11. Caderno de notas de um etnólogo – Weimar do Egeu

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Revisão de Flávio Nunes

 

Caderno de notas de um etnólogo na Grécia – Uma análise social diária da crise grega

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Sexta-feira 20 Fevereiro de 2015

 

11. Caderno de notas de um etnólogo – Weimar do Egeu

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Uma pequena camada de neve tinha coberto a Acrópole, na quinta-feira de manhã. “Tempos de Bruxelas e tempos de Berlim” gracejavam então os Atenienses à hora do café da manhã.  O sol estando de regresso na  sexta-feira 20 de Fevereiro, leva a que as negociações aquando da reunião do Eurogrupo em Bruxelas se irão prosseguir  e enquanto o frio por aqui  persiste. As últimas declarações da Alemanha oficial, coléricas e  irracionais, provam – na minha opinião  – a urgência de se ter de  desfazer a UE e assim oferecer à Alemanha o seu justo lugar na  geopolítica do mundo actual. E isso  mesmo, independentemente dos resultados “gregos” a  curto ou a médio prazo.

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A neve em Atenas, 19 Fevereiro

 

“O governo grego aceitou no seu correio “a supervisão” da União europeia e do FMI durante os seis meses “de extensão” que lhes a pedida, sem contudo estar a mostrar as últimas medidas que lhe estão ligadas. Isso, vai ser o objecto das discussões ainda a acontecer, o resultado dependendo de apoio que o governo obtenha no Eurogrupo”, escreve François Leclerc sobre o blog de Paul Jorion. Jacques Sapir por seu lado, nota que “estamos já a partir de hoje no centro do problema. A Alemanha faz da Troika e da austeridade, o alfa e o ómega da sua política, porque estas medidas lhe asseguram a sua predominância na Europa. Fazendo concessões de pura forma, o governo grego desmascara a atitude alemã e transfere sobre a Alemanha a responsabilidade de um conflito. Porque, é pouco provável que a Alemanha ceda sobre este ponto. Com efeito, o governo Grego acaba de colocar uma armadilha à Alemanha. As concessões de pura forma que faz põem a tónica sobre a rigidez alemã.

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“União europeia de alta segurança ”. Atenas, Fevereiro 2015

 

O que na Grécia consideramos e pensamos claramente quanto à dimensão essencialmente geopolítica e também anti-social das orientações “técnicas” desta UE em declínio e perigosa, fica (em parte) ocultado pelas elites e pelos meios de comunicação social, de resto, mais subservientes do que nunca desde 1945. Constato infelizmente, que a França oficial faz também sofrer a sua população com a aplicação desta mesma política, isso nos termos de uma urgência meta-democrática de tipo memorando (lei Macron). Não é por azar que o trabalho ao domingo, arma de guerra na doutrina do totalitarismo financeirista, pertence à lei Macrom como pertence igualmente ao memorando dos Gregos, e nos delírios análogos que esta mesma casta tenta impor ao povo alemão e a todos os outros. Contudo, este tempo (histórico) das elites é na verdade um tempo contado. Como o está o tempo da esquerda num sentido bastante análogo. Porque as nossas esquerdas já na Europa (SYRIZA incluído), devem admitir que a pastilha elástica europeísta que têm andado a ruminar desde há décadas é boa para ser cuspida. Simplesmente, só para isso. Se não, as pessoas acabarão por se sentirem e serem asfixiadas pura e simplesmente assim.

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Uma parede em Atenas, Fevereiro de  2015

 

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“Nunca mais “trabalho ao Domingo”. ”. Parede em Atenas, Fevereiro de  2015

 

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Sem abrigo em Atenas, Fevereiro de 2015

 

Jacques Sapir apresentou na altura ao leitorado francês, o livro escrito por Costas Lapavítsas e por Heiner Flassbeck, “de Against the Troika. Crisis and Austerity in the Eurozone” publicado em inglês. Esta análise mostra efectivamente a questão central, tanto para a política alemã como para a Europa do que é “o regime da Troika”. Costas Lapavítsas, o professor de Economia que ensina em Londres na SOAS e foi eleito sobre a lista de SYRIZA nas eleições do 25 de Janeiro, é já conhecido pela clareza da sua análise. Tive ocasião de falar com ele, nomeadamente aquando do nosso encontro durante um colóquio organizado em Roma em 2013 incidindo exactamente sobre a Europa após o euro! Jacques Sapir recorda que “Heiner Flassbeck é um economista alemão que foi secretário de Estado das Finanças em 1998-1999 e que seguidamente dirigiu o centro das investigações económicas da UNCTAD em Genebra até 2012. Este livro contém também os prefácios de Oskar Lafontaine, ex-líder do SPD e fundador de Die Linke e de Paul Mason, bem como um posfácio de Alberto Garzon Espinosa”. “ Torna-se impossível” – prossegue- “de dizer que as reflexões que alimentam o governo grego são procedentes ‘de marginais’, quer seja de um ponto de vista académico ou mesmo institucional”.

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Diário dos editores. Fevereiro 2015.

