A embaixada da Ucrânia quer interditar a difusão de um documentário. Estamos de volta à URSS? – por Marc Cohen

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

A embaixada da Ucrânia quer interditar a difusão de um documentário
Estamos de volta à URSS?

Marc Cohen, Revista Causeur

Activists of Maidan self-defence watch a backhoe loader tractor of the communal services remove opposition barricades on Grushevsky street in order to allow limited car traffic in accordance with an arrangement between anti-government opposition and the Ukrainian powers, in Kiev, on February 16, 2014./SIPA_sipa.10/Credit:FRANCESCA VOLPI/SIPA/1402171351

Esta noite Canal+ deveria difundir no âmbito da série “Especial-investigação” um documentário de Paul Moreira que evoca a questão muito controversa do papel das milícias neonazis na Ucrânia, antes, durante e após os acontecimentos na praça Maïdan. Utilizei o condicional “deveria” porque intensas pressões são exercidas actualmente sobre a cadeia de televisão para que esta desprograme pura e simplesmente o documentário de Moreira.

Num comunicado oficial, a embaixada critica violentamente o realizador que, certamente, “dá ao espectador uma representação travestida e enganadora da situação na Ucrânia.”

Em virtude de que, explica a embaixada de Ucrânia, “a versão do director de realização Moreira sobre os acontecimentos na Ucrânia, incluindo a anexação ilegal da Crimeia, é uma suave música aos ouvidos dos partidários das teorias da conspiração e dos propagandistas pró-russos. Isto faz desta reportagem um panfleto ao nível das piores tradições de desinformação.”

Sequência lógica do raciocínio oficial ucraniano: “O autor criou um filme que gera preconceitos e induz os telespectadores em confusão sobre os acontecimentos trágicos que a Ucrânia sofreu nestes últimos tempos. ” O adjectivo “ucranianófobo” não foi utilizado, mas por pouco…

Mas o melhor vem no fim, o governo de Kiev teria podido pedir legitimamente um direito de resposta ou um debate contraditório sobre a cadeia de televisão. Mas nada disso é pedido pela embaixada à cadeia de televisão, pois esta o que pede é a censura pura e simples, a proibição. Julgue-se então cada um de nós: “Não é o pluralismo nos meios de comunicação social, mas o engano, e Canal+ seria bem aconselhado a dever reconsiderar a divulgação do filme. Sabe-se, sem dúvida, este tipo de jornalismo desleal é uma arma muito potente que pode com efeito ser utilizada em detrimento dos vossos telespectadores…”

Então, caro embaixador de Ucrânia, tenho duas ou três pequenas coisas a dizer-lhe.

Primeiramente: nesta longa carta, não contesta concretamente nenhuma “das mentiras” e de outras “desinformações” ou métodos “conspiracionistas” de que acusa Moreira. Porquê? Porque não argumentar factualmente por exemplo com uma contra-investigação sobre o massacre de 45 civis russófonos em Odessa, no incêndio da casa dos Sindicatos, que seria então o resultado da propaganda teleguiada pelo Kremlin?

Em segundo lugar: obrigado de nos fazer a todos assumir um ar de jovens: acreditar-se-ia realmente que esta carta foi escrita na URSS nos piores tempos de Brejnev.

Em terceiro lugar: tem-se certamente o direito de estar em desacordo, total ou parcial, com Paul Moreira. Pessoalmente, isso já me aconteceu e mais do que uma vez, e às vezes muito rudemente. Mas não se tem o direito de criminalizar o seu trabalho ou a sua reflexão e ainda menos o direito de exigir a sua censura.

Nota-se que nesta campanha, o lobing da embaixada foi retransmitido eficazmente a alguns dos nossos confrades, nomeadamente Benoît Vitkine, o muito empenhado especialista da Ucrânia no jornal Le Monde. Este acusa nomeadamente Moreira “de se subtrair também a qualquer análise matizada do nacionalismo ucraniano e das suas forças, amalgamando nacionalismo, extrema direita e neonazismo. Nos grupos que Moreira estuda, os neonazis constituem uma minoria.” Confessa-se que já se viu o diário da tarde mais ofensivo contra o nacionalismo radical, e menos interessado em separar o trigo do joio entre “extrema direita e neonazismo”. Nuance, nuance. …

Nada de nuances, em contrapartida, para o balanço globalmente muito negativo do documento, para Vitkine, que conclui assim: “O papel de cavaleiro branco que se arroga Paul Moreira, pretendendo revelar verdades passadas sob silêncio, não tem bases de sustentação. Experiente documentarista atirou-se a um tema real. Escolheu “olhar por si-mesmo”, diz-nos. Mas viu apenas o que queria ver, substituindo as máscaras por viseiras.”

Ataques aos quais Moreira respondeu de forma extremamente argumentada no seu blog: “Benoît Vitkine insinua, sem nada citar em seu apoio, que o meu propósito seria pôr à luz das câmaras e dos espectadores “a instalação de um novo fascismo na Ucrânia.” Vitkine deve estar fortemente zangado para escrever este tipo de coisas . Nunca disse que o fascismo se tinha instalado na Ucrânia. A frase chave do meu documento é: “A revolução ucraniana gerou um monstro que irá em breve voltar-se contra o seu criador.” Depois, conto, isso sim, que grupos de extrema direita atacaram o Parlamento e mataram três polícias em Agosto de 2015. Nunca dei a entender que estavam ao poder. Ainda que o poder se possa servir deles. “

Há um argumento que Moreira não usa, sem dúvida por timidez confraternal. É um erro. Do meu ponto de vista, deveria exigir que Vitkine explique porque é que não se refere em nenhum momento à vontade de censura da embaixada de Ucrânia enquanto que o seu texto foi publicado 48 horas depois do comunicado da embaixada, e republicado 72 horas após. A censura, são peanuts, para o jornal Le Monde em 2016?

Este silêncio deplorável do meu confrade do Le Monde requer um último comentário pela minha parte. Não se tem o direito de permanecer neutro face a uma tentativa vergonhosa de censura. Aqui, estamos em França, não no Catar ou na Coreia do Norte.

Marc Cohen, Revista Causeur, L’ambassade d’Ukraine veut faire interdire un docu sur Canal+. Back in USSR?

Texto disponível em :

http://www.causeur.fr/ukraine-moreira-neonazis-36525.html?utm_source=Envoi+Newsletter&utm_campaign=35aa67ebe2-Newsletter_10_12_15&utm_medium=email&utm_term=0_6ea50029f3-35aa67ebe2-57412501

*Photo : SIPA.00676237_000010

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