A GRÉCIA SEM ILUSÕES – por YANIS VAROUFAKIS

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

Yanis-Varoufakis-Berlin-2015-02-05

A Grécia Sem Ilusões 

Yanis Varoufakis, ex-Ministro das Finanças da Grécia, é Professor de Economia da Universidade de Atenas.

Greece without illusions

Project Syndicate, 5 de Outubro de 2015

 

ATENAS – “A mais curta e mais cara remodelação governamental da história da Grécia” Isto é uma forma de caracterizar, no mínimo, o resultado das eleições gerais gregas de 20 de Setembro Na verdade, com poucas excepções, os mesmíssimos ministros regressaram aos mesmos ministérios, integrando um governo apoiado pelo mesmo estranho par de partidos (o Syriza de esquerda e o mais pequeno partido da direita, os Gregos Independentes) que obtiveram uma percentagem de votos apenas levemente inferior à do governo anterior.

Mas a aparência de continuidade é enganadora. Embora a percentagem de eleitores que apoiam o governo seja relativamente a mesma, 0,6 milhões dos 6,1 milhões de gregos que votaram no referendo no dia 5 de Julho a continuação dos empréstimos para “prolongar-e-dissimular” (extend-and-pretend) contendo condições anexas de austeridade rigorosa, não os acompanharam. A perda de tantos eleitores, em pouco mais de dois meses, reflecte a dramática mudança do sentimento do eleitorado – de apaixonado para desinteressado.

A mudança reflecte o mandato que o primeiro-ministro Alexis Tsipras quis obter e ganhou. Em janeiro passado, quando eu estava com ele, pedimos aos eleitores para apoiar a nossa determinação em acabar com os resgates para “prolongar-e-dissimular” que tinham empurrado a Grécia para um buraco negro e que funcionavam como modelo para as políticas de austeridade em toda a Europa. O governo regressado em 20 de Setembro tem o mandato oposto: o de levar a cabo um programa de resgate para “prolongar-e-dissimular” – em boa verdade, a variante mais tóxica de sempre.

O novo governo de Tsipras sabe disso. Tsipras compreende que este seu  governo está a caminhar no fio da navalha de um programa orçamental que não pode ter nenhum sucesso e de um plano de reformas que os seus ministros detestam. Embora os eleitores sabiamente prefiram que seja ele e o seu governo, em vez da oposição conservadora, a implementar um programa que a esmagadora maioria dos gregos não suporta, a realidade do plano de austeridade irá testar a paciência do povo grego.

O governo de Tsipras tem o compromisso de executar uma longa lista de medidas recessivas. Três delas ilustram a avalanche de impostos que aí vem: mais de 600.000 agricultores serão chamados a pagar impostos adicionais retroativos relativamente ao ano fiscal de 2014 e a fazer um pagamento antecipado de mais de 50% do imposto estimado para o próximo ano. Cerca de 700.000 pequenas empresas (incluindo trabalhadores de baixos salários que são forçados a operar como fornecedores privados de serviços) terão de pagar antecipadamente 100% (sim, o que leu está certo) dos impostos do próximo ano. A partir do próximo ano, cada comerciante terá de arcar com um imposto de 26% do volume de negócios, logo desde o primeiro euro que facturem, – ao mesmo tempo que serão chamados a pagar, em 2016, 75% do valor dos seus impostos de 2017.

Além destes absurdos aumentos de impostos (que também incluem substanciais aumentos dos impostos sobre vendas), o governo de Tsipras concordou em cortes de pensões e em vender bens públicos a preços de saldo. Até muitos dos gregos de pendor reformista recusam o plano de medidas imposto pela “troika” (a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu).

Tsipras está a tentar erguer duas linhas de defesa contra o doloroso tsunami que aí vem (e tentar, assim, minimizar o descontentamento popular). A primeira linha é pressionar a Troika para cumprir a sua promessa de negociar a redução da dívida logo que o programa recessivo tenha sido totalmente implementado. A segunda linha de defesa é baseada na promessa de um programa “paralelo” visando melhorar os efeitos mais nefastos do programa da troika. Mas ambas as linhas são permeáveis, na melhor das hipóteses, dadas as duras realidades da situação económica da Grécia.

Há poucas dúvidas de que o governo grego venha a conseguir algum alívio da dívida. Uma dívida não pagável é, de qualquer modo, uma restruturação da dívida (haircut). Mas os credores de Grécia já tiveram dois “haircuts”, primeiramente na primavera de 2012 e, depois, em Dezembro. Infelizmente, estes “haircuts”, embora substanciais, foram, em termos dos respectivos parâmetros financeiros e legais, demasiado escassos, demasiado tardios e demasiado tóxicos.

A questão que o governo de Tsipras enfrenta é, pois, se o próximo “haircut” será mais terapêutico do que os anteriores. Para ajudar a recuperar a economia grega, o alívio da dívida deve ser simultaneamente amplo e constituir uma alavanca para eliminar a maioria das novas medidas de austeridade, as quais apenas garantem pôr em marcha o círculo vicioso dívida-deflação. Mais precisamente, a redução da dívida deve ser acompanhada de uma redução das metas quanto ao excedente orçamental primário a médio prazo, dos 3,5% do PIB actuais para não mais de 1,5%. Não há outra forma de fazer com que a economia grega recupere.

Será que uma coisa destas é politicamente possível ? Um indício surgiu recentemente num artigo publicado no Financial Times, em que Klaus Regling, o director do fundo de resgate europeu, o Mecanismo Europeu de Estabilidade, voltou ao mantra da “troika” de que Grécia não precisa de um alívio substancial da dívida.  Regling pode não ser um jogador principal pelas suas funções, mas nunca fala inapropriadamente, nem nunca contradiz o BCE e o governo alemão.

É claro que há o FMI, cujos representantes dizem a quem os quer ouvir que a dívida grega deve ser cortada aproximadamente em um terço, ou €100 mil milhões de euros. Mas se o passado recente pode de alguma forma servir de guia para o futuro próximo, o ponto de vista do FMI será evidentemente descartado.

Isto deixa Tsipras apenas com a segunda linha de defesa: o programa “paralelo”. A ideia aqui é a de demonstrar ao eleitorado que o governo pode compatibilizar a capitulação face à “troika” com o seu próprio programa de reformas, através de ganhos de eficiência e de um assalto sobre a oligarquia que pode libertar fundos que sirvam para aligeirar o impacto da austeridade sobre a população grega mais fragilizada.

É um projecto louvável. Se o governo conseguir realizá-lo, constituirá uma potencial mudança do jogo.

Para ter sucesso, porém, o governo terá que cortar a cabeça de dois dragões de uma só vez: a incompetência da administração pública da Grécia e a inesgotável capacidade de recursos de uma oligarquia que sabe como se defender – incluindo urdir alianças fortes com a própria troika.

Ver o original em:

https://www.project-syndicate.org/commentary/tsipras-new-administration-maneuvering-room-by-yanis-varoufakis-2015-10#MCUtHYQI0J7dHJGj.99

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