 

“Este livro é uma muito importante contribuição para a análise da austeridade da zona euro gerada pela moeda única e desejada pela a Alemanha porque dessa situação retira enormes lucros. Esta política é descrita como sendo uma boa expressão do neo mercantilismo. Gera, de facto, pressões deflacionários extremamente potentes sobre o conjunto das economias da zona euro. Este livro apresenta em vários capítulos um quadro completo tanto da origem da austeridade da zona euro, como dos seus efeitos, quer seja sobre a economia europeia como também sobre a economia mundial. Permite compreender os efeitos assimétricos da política de austeridade na Alemanha e nos outros países. (…) Este livro insiste certamente sobre as consequências desastrosas que o euro poderia ter sobre a Europa. Este ponto é particularmente posto em evidência por Oskar Lafontaine, que foi um “dos pais” do Euro e que, no seu prefácio, insiste sobre o facto que o Euro trás com ele próprio a morte da Europa”. À sua maneira, o Premio Nobel da economia Paul Krugman, publica no “ The New York Times” a sua análise sob um título evocativo: “Weimar on the Aegean”. Compara a situação na Grécia de hoje à dos momentos Weimar, e nota que a recessão e a catástrofe financeira de que a Grécia é vítima neste momento é similar à de então que foi suportada pela Alemanha após a Primeira Guerra mundial. Para Paul Krugman, os líderes europeus devem, de acordo com a sua opinião, reter as boas lições da história. E, uma vez ainda, sublinha como e porque é que a dívida grega, não pode ser reembolsada, tal como a Grécia não pode mais continuar a ir por este caminho, o da austeridade que asfixia. Com as tristes notícias do dia, sabemos do falecimento de um adolescente sobre a ilha de Skiáthos, que não pôde ser transferido a tempo para o hospital, porque os motoristas das ambulâncias faltam brutalmente, na sequência dos despedimentos impostos pelo memorando e pela Troika (rádio Real-FM, de 20 de Fevereiro). A sua política continuará a matar e ainda por muito tempo e o regresso à humanidade será longo, para SYRIZA e sobretudo para o maior número de interessados.

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Um sem-abrigo e os “abrigados”. Atenas, Fevereiro de 2015

 

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Precarização profissional franco-grega. Atenas, Fevereiro de  2015

 

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“Esta vida é a morte. Merda à sociedade do espectáculo”. Atenas, Fevereiro de 2015

 

Eurogrupo ou não, os nossos sem-abrigo vagueiam sempre pela cidade com o regresso do sol, história de encontrar um espaço menos hostil por este tempo, tanto meteorológico como geopolítico. Há também certamente, as salas abertas e os centros de acolhimento, não obstante, são numerosos os que não deixaram os passeios. A Nova Grécia e ao mesmo tempo, o novo Presidente da República desde a quarta-feira (18 de Fevereiro), eleito pela Assembleia com uma larga maioria. Alexis Tsípras finalmente escolheu Prokópis Pavlópoulos, um deputado procedente das filas da Nova Democracia, mas que têm tomado as suas distâncias desde há vários meses no que diz respeito a Samaras e em face da Troika, para substituir o presidente de saída Károlos Papoúlias. Certa imprensa historicamente mainstream como por exemplo “ Ta Néa”, inventa o seu próprio jogo de palavras, evocando esta “Sinfonia de Prokofiev interpretada pela orquestra SYRIZA com a participação do coro de crianças do partido ANEL”, (o dos Gregos Independentes e Panos Kamménos).

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Um lugar de memória das lutas políticas dois anos dos anos 1960. Atenas, Fevereiro de 2015

 

O núcleo sociológico de SYRIZA histórico, dito de outra forma, o da diacronia durante a qual o partido de Alexis Tsípras se satisfazia apenas com uns 4% dos sufrágios expressos, este núcleo de antigos syrizistas protestou certamente contra esta escolha porque “a ocasião era então unicamente para, finalmente, se fazer eleger um Presidente da República procedente das filas da Esquerda”. Salvo que o chefe da Esquerda radical considera melhor que toda a gente qual é o teor da época e quais as urgências da Grécia, que são finalmente as urgências de SYRIZA muito sincrónica. Depois de tudo isto, o governo grego sai de uma coligação entre a esquerda e a direita com base num programa anti-memorando, justiça social a construir, de dignidade a reencontrar e por fim, de um patriotismo defensivo largamente compartilhado, na sequência da agressão que a sociedade grega tem estado a sofrer desde 2010. As suas primeiras medidas anunciadas são certamente populares ao sentido mais amplo do termo, embora insuficientes. Contudo, (a pequena) rutura com o financeirismo e a teocracia neoliberal parece evidente, e é inevitavelmente este ponto que irrita as elites que dirigem a Alemanha neste momento, esta mesma pobre escola de pensamento que impõe aos Franceses um memorando mal dissimulado, à maneira e inscrito na lei Macron por exemplo, como evocámos mais acima.

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Prokópis Pavlópoulos et Prokofiev. Quatidiano “Ta Néa”, 18 de fevereiro

 

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Prokópis Pavlópoulos e a “Mine allemande aux négociations”. “Quotidien des Rédacteurs” de 18 de Fevereiro de Fevereiro.

