GIRO DO HORIZONTE – LEMBRAR BICESSE, SEM PRESSAS… por Pedro de Pezarat Correia

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Na Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), no passado dia 31 de Maio, o Fórum Angola-Portugal e a Embaixada de Angola em Portugal promoveram uma conferência evocativa da passagem dos 25 anos sobre o Acordo de Bicesse, tentativa de paz para Angola mediada por Portugal. Sob a presidência do Dr. Aires de Barros, presidente da SGL, sucederam-se, para além das saudações de abertura, várias intervenções de fundo, a cargo do tenente-coronel Ramos da Cruz em nome do embaixador de Angola, do embaixador António Monteiro, do general Tomé Pinto, do general Wuambo Chidondo e, a encerrar, do doutor Durão Barroso. Os conferencistas portugueses foram, todos, personalidades com papel de relevo no processo negocial e de transição de Bicesse.

Bicesse foi, sem dúvida, um momento importante, naquilo a que tenho chamado a fase de consolidação da identidade nacional de Angola, que se seguiu à independência e que considero a fase que encerrou o processo de descolonização. Mas Bicesse, Acordo de Paz, como se chamou, falhou, como já falhara o Acordo do Alvor em 1975 e como viria a falhar o Acordo de Lusaka em 1994. Como as partes angolanas haviam deixado entender logo depois do Alvor, a paz não chegaria a Angola pela via negocial, mas pela via das armas. Só com a derrota da UNITA no Bailundo e no Andulo, em Setembro/Outubro de 1999 e, um ano e meio depois, com a morte em combate de Savimbi no leste, Angola pôde, finalmente, conhecer a paz. Em 1961 Portugal forçara os angolanos a recorrerem à luta armada de libertação e impusera a lógica das armas. Foi essa lógica que imperou e sóatravés das armas, 40 anos depois, chegava a paz.

Portugal teve mérito na forma como moderou as negociações que culminaram com os Acordos de Bicesse, apesar de alguns lapsos que poderiam ter-se evitado, nomeadamente não ter tido na devida conta os ensinamentos do Alvor. Mas teve um papel positivo, sem dúvida, várias vezes o referi e o registei no meu livro Angola do Alvor a Lusaka. Durão Barroso (DB), que liderou a mediação por parte de Portugal, foi o principal artífice desse mérito e foi nisso que centrou a sua comunicação na SGL. No entanto não pode passar sem reparo uma sua afirmação que continha, implícita, uma “censura” ao facto de a descolonização ter sido “apressada”. A esse propósito permito-me algumas notas, para desfazer equívocos:

  1. Não sei a que descolonização de refere DB porque, a das colónias portuguesas em África, foi tudo menos apressada – demorou quase um século. Possivelmente queria referir-se à transferência do poder que, “apressadamente”, há quem confunda com a descolonização. Confusão que a alguém com as responsabilidades de DB não é desculpável.

  2. Em 1975 a “apressada” transferência do poder em Angola durou cerca de 10 meses, entre a assinatura do Alvor (15 Jan) e a independência (11 Nov). Os negociadores portugueses teriam desejado um prazo maior, mas a posição conjugada de todos os movimentos de libertação obrigou a abreviá-lo. Também em Bicesse Portugal desejava uma transição de 3 anos, mas novamente as partes angolanas levaram a abreviá-lo para 16 meses, entre a formalização de Bicesse (31 Mai 1991) e as eleições (29 Set 1992). A diferença entre Alvor e Bicesse não terá sido assim tão grande, certamente muito menor do que a diferença entre as condições muito mais favoráveis que se verificavam em Bicesse das que envolveram o Alvor (não tenho aqui espaço para detalhar porquê, mas não faltará oportunidade).

  3. A transferência do poder “apressada” deveu-se, também, à pressão de partidos radicais de extrema-esquerda, na metrópole que, quando Portugal necessitava nas colónias de forças militares motivadas, disciplinadas, operacionais, que lhe conferissem peso negocial e assegurassem uma transição pacífica, clamavam nas ruas o “regresso dos militares, já” e “nem mais um soldado para as colónias”, chegando mesmo a impedir o embarque de militares, tanto contribuindo para a fragilização militar. Um desses partidos radicais, talvez o mais radical em 1975, era o MRPP. Onde estava DB nessa conjuntura?

  4. Admito que se mude de posição política com os anos, admito que hoje se pense que foi “apressado” aquilo que então tanto se fez para “apressar”. Mas o que não aceito é que alguém, que se pretenda responsável, esqueça as responsabilidades próprias em cada momento e as endosse a outros.

Uma referência final à notável e muito bem estruturada comunicação do general Wuambo Chidondo. Oriundo das FALA (estrutura militar da UNITA), apontou o momento em que Jonas Savimbi, depois das eleições declaradas “livres e justas” pelos responsáveis da ONU, por não ter aceitado a derrota nas urnas, convocou os altos quadros da UNITA que dias antes tinham sido empossados nos mais elevados cargos das Forças Armadas Angolanas (FAA), acabadas de formar e lhes ordenou que abandonassem as FAA e reassumissem os seus lugares nas FALA, que já deviam ter sido extintas e desmobilizadas mas que, afinal, não o tinham sido, como tragicamente se comprovou. A guerra tinha-se reiniciado pela mão de Savimbi.

Wuambo Chidondo afirmou, expressamente (cito de cor): «Foi o momento de rotura do processo de Bicesse e em que o conflito recomeçou.» Vindo esta confirmação de quem vem, o general que considerou, descomplexadamente, que chegou a hora de falar verdade e assumir responsabilidades próprias, é uma atitude que não pode deixar de ser salientada. Até pelo contraste, pela positiva, com a de Durão Barroso.

6 de Junho de 2016

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