A CRIAÇÃO DE MOEDA, BANCA E CRISES: UMA OUTRA PERSPECTIVA – UMA NOVA SÉRIE SOBRE QUESTÕES DE ECONOMIA – 5. A MOEDA CENTRAL (1/3) – OU PORQUE É QUE O BCE NÃO INJETOU 1000 MILHARES DE MILHÕES DE EUROS – por OLIVIER BERRUYER – I

Falareconomia1

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

olivier-berruyer-236x300

Olivier Berruyer, A moeda central (1/3) – ou porque é que o BCE não injetou 1000 milhares de milhões de euros

Les Crises.fr, 13 de Março de 2012

logo -les crises.fr

 

Hoje, passamos a tratar de uma matéria tão importante quanto por muitos ignorada: a criação monetária, e o funcionamento de um banco central…

Com efeito, estou cansado de ouvir falar para o segundo empréstimo a 3 anos feito pelo BCE (LTRO = Long-Term Refinancing Operation = Operação de Refinanciamento a longo prazo).

Vou por conseguinte tentar explicar-vos o mais claramente possível qual é o papel de um banco central nacional (BCN) como fornecedor de liquidez aos bancos comerciais (BC).

Para isso sou levado a retomar as bases da criação monetária. Não falaremos aqui demasiado “em moeda” no sentido clássico – o assunto é longo e difícil de tratar, mas fá-lo-ei bem mais tarde. Não há grande mal de resto em separar os 2 assuntos para assim aligeirar as explicações (…)

Vou tentar fazê-lo da forma mais simples possível, mas ilustrarei também a exposição com alguns esquemas contabilísticos – muito simples, acrescente-se, e para o seu entendimento não haverá necessidade de se ser contabilista (…)

Os 2 erros frequentemente encontrados

Estes dois erros podem ser lidos sobre as operações do BCE:

  • O primeiro refere-se ao volume implicado nestas operações; não é muito grave, mas mostra bem que certas análises básicas não foram mesmo realizadas;

  •  O segundo refere-se ao próprio princípio. Aqui o erro é muito profundo, e falseia toda e qualquer análise (…)

É claro que a questão monetária é muito mal compreendida e mais ou menos por todos nós. Esta situação está evidentemente ligada ao facto de que apenas é muito pouco ensinada – posso testemunhar ter feito 2 “grandes escolas”, uma cientifica, uma comercial, e fui muito pouco sensibilizado para estas questões é o pouco que posso dizer.

Enquanto que os comentadores, analistas, jornalistas, políticos não a compreendem bem, o que é bastante normal.

É francamente preocupante quando são os “economistas” que cometem tais erros. Penso por exemplo no meu contraditor Guillaume Duval que, na qualidade de editor chefe da revista mensal Alternativas económicas afirmou recentemente:

“O Banco central europeu […] pode também decidir criar moeda para a injetar no circuito económico, como acaba de o fazer por duas vezes desde há três meses num montante total de 1.020 mil milhões (1.020 Md€) de euros, ou seja 10% do produto interno bruto (PIB) da zona euro.” [Guillaume Duval, www.alternatives-economiques.fr, em 5 de Março de 2012]

Puríssimo, duas tretas numa só frase, isto diz-nos que são fortes estes “economistas dos meios de comunicação social” (…) (não batamos demasiado em Duval, pois já ouvi isto mais de 20 vezes desde há 10 dias (…)). Na verdade:

– Não houve absolutamente 1.020 Md€ criados pelo BCE aquando destas 2 operações LTRO 3 anos;

– Por este tipo de operação, o BCE não decide realizar nenhuma injeção no sistema económico – não houve absolutamente nenhuma utilização “da rotativa a fabricar notas ” como é dito por toda a parte.

Vejamos então:

  1. porque é que o BCE não criou 1.000 Md€

Explicaremos no próximo texto como é que o BCE cria moeda. Analisamos aqui simplesmente os montantes que estão em causa.

