poder com um terço dos sufrágios expressos,  Alexis Tsipras assumiu  a direcção do governo numa situação altamente crítica para o seu país. Um país que  sofre de uma austeridade insuportável mas que permanece unido  ao continente europeu. Primeiramente agarrou-se à tarefa de construir com o seu povo a relação que lhe permitirá ter a sua confiança. E que este lhe reconheça e a faculdade de o encarnar  num período tão  carregado de perigos. Porque ele tem necessidade desta força. Os Gregos reconheciam-lhe o mérito de se ter batido. “ De ter  tentado”. E de ter  sido  o primeiro a arrancar  a máscara da Europa da finança. Disso, todos nós de resto, podemos desde já agradecer-lhe e muito. E nas legislativas de Setembro, para além das contas de boticário  dos que sonhavam ver o povo grego virar-lhe a costas, é-se forçado a compreender que o povo grego acaba de lhe  renovar  a sua  confiança.

A destituição de Varoufakis, no dia seguinte ao do referendo foi apresentada como a primeira medida sobre o caminho “da traição”. Tendo em conta as  inconsequências, as piruetas  e as amizades do  sedutor motoqueiro, vê-se bem hoje que era pelo contrário a medida a tomar para prosseguir sobre o caminho difícil e escarpado da construção de uma legitimidade incontestável. Tsipras quanto a ele enfrentou três vezes em sete meses o julgamento do seu povo. Três vezes, este manifestou-lhe o seu apoio em forma. Quem na Europa age hoje desta maneira? Quem se pode reivindicar do  apoio e do respeito popular de que   beneficia?

Frédéric Lordon fez   uma análise implacável segundo a qual  a Grécia tem à escolha apenas  duas soluções: “passar por baixo da  mesa, ou virá-la de pernas para o ar ”. Partilho das suas conclusões mas lamento que não nos tenha dito quando era necessário virá-la de pernas para o ar e se a Grécia o deveria fazer  sozinha  com os seus pequenos braços musculados. E por  não o ter feito já, Tsipras seria “hoje um astro morto”? Jacques Sapir nestas colunas, depois de  ter recordado “a capitulação” de  13 de Julho escreveu: “É claro hoje que não há futuro para a Grécia enquanto  permanecer na zona euro e enquanto não fizer incumprimento  sobre uma parte importante da sua dívida. Isto começa a dizer-se tanto no FMI como nos corredores da União europeia. O processo grego continua a estar, portanto, sobre a mesa. ”

Será duro, será longo, será mesmo  “terrível”. Talvez venha a falhar,  mas a esta mesa está a Grécia, na pessoa de Alexis Tsipras, sempre sentada.

Régis de Castelnau, Revista Causeur, Grèce: Tsipras face à son destin;  Et s’il renversait la table de l’euro?.

Texto disponível em:

http://www.causeur.fr/grece-tsipras-euro-34854.html?utm_source=Envoi+Newsletter&utm_campaign=2a7f829a6c-Newsletter_28_09_15&utm_medium=email&utm_term=0_e89bc7d32d-2a7f829a6c-55311133

 

*Photo: Pixabay.

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