O MITO DO HORÁRIO SEMANAL DE 40 HORAS NO SECTOR PRIVADO E A REPOSIÇÃO DO HORÁRIO DE 35 HORAS NA FUNÇÃO PÚBLICA – por EUGÉNIO ROSA

Logótipo

 

O MITO DO HORÁRIO SEMANAL DE 40 HORAS NO SETOR PRIVADO E A TENTATIVA DE RECUSAR A REPOSIÇÃO DO HORÁRIO DE 35 HORAS NA FUNÇÃO PÚBLICA COM O PRETEXTO DE QUE NÃO PODE AUMENTAR OS CUSTOS

O governo tem declarado (consta da pág. 78 do seu programa) que pretende “ o regresso ao regime de 35 horas semanais do período normal de trabalho para os trabalhadores da função pública sem implicar aumento dos custos globais com pessoal”, ao mesmo tempo que se desenvolve nos órgãos de comunicação social uma campanha contra a reposição do horário de trabalho de 35 semanais na Função Pública com o pretexto que isso criaria uma situação de desigualdade em relação ao setor privado. Interessa, por isso, analisar estas duas questões de uma forma objetiva e com rigor, para repor a verdade.

O MITO DE QUE NO SETOR PRIVADO O HORÁRIO DE TRABALHO SEMANAL É 40 HORAS

Comecemos então pelo mito de que vigora no setor privado o horário semanal de 40 horas. Para isso observem-se os dados sobre o “Emprego por número de horas semanais trabalhadas”, publicados no Boletim Estatístico de Dezembro de 2015 do Banco de Portugal, que constam do quadro 1:

Quadro 1 – Emprego em Portugal por número de horas semanais trabalhadas
horário semanal - I

Como revelam os dados do Banco de Portugal, em Setembro de 2015, 19,8% dos trabalhadores em Portugal tinham um horário efetivo igual ou inferior a 30 horas por semana; 56,5% trabalhavam entre as 36 horas e as 40 horas por semana (entre 36 e 40 horas significa que mesmo muitos destes trabalhavam menos de 40 horas por semana, e a sua percentagem diminuiu, entre Dez.2010 e Set.2015, de 58,5% para 56,5% do total); e 23,7% tinham horários semanais iguais ou superiores a 41 horas. Afirmar, como alguns fazem nos órgãos de comunicação social, que o horário de trabalho semanal no setor privado é de 40 horas, só pode ser ou por ignorância ou com o objetivo de manipular a opinião pública utilizando a mentira para virar esta contra os trabalhadores da Função Pública. São os próprios dados do Banco de Portugal que provam isso.

A REDUÇÃO DO DÉFICE ORÇAMENTAL FOI CONSEGUIDA ATRAVÉS DE CORTES ENORMES NAS DESPESAS DE PESSOAL QUE CAUSOU A DEGRADAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

A redução do défice orçamental pelo governo PSD/CDS foi conseguida fazendo um enorme corte nas despesas de pessoal das Administrações Públicas, o que causou, como é evidente, uma degradação profunda nas condições de trabalho na Função Pública e na prestação de serviços públicos essenciais, sentida por toda a população, que é urgente reverter como o próprio governo de António Costa reconhece e afirma.

O quadro 2, com dados do INE, da DGAEP e do DGO do Ministério das Finanças mostra os resultados e os efeitos dramáticos desse enorme corte das despesas de pessoal nas Administrações Públicas, que atingiu todos os trabalhadores deste setor fundamental para o bem-estar dos portugueses e para o desenvolvimento do país, pois sem trabalhadores qualificados e motivados não é possível a prestação de serviços públicos essenciais de qualidade e de acordo com as necessidades da população. É importante que os portugueses nunca esqueçam isso.

Quadro 2 – Redução enorme dos trabalhadores e das despesas com pessoal na Função Pública

horário semanal - II

Durante a “troika” e o governo PSD/CDS o numero de trabalhadores das Administrações Públicas diminuiu em 91.197, as despesas com pessoal de toda a Função Pública foram reduzidas em 4.930 milhões € (passou de 13,7% para apenas 10,9% do PIB, o que significa que 2,8 p.p. de redução do défice orçamental foi conseguida à custa dos trabalhadores), e a despesa de pessoal anual por trabalhador reduziu-se em quase 3.000€ (mais precisamente em 2.933€). E não se pense que este enorme corte de despesa com pessoal resultou apenas do corte remunerações que será eliminado em 2016, pois esta reposição da remuneração significa em média e por mês apenas 38€ por trabalhador. E como consta do quadro 2 o corte na despesa por trabalhador foi de 210€ por mês.

