CARTA DE VENEZA – A CIDADE E OS HOMENS – por Vanessa Castagna

carta de veneza

 

Veneza de pedras, canais e pontes, poços, torres e campanários. Veneza e os homens.

É cada vez mais difícil manter-se autêntico e viver a cidade de forma normal, preservando uma congruência profunda no meio do turbilhão de turistas e eventos artísticos que asfixia a cidade. Porém, há muitos venezianos com uma história – a sua – para contar.

Para não esquecer que o que faz sobreviver a alma de uma cidade são precisamente as pessoas que a habitam, esta carta dá hoje a conhecer um projeto curioso dedicado aos venezianos que não se rendem e que mantêm viva a cidade. Chama-se Venetians e vale-se das modernas tecnologias de informação para divulgar casos emblemáticos de tradição conjugada com a modernidade.

Até agora, contam-se setenta e seis retratos publicados no Instagram, associados a setenta e sete contos sucintos identificados pelo hashtag #venetians, numa iniciativa promovida por um diário local com o intuito de enfatizar “paixões, cultura, dia a dia e memória […] nos rostos de quem vive a cidade além das muralhas de Veniceland”.

As imagens e os textos encontram-se divulgados num blog constantemente atualizado (http://venetians-nuovavenezia.blogautore.repubblica.it/?ref=hfnvvebb-3) e, mesmo para quem não tem familiaridade com a língua de Dante, o fotógrafo Philippe Apatie realizou um vídeo que mostra alguns dos venezianos retratados no seu dia a dia, incluindo artesãos que se dedicam a atividades tipicamente venezianas (trabalhar o vidro, compor colares de contas, construir uma gôndola). O vídeo de momento só pode ser visualizado em

http://nuovavenezia.gelocal.it/venezia/cronaca/2015/12/25/news/venetians-quei-veneziani-che-tengono-viva-la-citta-1.12677792?ref=hfnvvees-1.

Dos venezianos retratados até agora, há alguns que tive a oportunidade de encontrar e outros com quem me cruzo quase diariamente. Não posso então deixar de mencionar o Sr. Colussi, um pasteleiro de 80 anos sempre sorridente que não se deixou tentar pela reforma e aguardou que a neta estivesse pronta para seguir o seu rasto e continuar a tradição na oficina de Calle Lunga San Barnaba. Já desde 1956 que utiliza ingredientes naturais e quem prova da sua “focaccia” uma vez na vida já não vai querer outra. Nicolò Zen é um músico que, ouvindo o canto da madeira, tem dedicado as suas energias à recuperação de barcos tradicionais e das respetivas técnicas de construção, contribuindo para a preservação de um património de conhecimentos em risco de se perder e chegando a criar um museu dos barcos. Sandro Mazzon ainda sabe entalhar molduras à mão e gere uma eclética oficina que pertence à sua família há três gerações, em Calle del Traghetto.

Outros venezianos retratados têm origens diferentes e fizeram-se adotar pela cidade por opção deliberada, amando a laguna e as suas contradições e lutando para que a “cidade-peixe” não caia definitivamente nas malhas da globalização selvagem. Todos eles são um exemplo a reter, uma objeção viva contra a falta de visão crítica e coerência.

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