MUNDO CÃO – ANO FATAL PARA A UNIÃO EUROPEIA – por José Goulão

Mundo Cão

 

O ano de 2015 foi nefasto para a União Europeia, certamente o mais letal para aquilo que alguns designam ainda, com piedosa boa vontade, como “projecto europeu”.

A responsabilidade pelo desastre deve ser assacada por inteiro, mesmo em assuntos que parecem de origem externa ao espaço europeu – como é o caso da tragédia dos refugiados – aos dirigentes de Bruxelas e aos dos Estados nacionais. Já não havia quaisquer ilusões sobre o destino desastroso de tal “projecto”, porque o que torto nasce tarde ou nunca se endireita e, além disso, ao longo de gerações, os sucessivos dirigentes europeus entretiveram-se a entortar anda mais as intenções, já de si falaciosas, dos “pais fundadores”, apurando sem pudor as mentiras originais.

No ano de 2015 convergiram, como nunca, os factores que vinham correndo mal e os que explodiram entretanto nas mãos aventureiras, oportunistas e irresponsáveis dos dirigentes europeus – aliás tanto mais irresponsáveis quanto mais elevada a responsabilidade que desempenham. Uma catástrofe.

Comecemos pela crise económica, que só na demagogia primária e na descarada manipulação das estatísticas parece no caminho da solução. Nada disso: a economia não sai da estagnação e o modelo político inventado para dar cobertura a um regime que coloca a produção económica como subsidiária da especulação financeira está a rebentar pelas costuras. Como sabem, esse modelo político é a asfixia democrática sob o poder absoluto de dois braços partidários defensores das mesmas práticas económicas neoliberais – conservadores e sociais-democratas. Mas o que parecia consolidar-se passo a passo, desde o início da década de noventa, começou a explodir em 2015. Três eleições gerais consecutivas – Grécia, Portugal e Espanha – puseram em causa o regime dito bipolar, ou de arco da governação, ou de bloco central (bloco de direita é a designação adequada), alterando profundamente os contornos da “moderna” União Europeia: um sistema de dominação económica sobre mais de uma vintena de protectorados do único país a quem verdadeiramente serve a moeda única.

Ora o renascimento da política observado em Portugal, Espanha e Grécia, conjugado com outras alterações de cenário em desenvolvimento, por exemplo em França e no Reino Unido, introduziram um quase esquecido debate político numa dominação económica presa na ratoeira dos casinos financeiros. Isto é, no ano de 2015 confirmou-se com absoluta certeza que os mecanismos de ditadura económico-financeira sobre a política, isto é, a sobreposição de restrições orçamentais e monetárias sobre a soberania dos Estados membros – o federalismo encapotado – começam a chocar com a vontade dos povos expressa democraticamente, o que é o princípio do fim do regime em vigor.

O limite de 3% do défice, imposto pela dominação alemã através da moeda única, trava o investimento público e paralisa a economia, sem resolver os problemas das dívidas; e o controlo orçamental de Bruxelas impede os países de fazerem opções económicas de acordo com os seus interesses e os dos seus povos. Estas duas realidades estão claras aos olhos dos cidadãos, que começaram a agir em conformidade. O modelo autoritário e austeritário está a ruir. E os cidadãos percebem também, cada vez mais, que o investimento público é fundamental porque a maioria do capital privado não beneficia a economia uma vez que é desviado para a especulação e os paraísos fiscais.

Acresce que os bons ventos financeiros deixaram de soprar porque, por muito que a massa monetária em circulação corresponda maioritariamente a riqueza virtual, a paralisação da economia infecta o sistema bancário, como está à vista, e expande a crise ao sistema de especulocracia. A União Europeia está enredada na teia de funcionamento ganancioso e errático que ela própria criou, como se a tese do “fim da história” regenerada pela corrida à guerra e às riquezas naturais ganhasse novo alento.

Em termos de União Europeia essa estratégia foi o maior erro da sua história, porque pode ser a causa determinante do seu fracasso absoluto.

A crise dos refugiados e os seus efeitos no continente, somados à crise económica e social, transformaram a União Europeia numa bomba de relógio que entrou em contagem decrescente em 2015. A União Europeia, que nunca teve uma política de imigração muito menos terá uma política coerente e humanitária para com os refugiados. E, no entanto, criou a crise: participou aberta e criminosamente nas guerras que do Médio Oriente à África do Norte e subsaariana provocaram as vagas de refugiados e também o pânico com o terrorismo.

A resposta europeia tem-se baseado nas tendências securitárias e de criação de barricadas em forma de muros, cercas, encerramentos de fronteiras, pagamentos a terceiros para servirem de tampão (caso da Turquia); acoitando-se, além disso, sob a protecção expansionista da NATO, estrutura que, sob comando norte-americano, é tão responsável como os dirigentes europeus pelo caos em que a União Europeia está a mergulhar.

Num cenário de crise económica e social, agravado pela tragédia dos refugiados, as tendências xenófobas, revanchistas e nazis avivam-se de lés-a-lés na Europa, sem que os dirigentes da União pareçam incomodados com esse imenso potencial terrorista. Pelo contrário, a participação dos dirigentes europeus no golpe ucraniano e na consolidação da sua componente nazi é mais um sinal da irresponsabilidade dominante. À boleia da nazificação ucraniana, a NATO e Barack Obama encaram a possibilidade de instalar armas nucleares na fronteira russa, provocação cuja gravidade não necessita de ser explicada. Com a agravante de essa mesma Ucrânia ser o centro onde se intensifica a cooperação de terrorismos que só na designação são distintos: o nazi e o islâmico.

Do “projecto europeu” pouco resta. Para os cidadãos, noutras condições, tal seria uma excelente notícia. O problema é que a derrocada da grande mentira histórica que esse “projecto” foi e é vem arrastando todo o continente para a hipótese aterradora da reaparição de provações como as que desde há cem anos estão escritas com o sangue de dezenas de milhões de seres humanos da Europa, e também do resto do mundo.

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