 

No “Diário dos Editores” (18 de Fevereiro), a grande caixa jornalística desse dia evoca este terreno das negociações em Bruxelas, campo minado pela Alemanha enquanto o comum do mortais em Atenas apoia largamente o governo SYRIZA/ANEL e ao mesmo tempo, recupera as suas últimas notas a partir dos bancos. Bonita atmosfera e ainda uma muito bela época; de acordo com a imprensa grega, entre a semana das eleições e estes últimos dias, quinze à vinte mil milhões de euros teriam sido assim retirados (últimos) pelos detentores das últimas riquezas colocadas nos bancos. Uma reunião não prevista inicialmente teve lugar (quinta-feira 19 de Fevereiro) entre Yannis Dragasákis, economista e Vice-Presidente do governo e Yannis Stournáras, Governador do Banco da Grécia e antigo ministro das Finanças sob os governos criados pela Troika. As suas declarações foram consideradas tranquilizantes; “ os guichets automáticos serão alimentados e sem problemas” precisou Yannis Stournáras. Durante a noite, numerosos atenienses têm efectivamente interpretado estas declarações oficiais visitando as janelinhas automáticas do seu bairro e às vezes mesmo as do bairro vizinho. O meu vizinho Chrístos faz as suas provisões junto da ajuda alimentar, já não visita as máquinas automáticas (ATM) e, no entanto, neste últimos tempos ele parece estar na maior. “Que se vão f… e o seu euro com eles também.”

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Jornalistas alemães e mulheres da limpeza em luta diante do Ministério das Finanças. Atenas, Fevereiro de 2015.

 

É talvez por esta razão que nesta quinta-feira à noite, Angela Merkel esteve ao telefone com Alexis Tsípras, tal como François Hollande. Não filtrou realmente nada, o que é (de momento) normal. As elites que governam a Alemanha parecem não querer compreender que a nossa história do momento é, salvaguardadas todas as proporções, a repetição da sua à maneira de uma farsa então trágica. As mentalidades gregas estão prontas (para a farsa e para a tragédia da dignidade) em todo caso. Representações do momento historicamente adquiridas, resumidas por uma declaração recente do ministro da Defesa Panos Kamménos (chefe do partido dos Gregos Independentes): se isto não tiver êxito (as negociações em Bruxelas), estamos prontos para fazer saltar tudo”. As nossas rádios recordam que apenas 6% a 10% das somas emprestadas ao país pela Troika chegam na verdade a Atenas. Para o resto, o que é enorme, os beneficiários são estes agiotas internacionais (principalmente bancos alemães e franceses que a seguir fazem com que sejam os seus respectivos governos a suportar a carga depois de já estarem cheios) e no final da cadeia lá se encontra-se os parentes pobres da fraude (e também um pouco cheios ), os bancos grego mais fantasmáticos que nunca, neste momento.

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“Nem um só passo atrás .Respire-se  dignidade ”. “Quotidien des Rédacteurs”, Fevereiro de  2015

 

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Realidades em Atenas. Fevereiro de 2015

 

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Retrospectiva Dziga Vertov. Atenas, fevereiro 2015

 

Estranhos e bonitos momentos de uma história enfim presente, não esquecida de um passado evidente. Um retrospectiva em Atenas propõe a redescoberta da obra de Dziga Vertov (1896-1954), este cineasta soviético, que verdadeiramente se inscreve no movimento da vanguarda cinematográfica da Rússia dos anos 1920, nomeadamente pela grande influência que exerceu sobre ele o futurismo e o construtivismo. Um precursor em certa medida de Jean Rouch e do seu cinema-verdade. Retrospectiva sempre os jornalistas da rádio 105,5 (SYRIZA) evocam não sem um certo espírito de escárnio, esta “probabilidade de voltar de novo para o matagal”, ou ainda “a luta contra os Alemães no exterior e contra os colaboradores no interior ” (20 de Fevereiro). O que observo também ao ler certas declarações, tem a ver com os primeiros desvios entre as políticas na Alemanha quanto à atitude a adoptar face à Grécia. Na realidade, face à própria Alemanha, um bom início, mas provavelmente insuficiente. Numa espécie de ultimato ao contrário, Alexis Tsípras vem declarar (tarde de 20 de Fevereiro): “É o momento em que a Europa deve tomar certas decisões históricas” (citado de memória, Real-FM). Mario Draghi do seu lado (BCE), pede aos bancos gregos para que deixem de financiar as necessidades do Estado (a Grécia), no caso da reunião desse dia do Eurogrupo não for conclusiva (de acordo com Real-FM, jornal do 14:00). Nenhum prognóstico possível de momento. Esperemos pelo fim da reunião do Eurogrupo do dia e dos meses próximos. Tempo de Bruxelas e tempo de Berlim. Atenas e as suas feras, respira de dignidade e é Weimar do Egeu . Futurismo ou construtivismo?

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Atenas e os seus belos e grandes gatos. Fevereiro  2015

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