Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Glenn Greenwald, Exploiting Emotions About Paris to Blame Snowden, Distract from Actual Culprits Who Empowered ISIS
The Intercept, 15 de Novembro de 2015
(CONCLUSÃO)
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Como anteriormente demonstrei, em Novembro passado, a táctica chave das autoridades inglesas e americanas é a de empreender uma guerra contra as empresas de Silicon Valley que oferecem a criptografia acusando- as de estarem a ajudar os terroristas. Em Setembro passado, o director James Comey do FBI disse realmente, “o que me preocupa acerca disto são as empresas que introduzem no mercado produtos que expressamente permitem que as pessoas se mantenham para além da lei,” enquanto o New York Times dava a condição de anonimato nesse artigo a uma autoridade na segurança para ligar o seu novo iPhone 6 às actividades terroristas. O Director de GCHQ designou a Apple e a Google como “redes sociais que são da preferência dos terroristas e criminosos” como parte do que o New York Times chamou “uma campanha pelos serviços de inteligência na Grã- Bretanha e nos Estados Unidos contra a pressão para estes serviços serem controlados quanto à sua vigilância e fiscalização digital depois das divulgações feitas pelo americano Edward J. Snowden”.
Então há aqui o benefício do deslocamento. Para a maioria dos principais ataques dos terroristas os autores ou são conhecidos nas agências de segurança ocidentais ou estas tinham amplas razões para os vigiarem. Todos os três autores do massacre de Charlie Hebdo “eram conhecidos das autoridades francesas,” como era um dos atacantes do ataque (neutralizado) ao combóio em Julho. Estas agências de segurança recebem milhares de milhões de dólares anualmente assim como poderes radicais, tudo em nome da vigilância sobre o Povo Mau e da neutralização de ataques terroristas.
Assim quando falham ostensivamente no seu dever, e as pessoas morrem devido a essa falha, é um instinto natural responsabilizar os outros: Não olhem para nós ; é culpa de Snowden, ou é culpa da Apple, ou é culpa dos jornalistas ou é culpa dos homens que conceptualizaram a criptografia, ou de qualquer outra pessoa, que não nós. Se o leitor faz parte de uma agência de segurança depois de um ataque de terror bem sucedido, qualquer pessoa no seu caso quereria que se olhasse para outro lado para tentar encontrar todos os tipos de culpados que não os daqueles que são os responsáveis pela neutralização destes mesmos ataques.
Sobretudo, há o desespero para impedir que as pessoas perguntem como e porque o ISIS podia aparecer tão rapidamente como que surgido do nada e com um poder tão forte, capaz de fazer explodir um avião comercial russo, um mercado em Beirute e metralhar as ruas de Paris numa só semana. Essa é uma questão pela qual as autoridades ocidentais ficam desesperadas só de pensarem que a questão lhes pode ser posta e por isso dirigem a sua ira contra Edward Snowden e para a Apple, pensando que isso lhes pode ser benéfico, in extremis.
As origens do ISIS não oferecem sequer qualquer discussão. O Washington Post disse-o de forma bem simples: “quase todos os líderes do estado islâmico são ex-oficiais iraquianos, incluindo os membros de seus comités sombra das forças armadas e da segurança, e a maioria dos seus emires e príncipes.” Mesmo Tony Blair — Tony Blair — admite que não haveria ISIS se não tivesse havido a invasão de Iraque: ““Eu penso que há elementos da verdade nisto,” disse ele quando lhe perguntaram se a invasão de Iraque tinha sido “a causa principal” do aparecimento do ISIS.” Como John Cassidy do New Yorker escreveu em Agosto :
Destruindo o estado iraquiano e estabelecendo ondas de choque em toda a região que, finalmente, conduziram a uma guerra civil na Síria, a invasão de 2003 criou as circunstâncias para que um movimento como o ISIS pudesse prosperar. E, virando a opinião pública nos Estados Unidos e noutros países ocidentais contra qualquer coisa que sugira uma participação militar prolongada no Médio Oriente, a guerra impossibilitou totalmente a possibilidade de um esforço multinacional em grande escala e eficaz para destruir o auto-denominado califado.
Então há ainda a questão relacionada de como é que o ISIS se tornou tão bem armado e tão poderoso. Há aqui muitas causas, mas possivelmente a principal terá sido o papel desempenhado pelos E.U. e pelos seus “aliados na região” (isto é, as tiranias do golfo) em armá-los, inconscientemente ou (no caso dos seus “aliados na região “) de outra maneira, despejando armas e dinheiro na região e dando pouca atenção aonde é que tudo ia parar (mesmo as autoridades dos E.U. reconhecem abertamente que os seus próprios aliados financiaram o ISIS). Mas os próprios documentos outrora secretos dos E.U. sugerem fortemente a cumplicidade dos E.U. também, embora inadvertidamente, na criação do ISIS, como o demonstra poderosamente um extraordinário clip de quatro-minutos de Mehdi Hasan de al Jazeera com o general Michael Flynn, anterior director da agência de serviços secretos (disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=SG3j8OYKgn4&t=8m48s)
Perante tudo isto, existe algum mistério sobre como é que “as autoridades americanas ” e o regime militar assim como os serviços de informações, e sobretudo como é que acérrimos defensores da guerra do Iraque como Jim Woolsey e Dana Perino, estão desesperados em transferir a culpa para longe deles, para os ataques terroristas do ISIS, para Edward Snowden, para os jornalistas que divulgam notícias sobre a vigilância sobre as comunicações ou até para as empresas que fornecem as tecnologias de criptografia? Fá-lo-ia se estivesse no lugar deles? Imagine-se simultaneamente a dedicar todos os seus esforços para retratar que o ISIS representa a maior e a mais terrível ameaça de sempre, enquanto sabe qual o papel vital que se desempenhou na sua génese e no seu crescimento .
A evidência clara, esmagadora mesmo – acima coligida – mostra quanta falsidade é precisa para sustentar as acusações deles que invertem as culpas. Mas o ponto mais importante a saber é perguntar por que é que eles estão tão ansiosos em assegurar que todos menos eles sejam escrutinados pelo que se está a passar. A resposta a esta questão é igualmente clara e extremamente perturbadora.
Pesquisa: Margot Williams
Glenn Greenwald, Exploiting Emotions About Paris to Blame Snowden, Distract from Actual Culprits Who Empowered ISIS. Texto disponível em:
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Para ler a Parte II deste texto de Glenn Greenwald, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a: