CRÓNICA DE DOMINGO – ONTEM VI  OS FILMES  “BALADA DE UM BATRÁQUIO” E “TREBLINKA” – por João Machado

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Ontem, sábado, às 21 horas, a Helena Maria e eu fomos ao Museu do Neo-Realismo que, como vocês sabem, fica aqui em Vila Franca de Xira, ver dois filmes inseridos num ciclo levado a cabo em colaboração com o IndieLisboa. O primeiro foi Balada de um Batráquio, realizado por uma jovem vila-franquense, Leonor Teles, sobre os preconceitos contra os ciganos, que venceu o Urso de Ouro de curtas-metragens, do Festival Internacional de Cinema de Berlim, e ganhou um Firebird em Hongkong. Ocupa-se em especial de uma manifestação desses preconceitos, que consiste em alguns comerciantes colocarem nas suas lojas sapos de cerâmica, pretendo assim afastar os ciganos, que dizem ter temor ou repugnância por aqueles batráquios. O segundo filme foi a longa metragem Treblinka, uma evocação da chacina de judeus durante a Segunda Guerra Mundial no campo de morte nazi, situado naquela povoação polaca, realizado por Sérgio Tréfaut. Estreou há cerca de um mês, tendo sido filmado nos comboios entre a Rússia, Ucrânia e Polónia, com um pequeno grupo de actores, que incluem a portuguesa Isabel Ruth. Outro actor, Kiril Kashlikov, em russo transmite-nos as palavras de Chil Rajchman, um sobrevivente daquele campo de concentração, que escapou por ter sido mantido como sonderkommando (esta expressão li-a no Expresso, no texto de Vasco Baptista Marques sobre este filme e outros estreados este ano no Indie), nome dado aos prisioneiros encarregados dos trabalhos para o funcionamento do campo. Rajchman escreveu um livro “Sou o último judeu”, em que narra detalhadamente as provações que sofreu e o que observou em Treblinka.

São filmes muito diferentes na forma, um curto (11 minutos), colorido, com muita vida, próprio de uma realizadora jovem, que ama a sua família e o seu povo, e exprime a sua revolta com vigor e entusiasmo, desmascarando e destruindo o símbolo do preconceito e da opressão. Tivemos a Leonor Teles connosco, e ela contou-nos que quem lhe deu a ideia do filme foi a própria mãe. Resumiu-nos as investigações que fez sobre as superstições sobre sapos entre o povo cigano, e informou-nos que só na Polónia é que conseguiu encontrar informações seguras sobre a sua existência. Mas também nos resumiu o número de locais do nosso país onde encontrou lojas cujos donos tinham colocado sapos de cerâmica para afugentar os ciganos. Não tem dúvidas sobre  a continuação desta prática em muitos sítios.

O filme de Tréfaut dura cerca de uma hora, usa o movimento do comboio para nos fazer sentir como a vida é inexorável e sem saída para as vítimas da opressão e dos preconceitos, e a angústia e o desespero que sentem aprisionados que estão numa espiral de ódio e inumanidade, que se obstina em não os deixar escapar. Foi uma homenagem à realizadora e actriz Marceline Loridan-Ivens, que esteve detida em Auschwitz, e que ainda hoje tem horror a andar de combóio, devido às recordações lancinantes da sua deportação. O personagem feminino, interpretado por Isabel Ruth, inspirado, ao que julgo, em Marceline Loridan-Ivens, refere a certa altura a repugnância que sente sobre as ideologias, e de certo modo, as religiões, partilhada pela maioria, senão a totalidade, dos que caíram nas malhas tecidas pelos seus intérpretes.

Filmes muito oportunos nos tempos que vivemos, de grandes convulsões resultantes de tensões que se têm acumulado e agravado nestes tempos de austeridade e manipulação, que parecem querer continuar a condenar numerosas populações ao desespero e à miséria. O tratamento dado pelos realizadores aos assuntos abordados nos seus filmes mostra-nos onde podem conduzir a ganância e a prepotência, da escala mais baixa à mais elevada. Contribui para nos manter despertos, em tempos de alienação.

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