CRÓNICA DE DOMINGO –  É PRECISO SABER QUAL FOI A MOTIVAÇÃO, por João Machado.

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O assassinato de Jo Cox causou um choque muito grande à maioria das pessoas. Pelo menos à maioria das pessoas de bem que, independentemente das suas convicções políticas, sociais ou outras, prezam o respeito e o bem-estar dos seres humanos em geral. E sem dúvida que o caso não é para menos. Uma senhora jovem, casada, mãe de dois filhos, com uma carreira política motivada, ao que tudo indica, por um grande espírito de generosidade, foi morta em plena campanha para o referendo britânico por um indivíduo que estará ligado á extrema-direita que advoga posições opostas às por ela defendidas. Será fácil tirar conclusões sobre os factos ocorridos, mas justifica-se um apuramento profundo de todas as responsabilidades, próximas e longínquas, de tão horrível acontecimento, num espaço de tempo o mais curto que possível.

Não se deve optar por dizer que este é um caso lá dos ingleses, ou que só interessa a quem se mete em política: na realidade toca-nos a todos nós. Ao signatário veio-lhe ao espírito o caso de Miguel Bombarda, grande homem, médico e republicano, assassinado na antevéspera da proclamação da república, em pleno Hospital de Rilhafoles, a 3 de Outubro de 1910, por Aparício Rebelo dos Santos, que seria tenente do exército, e antigo aluno dos jesuítas. Se é verdade que ao hospital em que Miguel Bombarda tanto trabalhou foi dado o seu nome, que muitas cidades portuguesas têm uma rua Miguel Bombarda, que a sua memória tem sido geralmente enaltecida, a verdade é que nunca se conseguiu apurar claramente se o assassino, internado como louco, actuou sozinho ou se alguém o instigou. No link abaixo pode aceder-se a um documento de que consta um relatório, datado de 22 de Maio de 1929, em que se dá como comprovada a loucura do assassino, quase dezanove depois do crime. Terá então havido uma tentativa de esclarecer as motivações do acto, em determinado sentido, como parece crer João Medina, o autor do post? Talvez tenha razão.

É reconhecido que os tempos agitados turvam as mentes, e que as crises políticas e sociais são responsáveis pela instabilidade individual e colectiva. E muitas vezes na história os actos violentos tiveram objectivos justos, nomeadamente quando foram dirigidos contra a opressão. Mas o facto é que o sentimento de insegurança, por vezes mal explicado por quem o sente, porque está iludido sobre as raízes da sua insatisfação, abre caminho à adesão a manifestações de violência. O nacionalismo exacerbado, o fanatismo religioso, o ódio à diferença são tentativas de ultrapassar esse sentimento de insegurança, culpando o outro pelos problemas sentidos, mesmo que não haja qualquer ligação directa. Alguns tentarão passar à acção só por si, outros vão integrar grupos de pessoas com sentimentos semelhantes, ou ainda grupos que lhes vão dar um determinado enquadramento, para passarem à acção nem sempre (para não dizer quase nunca…) com a orientação que desejam. É por isso que se tem de pugnar por se conhecer a verdade sobre o que aconteceu com Jo Cox, como teria sido importante tê-lo feito com Miguel Bombarda, de modo a apurar as responsabilidades concretas e as motivações profundas por detrás delas. Isto para compreender melhor até que ponto as crises afectam as pessoas e as levam a cometer actos deste género contra pessoas indefesas, manifestamente empenhadas no bem comum. Como é que ocorrem casos como estes, ou mesmo outros, que alguns considerarão de natureza diferente, como o chamado terrorismo islâmico, o morticínio de Orlando, ou o perpetrado por Anders Breivik, em 2011, na Noruega, entre outros casos. Como pensam os seus responsáveis que ficará o mundo, a seguir a praticarem actos tão hediondos? Esta é a questão. Sem de modo nenhum omitir as responsabilidades individuais, é preciso procurar ir mais longe e perceber as circunstâncias que tornaram possíveis estes crimes, além da vontade do executor.

 

http://malomil.blogspot.pt/2013/08/aparicio-o-assasino-de-bombarda.html

https://run.unl.pt/bitstream/10362/7374/1/A%20Medicina%20Contempor%c3%a2nea%20-%20Um%20caso%20emblem%c3%a1tico%20na%20imprensa%20m%c3%a9dica%20portuguesa.pdf

1 Comment

  1. ……” é preciso procurar ir mais longe e perceber as circunstâncias que tornaram possíveis estes crimes, além da vontade do executor.”

    Maria

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    No dia 19 de junho de 2016 às 21:01, A Viagem dos Argonautas escreveu:

    > joaompmachado posted: ” O assassinato de Jo Cox causou um choque muito > grande à maioria das pessoas. Pelo menos à maioria das pessoas de bem que, > independentemente das suas convicções políticas, sociais ou outras, prezam > o respeito e o bem-estar dos seres humanos em geral. E se” >

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