MAIS DE 137 MILHÕES DE HORAS DE TRABALHO GRATUITO POR ANO NAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS CORRESPONDENDO A 804,4 MILHÕES €/ANO

O aumento do horário de 35 horas para 40 horas semanais nas Administrações Públicas traduziu-se num gigantesco volume de trabalho gratuito, já que não deu origem a qualquer acréscimo de remuneração para os trabalhadores. O quadro mostra isso.

Quadro 3 – Valor do trabalho gratuito na Função Pública resultante do aumento do horário de trabalho de 35 para 40 horas semanais

horário semanal - III

Este aumento gigantesco de trabalho gratuito na Administração Pública – 137,5 milhões de horas por ano – que corresponde a um valor de remunerações  de 804,4 milhões € por ano (calculado com base na remuneração média ilíquida mensal dividida por 30 dias, e não no valor hora extraordinária) dá bem a dimensão da espoliação dos trabalhadores da Função Pública pela politica de austeridade da “troika” e do governo PSD/CDS. No Relatório do Orçamento do Estado de 2014, o governo PSD/CDS previa que, com o aumento do horário semanal de trabalho de 35 para 40 horas, obtivesse uma redução de 153 milhões € na despesa, determinada pela “redução de efetivos por aposentação e redução do trabalho suplementar”, portanto um valor consideravelmente inferior ao valor do trabalho gratuito anual dos trabalhadores da Função Pública. Mas no  relatório do OE-2015 não apresentou quaisquer dados relativos ao impacto real dessa medida em 2014 nem previu quaisquer efeitos para 2015. E isto até porque o aumento significativo das aposentações antecipadas prematuras se deveu às alterações profundas feitas todos anos no regime de aposentação, o que criou uma grande insegurança em toda a Função Pública. O efeito do aumento do horário semanal na redução de custos foi residual como o próprio governo reconhece nos relatórios do OE, não trouxe qualquer melhoria aos serviços, mas representou um enorme sacrifício para os trabalhadores da Função Pública a nível de condições de trabalho e descanso, e com efeitos negativos nas relações familiares.

A DEGRADAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS CAUSADA PELA FALTA DE TRABALHADORES E O PRETEXTO DE NÃO AUMENTAR A DESPESA

Com a “troika” e o governo PSD/CDS registou-se uma profunda degradação (em quantidade e qualidade) dos serviços públicos prestados à população. Isso foi evidente para a maioria dos portugueses, já que o acesso a serviços essenciais para todos (saúde, segurança social, etc., etc.) se tornou cada vez mais difícil e a sua degradação tornou-se evidente para a opinião pública. Basta lembrar as mortes recentes em hospitais por falta de médicos e o tempo perdido para obter qualquer informação junto da maioria dos serviços públicos. Uma das causas importantes foi a redução significativa de trabalhadores registada neste período, a maioria deles com grande experiencia e qualificação, que foram empurrados prematuramente para a aposentação antecipada, reduzindo-se as contribuições mas aumentando a despesa da CGA com pensões.

O quadro 4 mostra a dimensão da redução do número de trabalhadores das Administrações Públicas em serviços essenciais para a população nos últimos 3,5 anos.

Quadro 4 – A redução do número de trabalhadores nas Administrações Públicas

horário semanal - IV
FONTE: Estatísticas do Emprego Público – 3ºTrim.2015- DGAEP – Ministério das Finanças

Só entre Dez.2011 e Set.2015, o numero de trabalhadores das Administrações Públicas foi reduzido pelo governo PSD/CDS, em 78.000 (10,7%), um valor superior ao que constava do Memorando de entendimento inicial com a `troika”. Se a análise for feita por Ministérios conclui-se que os cortes foram maiores naqueles que prestam serviços essenciais para a população e para o desenvolvimento do país: Educação (36.388,sendo 28.560 professores); Saúde (3.949, sendo 1.433 enfermeiros); Segurança Social e Fundos da Segurança Social (3.346). Só nestes três Ministérios a redução de trabalhadores (43.683) representou 56% do total de trabalhadores que neste período saíram da Função Pública. É evidente que num quadro desta natureza, e com uma falta tão grande de trabalhadores em tantos serviços essenciais, e quando o aumento do horário semanal de trabalho de 35 para as 40 horas semanais não teve efeito significativo positivo quer a nível de custos quer a nível de melhoria de serviços prestados à população como se mostrou, insistir que a reposição do direito ao horário de 35 horas só poderá ter lugar se não determinar aumento de custos, isso será entendido como um pretexto para continuar a recusar esse direito à Função Pública, até porque a  quantificação de custos devido apenas à redução do horário é difícil para não dizer mesmo impossível como a experiência provou e o próprio governo já reconheceu.

Eugénio Rosa – edr2@netcabo.pt – 16.1.2016

Leave a Reply