PORTUGAL: O GOLPE DE ESTADO SILENCIOSO – OS PARTIDOS PRÓ-AUSTERIDADE INDIGITADOS PARA FORMAREM GOVERNO – por JACQUES SAPIR

Portugal

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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Portugal: o golpe de Estado silencioso

Os partidos pró-austeridade indigitados para formarem governo

Jacques Sapir - II

Jacques Sapir – Portugal: le coup d’État silencieux – Les partis pro-austérité appelés à gouverner sont minoritaires

Revista Causeur e RussEurope – Publicado a 26 de Outubro

Jacques Sapir - I

Portugal foi vítima nestes últimos dias de um golpe de Estado silencioso organizado pelos dirigentes pró-europeus deste país (1). Este acontecimento é particularmente grave. Este  ocorre quando  é ainda de fresca memória o golpe de força conseguido contra o governo grego pela combinação das pressões políticas que vêm do Eurogrupo e de pressões económicas (e financeiras) provenientes do Banco Central Europeu. Tudo isto confirma a natureza profundamente antidemocrática não somente da zona Euro mas também, e isto deve-se lamentar, da União Europeia.

Tem-se muito dito, na imprensa francesa em especial, que a coligação de direita tinha saído vencedora das últimas eleições legislativas portuguesas. Isto é falso. Os partidos de direita, tendo à cabeça o Primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, obtiveram apenas 38,5% dos sufrágios e perderam 28 lugares no Parlamento. Uma maioria de eleitores portugueses votou contra as últimas medidas de austeridade, com efeito 50,7%. Estes eleitores colocaram o seu voto sobretudo na esquerda moderada mas também sobre o Partido comunista português e de outras formações da esquerda radical. De facto, o Partido socialista português tem 85 lugares no Parlamento, o Bloco de Esquerda (esquerda radical) tem 19 e o Partido Comunista portuguesa 17. Sobre os 230 lugares do Parlamento português, as forças políticas anti-austeridade alcançaram 121, quando a maioria absoluta é de 116.(1)

Um acordo teria podido ser encontrado entre os partidos de direita e o Partido socialista. Mas, este acordo não era claramente possível sem pôr em causa uma parte do programa de austeridade que decorre do acordo assinado entre Portugal e as instituições europeias. Isto não  deixa de nos  fazer lembrar a situação da Grécia…

O Partido Socialista e “o Bloco de Esquerda” disseram claramente que este acordo devia ser revisto. É o que terá decidido o Presidente Cavaco Silva a rejeitar o projecto de governo apresentado pela esquerda. Mas os considerandos da sua declaração vão ainda muito mais longe. Disse Cavaco Silva: “ Depois de todos os importantes sacrifícios consentidos no quadro do importante acordo financeiro, é meu dever, e nas minhas prerrogativas constitucionais, de fazer tudo o que me for possível para impedir que falsos sinais sejam emitidos para com as instituições financeiras e os investidores internacionais” (1). É esta declaração que levanta verdadeiramente problemas. Que o Presidente. Cavaco Silva pense que um governo da esquerda unida possa conduzir a uma confrontação com o Eurogrupo e a UE está no seu direito de o pensar e é mesmo muito provavelmente o caso. Mas, numa república parlamentar, como o é actualmente Portugal, ele não tem o direito de interpretar as intenções futuras para se opor à vontade dos eleitores. Se uma coligação de esquerda e extrema esquerda tiver uma maioria ao Parlamento, e se esta se apresentar – e era este o caso – com um programa de governo, deve deixar-se-lhe a possibilidade de governar. Qualquer outra decisão aparenta-se claramente a um acto anticonstitucional, a “um golpe de Estado”.

Este “golpe” ocorre enquanto que a situação económica de Portugal, frequentemente apresentada – sem nenhuma razão – na imprensa como “um sucesso” das políticas de austeridade, permanece muito precária. O défice orçamental atingiu mais de 7% em 2014 e deverá  ser largamente superior a 3% este ano. A dívida pública está em mais de 127% do PIB. E, se a economia conhece, de novo, um certo crescimento, ela está, em 2015, sempre ao nível de 2004. O país terá recuado cerca de dez anos devido à aplicação das políticas de austeridade, com um brutal efeito  social (o desemprego) que é hoje extremamente elevado. De facto, “as reformas” que foram impostas em contrapartida do plano de ajuda ao financiamento da dívida e dos bancos não resolveram em nada o principal problema do país. Este problema, é a produtividade do trabalho. Esta última é muito fraca em Portugal, e isto por numerosas razões: uma mão‑de‑obra pouco ou mal formada e um investimento produtivo largamente insuficiente. Portugal, nos anos 1980 e 1990 pôde acomodar-se a esta fraca produtividade porque podia deixar a sua moeda depreciar-se. Desde 1999 e com a entrada no Euro, isto deixou de ser possível. Não é pois surpreendente que a produção tenha estagnado.