Recordemos simplesmente que faz parte das funções do Banco Central criar (e destruir) liquidez bancária, emprestando aos bancos comerciais. As 2 operações de que se fala são operações excepcionais, pela sua amplitude, mas sobretudo pela sua duração: é a primeira vez que o BCE empresta a 3 anos.

Olhemos para o balanço do BCE e vê-se que a composição destes empréstimos tinha fortemente mudado:

criação monetária - XV

 

criação monetária - XVI

Normalmente, o BCE põe sempre um pouco “de óleo na engrenagem”: viu-se que antes da crise, um terço dos seus empréstimos eram de maturidade a uma semana e a totalidade era a menos de 3 meses.

Em jeito de informação o conceito de longo prazo que figura na LTRO significa normalmente “mais de uma semana”. Até 2008, o BCE nunca tinha emprestado a mais de 3 meses; a crise levou-o a emprestar pela primeira vez a 6 meses em 2008, a 1 ano em 2009, e a 3 anos em 2011 /2012 – as coisas tem estado a melhorar e em muito, tudo está a ir pelo melhor (…)

Proponho de resto para compreender melhor que se crie uma categoria VLTRO nos empréstimos do BCE, que proponho identificar simplesmente:

  • MRO: empréstimos a menos de 2 semanas (Main Refinancing Operations = Operações principais de refinanciamento). A orientação 2011/14 do BCE precisa que “a sua duração é normalmente de uma semana”;

LTRO: empréstimos entre 2 semanas e 1 ano (Long-Term Refinancing Operation). A orientação 2011/14 do BCE precisa que “a sua duração é normalmente de três meses” [sic.];

VLTRO: empréstimos a mais de um ano (Very Long-Term Refinancing Operation)

O BCE por conseguinte procedeu a 2 operações VLTRO:

A 23 de Dezembro de 2011, emprestou 489 Md€ há 3 anos a 523 bancos;

A 29 de Fevereiro de 2012, emprestou 530 Md€ há 3 anos a 800 bancos;

Ou seja 1.020 Md€ de novos empréstimos a 3 anos.

Afinal, Guillaume Duval tem razão então, o BCE injetou 1.020 Md€?

Não, não tem razão, de modo nenhum! Por uma razão simples: uma grande parte destes empréstimos substituiu simplesmente antigos empréstimos. Por exemplo, um banco que tinha contraído um empréstimo de 100 M€ por 6 meses a 1 de Janeiro (e que de resto o renova em geral todos os 6 meses seguintes para ter “uma almofada”) teve a possibilidade de parar com esses rollovers e de o substituir participando no empréstimo do BCE a 3 anos.

Para conhecer o montante “da liquidez injetada”, é suficiente fazer o esforço colossal de olhar a situação do Eurosistema em 16 de Dezembro, 23 de Dezembro, 24 de Fevereiro e 2 de Março, seguidamente, com uma calculadora, pode-se ter o total em duas subtrações e uma adição – elementar, portanto:

criação monetária - XVII

Assim, vê-se efetivamente que para o VLTRO n°2, o BCE emprestou mais 530 Md€, a injeção líquida foi apenas de 310 Md€.

Para os dois VLTRO, a injeção por conseguinte foi apenas de 523 Md€. Não de 1.020 Md€ (para os economistas: atenção, é aproximadamente apenas a metade (…)).

Assim, a quem vos falar de uma injeção ou uma de criação monetária de 1.000 Md€, poderá fazer-lhe notar que se está enganado em cerca de 500 Md€ – ou seja o equivalente de 25% do PIB da França, ou 3.500 € por lar europeu. Uma palha…

Analisaremos no próximo texto a Moeda Banco Central, e o papel fundamental desempenhado pelo Banco central…

(continua)

________

Ver o original em:

http://www.les-crises.fr/la-monnaie-banque-centrale-1/

 

Leave a Reply