A GALIZA COMO TAREFA – ‘pátria e região’ – Ernesto V. Souza

Regionalismo, autonomismo, auto-governo, soberanismo, são palavras habituais nos discursos dos diversos grupos políticos e culturais que se entendem representantes das reivindicações de territórios e comunidades menorizadas ou sub-representadas, cultural, política ou economicamente num Estado.

Territórios ou comunidades étnicas, linguísticas, religiosas com umas características específicas que deram lugar a um reconhecimento histórico – equivalente ou não – a um reconhecimento político e legislativo em forma de região diferenciada ou autonomia concedida.

A reivindicação coletiva da idiossincrasia de uma comunidade estabelece-se no princípio de reconhecimento, de identificação dos membros da dita comunidade por meio de uma definição mais ou menos consagrada de elementos ou valores comuns. O fenómeno magistralmente definido por Bendict Anderson como “invenção de comunidades”, tem um destacado lugar na história política Ocidental e está fortemente associado ao fenómeno romanático da aparição do Nacionalismo e aos processos derivados das crises do capitalismo que iniciaram a queda do Imperialismo europeu (primeiro na Europa, depois na África e Ásia), a fins do século XIX.

A começos do século anterior e antes de 1917 (data arredor da que renasce o movimento galeguista sob o nome de Nacionalismo) houve na Espanha uma de tantas fases de agitação, por causa dos primeiros sucessos políticos do Catalanismo.

Na fase de ante-crise da Restauração Canovista e de última tentativa de reformulação “desde arriba”, modernização do Parlamentarismo rotativista por parte de Antonio Maura, a palavra “regionalista”, abrangendo desde o nacionalismo emergente das nações históricas até o movimento municipalista, passando pelos reformistas, agrarista e regeneracionistas, estava na moda, disputada tanto pelos que aspiravam à reforma do sistema da restauração (e tratavam de combater o centralismo e o caciquismo) como pelos que desejavam a sua permanência (cientes da importância do poder provincial e municipal).

O regionalismo,  que nascera como protesta contra os políticos do sistema, contra o centralismo e contra o caciquismo, representava na primeira década do século XX, em paralelo a uma reivindicação folclórico, literária, histórica, arqueológica e musical, do passado e orgulho local uma das patas do descontento social e a resposta por parte das elites locais excluídas do sistema de grandes partidos rotativistas.

O “regionalismo” misturara-se, de Aragão a Castela, passando por Madrid, Galiza e Catalunha, com os movimentos “regeneracionistas” que após a crise de 1898 deflagraram por toda Espanha em movimentos diversos de caráter assembleário local e campanhas de protesto. Que deram lugar posteriormente a movimentos supra-partidistas reivindicativos e a frontes, nas que os partidos republicanos, reformistas e o socialismo, conseguiram agrupar pontualmente a oposição.

Mas a movimentação de tanta diversidade, não logrou salvo em episódios concretos, normalmente de carácter reivindicativo laicista, confrontar o sólido sistema bipartidista. Até que na primeira década do século, o regionalismo na Catalunha sim conformará uma verdadeira fronte e também as bases de um projeto nacionalSolidaritat Catalana.

Na Galiza, o maurismo reformista, o agrarismo, o republicanismo urbano federal nas suas fações e o movimento político regionalista serão até a politização das Irmandades da Fala (1917-18), as correntes dominantes da oposição política (sem contar o obreirismo anarquista) na Galiza ao sistema rotativista.

Depois do triunfo eleitoral da Solidaritat Catalana (1906), na Galiza tentou-se imitar o projeto de unificar a oposição progressista galega e aumentaram os contatos entre as forças da oposição para o estabelecimento duma força política que aglutinasse os setores contrários aos “Partidos do Turno”.

52933122No verão de 1907, aprece o  “Manifesto Solidário”, que  com 42 assinantes de diversa adscrição política fora dos Partidos do sistema origina Solidaridad Gallega. Os grupos mais destacados são republicanos críticos chefiados por José Rodríguez Martínez (Médico Rodríguez), os republicanos federais de Moreno Barcia, os tradicionalistas de Joán Vázquez de Mella e os regionalistas da Liga Gallega na Crunha (chefiados por Salvador GolpeManoel Lugris Freire, Uxio Carré).

O principal discurso é a reforma do sistema político, o anticaciquismo, a reforma do sistema tributário, a administração, e o seu apoio principal e força política será o movimento agrarista, que chegaria a contar nos primeiros anos com 400 associações.

Nas eleições municipais de 1910, contra as dificuldades do artigo 29 da tristemente célebre lei de 1907, (desenhada justamente contra a unidade do catalanismo e o republicanismo como movimentos políticos anti-sistema) a Solidariedade obteve 258 vereadores na província da Crunha.

Porém e pese à sua força emergente e implantação na Crunha, não conseguiu converter-se num movimento para toda Galiza. Os conflitos, debilitaram rapidamente o projeto, que se prolongou ainda até 1912. Os protagonismos pessoais, as quotas de poder, as diferenças entre os setores republicanos, vazquezmellistas, e com os [proto-]nacionalistas, derivaram em ataques, polêmicas e conflitos que foram provocando a separação de muitos dos impulsores e protagonistas principais e uma crescente rotura entre os grupos, que se prolongariam nas décadas a seguir e definiriam até os anos prévios à II República o panorama político da esquerda na Galiza.

Esta experiência também marcaria a política de alianças externas do nascente nacionalismo das Irmandades desde o ano 1919, provocando conflitos a respeito entre o setor da Crunha (que seria tendente a repetir estas alianças) e o setor que terminaria conformando a ING, após a cisão da Assembleia de Monforte (1922).

No decurso desta aventura, aparecerá por primeira vez a histórica cabeceira do galeguismo A NOSA TERRA (1907) e desde os seus primeiros comícios “em campo aberto” o galego reaparecerá para ser usado em público no discurso político.

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