SINAIS DE FOGO – UM RESISTENTE NO CONSELHO DE ESTADO – por Soares Novais

sinais de fogo

A imagem passou fugaz num dos canais de televisão. Mas deu para ver Domingos Abrantes, um dos heróis da Resistência ao fascismo, a tomar posse como membro do Conselho de Estado. Cavaco cumpriu a formalidade e cumprimentou-o. Secamente.  Percebe-se: o ainda presidente da República sempre preferiu outro tipo de conselheiros. Como o empresário de sucesso Dias Loureiro ou o exemplar gestor de dinheiros públicos Luís Filipe Menezes.

Domingos Abrantes, 78 anos, onze dos quais passados nas prisões políticas de Salazar e Caetano, é um dos heróis da Resistência e um dos dirigentes comunistas que fugiu do  Forte  de Caxias, em Dezembro de 1961, no carro blindado que Hitler oferecera ao “neutro” Salazar.

Abrantes nasceu em Vila Franca de Xira e foi um daqueles “homens que nunca foram meninos” como retrata, a preto e  branco,  Soeiro  Pereira Gomes  em  “Esteiros”.

Aos onze anos entrou pela primeira vez numa fábrica do Poço do Bispo e ali teve o seu primeiro contacto com a luta de classes. Pouco tempo depois aderiu ao Partido Comunista.

Domingos Abrantes foi clandestino, perseguido, preso, torturado, conheceu o exílio. Regressou a Portugal após “o dia inteiro inicial e limpo” na companhia de Álvaro Cunhal. Mas os longos anos de cativeiro e o exílio não o amargaram.

Nem a ele, nem a sua mulher, Conceição Matos, que conheceu na Margem Sul e quando ambos já eram militantes  clandestinos.  Casaram em 1969. Conceição Matos estava presa em Caxias e Domingos Abrantes em Peniche. Nunca nenhum deles falou perante os esbirros. Apesar das torturas e das humilhações sofridas.

Agora, Domingos Abrantes é um dos membros do Conselho de Estado. Um Conselho de Estado que tem pela primeira vez um operário no seu seio e um dos mais destacados lutadores pela Liberdade.

Sublinho o facto e registo outro: o do antifascista ter a seu lado no acto de posse como Conselheiro de Estado Adriano Moreira, o ministro de Salazar, que mandou reabrir, em 1962, o Campo de Concentração do Tarrafal, na longínqua e inóspita Ilha de Santiago, em Cabo Verde .

“Tarrafal”, ou Campo da Morte Lenta, que  se tornou, então, destino certo para muitos dos activistas que lutavam pela independência das então colónias portuguesas em África. O escritor Luandino Vieira foi um deles.

Como o fora antes para muitos comunistas e outros antifascistas que participaram nas greves do 18 de Janeiro de 1934 e na revolta dos marinheiros de Setembro de 1936.

Bento Gonçalves, operário como Domingos Abrantes, então secretário-geral do PCP, morreu ali. Em 11 de Setembro de 1942.

Assassinado.

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