Um olhar sobre a Europa a partir da Áustria | (2/3) Nós somos todos austríacos! Um revelador do mal-estar europeu – por Luc Rosenzweig

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

Um olhar sobre a Europa a partir da Áustria

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Uma pequena série dedicada aos meus amigos Joachim Becker, de Viena, e Luis Peres que de Viena veio encantado

(2/3) Nós somos todos austríacos! Um revelador do mal-estar europeu

Luc Rosenzweig

O que se passa na Áustria é a versão, em concentrado, duma crise de identidade europeia que afecta, com mais ou menos intensidade, todas as nações da União Europeia.

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Sipa. Numéro de reportage : AP21899505_000003.

No dia seguinte ao dos atentados do 11 de Setembro de 2001, Jean-Marie Colombani, então director do Le Monde exclamava-se “nós somos todos americanos! ”, querendo significar que na desgraça a solidariedade das democracias se impunha e bem para além das diferenças e das divergências que as podem separar.

Durante demasiado tempo, em todo caso desde o caso Waldheim em 1986, este candidato à Presidência da República da Áustria eleito apesar das divulgações sobre o seu passado de oficial nazi, que se quis ver nas peripécias políticas deste país apenas as consequências de um passado bem escondido. A ascensão do FPÖ de Jörg Haider? Uma subida nauseabunda dos esgotos do III º Reich, de que a Áustria oficial persistia em proclamar-se “a primeira vítima”, a despeito de uma verdade histórica estabelecendo que a adesão popular ao nazismo tinha também sido muito forte, se não até mais em Viena que em Berlim. A invocação ritual da apóstrofe brechtiana “o ventre é ainda fértil etc.…” permitia entregar-se sem nenhum constrangimento moral à preguiça intelectual do quem não se sente preocupado. Eles eram eles, e nós éramos nós.

Se fosse necessário reter uma só coisa do drama político que acaba de se desenrolar na Áustria por ocasião da eleição presidencial, é que este modo de explicação por uma suposta singularidade da república alpina na sua relação com a história é hoje totalmente infundado.

Como acreditar, com efeito que metade dos Austríacos deram os seus votos a um candidato de um partido classificado como de extrema direita para garantir a reabilitação de um IIIº Reich de que os seus avós terão sido maioritariamente os apoiantes? E que, em consequência, a vitória no limite e inesperada de um velho prof de economia ecologista deve ser celebrada como uma travagem ao parto da besta imunda ?

Sim, nós somos todos austríacos, porque o que se passa na Áustria é a versão concentrada de uma crise europeia que afecta, com mais ou menos intensidade todas as nações da UE. Usura dos partidos tradicionais de governo, fratura territorial e social entre os vencedores e os perdedores da mundialização, desconfiança para com as instituições de Bruxelas, uma enorme insegurança cultural ligada à vaga migratória… Que país do nosso continente não está hoje confrontado com estes problemas?

Se a sua expressão política é mais visível e mais nítida na Áustria, isso deve-se à sua posição geográfica, ao contacto das zonas de turbulências da Europa, os Balcãs, a Ucrânia, e uma Mitteleuropa que se agita contra o jugo político e económico germânico. Orban, Fico, Kaczynski são ouvidos em Viena, porque eles são, eles também, herdeiros do velho império austro-húngaro. Isso é também a consequência remota da fragmentação deste império após a Primeira guerra mundial: a Áustria “alemã”, Restösterreich, é um país hidrocéfalo, dotado de uma capital sobredimensionada em relação à dimensão do país e da sua população. Isto aumenta a fractura entre a metrópole, cidade-mundo aberta e dinâmica, e o resto do país -espaço rural e pequenas cidades viradas para o seu folclore e para dentro delas… É suficiente olhar para o mapa eleitoral da Áustria, com as zonas verdes para os distritos onde o candidato ecologista Van der Bellen é maioritário, e as zonas azuis onde dominam os partidários do FPÖ Norbert Hofer, para disto mesmo ficarmos convencidos. O verde está concentrado em Viena, e em redor de Salzbourg enquanto o azul está nos outros lugares.

Enfim, esta sequência austríaca de que se saberá mais tarde se ela tem a ver com a ópera séria ou com a ópera bufa, com o D Juan de Mozart ou o morcego, de Johann Strauss, mostra, se ainda é necessário fazê-lo, que a questão social, o desemprego, não são as únicas causas da crise política europeia. À força de ser negada, a ansiedade identitária dos mais vulneráveis nas nossas sociedades causa as turbulências eleitorais de que nos lamentamos …

Qual o Bill Clinton made in Europe que nos venha dizer, enfim, « it’s the identity, stupid ! » ?

Luc Rosenzweig, Revista Causeur, Nous sommes tous autrichiens! Un révélateur de la maladie européenne, Texto disponível em : http://www.causeur.fr/autriche-fpo-verts-hofer-38363.html

 

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