Os planos de austeridade sucessivos que  foram aplicados tinham  como objectivo fazer baixar os salários (em valor), quer se fale de salário directo ou de salário indirecto. Mas esta baixa pode apenas beneficiar as exportações, porque deprime, no mesmo tempo, o consumo interno [2. Blanchard O. e D. Leigh, Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers, FMI Working Paper WP/13/1, Washington DC, publicado em Janeiro de 2013.]. Aqui, em que uma depreciação da moeda deixaria o consumo interno inalterado, é necessário que os ganhos obtidos nas exportações realizados graças aos planos de austeridade compensem as perdas de consumo interno. É por isso que os planos de austeridade serão sempre menos eficazes que uma depreciação monetária, o que levou Patrick Artus a afirmar numa nota datada de 2012: “O ajustamento pela taxa de câmbio dá resultados rápidos; viu-se isso nos casos da Espanha e da Itália em 1992-1993 com o desaparecimento rápido do défice externo e uma subida limitada no tempo do desemprego. Vê-se também a mesma evolução nos diferentes ajustamentos dos países emergentes: Coreia e Tailândia em 1997, Brasil em 1998” (2).

A responsabilidade do Euro na situação económica de Portugal é inegável. Mas a responsabilidade das autoridades europeias no caos económico e político que se corre o risco de vir a acontecer é também igualmente certa. Fala-se frequentemente de uma habituação ao desastre, de uma lassitude do sofrimento que conduz os povos a abandonarem-se ao pior. De facto, não há aqui nada de semelhante. Os Portugueses tentaram aplicar os métodos inspirados pelo Eurogrupo e pela Comissão Europeia e, hoje, são obrigados a constatar que estes métodos não dão os resultados esperados. O voto das eleições legislativas é o resultado deste balanço. Mas, os dirigentes enfeudados ao estrangeiro, ou seja, às instituições europeias, decidiram não ter nada disto em conta. O que se passa hoje em Lisboa é também  grave, ainda que seja menos espectacular do que o que se verificou na Grécia.

A natureza profundamente antidemocrática do Eurogrupo e da União Europeia afirma-se uma segunda vez e confirma-se. Seria necessário sermos cegos  para o não ver. Contudo, esta vez poderá muito bem ser a vez a mais. Mas, para que assim seja é imperativo que todas as forças decididas a lutarem contra o Euro encontrem formas adequadas de coordenação das suas acções. É necessário aqui lembramo-nos do que Boétie escreveu no Discours de la servitude volontaire publicado em 1574 (3): “os tiranos só são grandes porque nós estamos de joelhos” (4).

Poder-se-ia então retomar esta fórmula, que nos parece tão contemporânea, e reformula-la da seguinte forma: “As instituições europeias são grandes apenas porque (os soberanistas) estão divididos”.

Mais que nunca, levanta-se a questão da coordenação das diferentes forças soberanistas. Esta coordenação não implica, de modo algum, que o que opõe estas forças seja negligenciável, nem que seja posta entre parêntesis. É toda a lógica “das Frentes”, como o “Front Uni Antijaponais” realizado na China pelo PCC e o Guomindang, que não são alianças no sentido estrito do termo mas que permitem evoluir separadamente e lutar em conjunto. Mas a realidade, por muito desagradável que seja a alguns, poderá,  enquanto não nos pudermos coordenar face a um poder realmente minoritário,  continuar a exercer a sua ditadura. E, de golpe de Estado em golpe de Estado, poderá instaurar um regime do golpe de Estado permanente.

Retrouvez cet article sur le blog de Jacques Sapir. 

Jacques Sapir, Revista Causeur,  Portugal: le coup d’Etat silencieux – Les partis pro-austérité appelés à gouverner sont minoritaires. Texto disponível em :

http://www.causeur.fr/portugal-bce-euro-austerite-35130.html?utm_source=Envoi+Newsletter&utm_campaign=09a4904778-Newsletter_28_09_15&utm_medium=email&utm_term=0_e89bc7d32d-09a4904778-55311133

ou ainda no blog de Jacques Sapir, RussEurope, com o título Le coup d’Etat silencieux de Lisbonne, no endereço: http://russeurope.hypotheses.org/4406 em :

*Photo: Sipa. Numéro de reportage : SIPAUSA30134740_000011.

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(1) Evans-Pritchard A. « Eurozone crosses Rubicon as Portugal’s anti-euro Left banned from power ». 

(2) Artus P., « Dévaluer en cas de besoin avait beaucoup d’avantages », Flash-Economie, Natixis, n°365, 29 Maio 2012, p. 6 

(3) La Boétie E., Discours de la servitude volontaire, Paris, Mille et une nuits, 1997. 

(4) Esta citação teve um grande sucesso nas vésperas de 1789 mas sob uma outra forma : « Les grands ne le sont que parce qu’il sont juchés sur nos épaules; secouons-les et ils joncheront la terre ». 

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