O INSTITUTO PÚBLICO PARA A GESTÃO DA ADSE TEM DE SER DIFERENTE DOS EXISTENTES O QUE EXIGE INOVAÇÃO LEGISLATIVA – por EUGÉNIO ROSA

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UM MODELO PARA A ADSE DE INSTITUTO PÚBLICO DE GESTÃO PARTICIPADA COM CONTROLO EFETIVO DOS TRABALHADORES E APOSENTADOS DIFERENTE DOS EXISTENTES

No fim do mês de Junho/2016, a comissão nomeada pelo governo para apresentar uma proposta de reforma do modelo da ADSE apresentará o resultado do seu trabalho. No entanto, na “Versão Preliminar” que divulgou para debate público, a própria comissão reconheceu que a ADSE enquadra-se no estatuto laboral dos trabalhadores da Função Pública, portanto é um direito dos trabalhadores da Função Pública (pág. 3 e 20 do documento divulgado pela comissão- ver nosso estudo de 5.6.2016). Daqui decorrem várias consequências que não devem ser ignoradas, e que necessitam de ficarem bem claras.

A 1ª consequência é que o âmbito da ADSE é apenas e somente os trabalhadores da Função Pública. Por isso não tem qualquer justificação nem razão aqueles que exigem o seu alargamento a outros setores, ou mesmo à toda a população como fez Assunção Cristas do CDS. Ninguém exige que o complemento de reforma que a PORTUCEL/Soporcel atribui aos seus trabalhadores, ou que qualquer banco que tenha para os seus trabalhadores, seja alargado a toda a população. Exigir isso seria absurdo.

Para além disso, e contrariamente ao que muitos afirmam, incluindo o próprio Tribunal de Contas, a sustentabilidade da ADSE não depende apenas do seu alargamento a outros setores. O seu alargamento levaria mesmo à destruição da ADSE tal como existe atualmente. E isto por várias razões. A primeira razão, é porque a ADSE não é um seguro de saúde. Os seus titulares – trabalhadores e aposentados da Função Pública – pagam, não um valor fixo como sucede em qualquer seguro de saúde, mas sim uma quota proporcional ao vencimento recebem (na ADSE a quota paga pelos seus titulares varia entre 0,37€ e 553,36€), portanto a ADSE baseia-se na solidariedade interprofissional. Depois, à medida que idade aumenta e os custos de saúde crescem (segundo a ADSE, em 2014, a despesa com saúde por beneficiário com idade entre os 20 e os 30 anos foi de 165,43€, enquanto a de um beneficiário com mais de 80 anos atingiu 616,81€, ou seja, 3,7 vezes mais) e apesar disso, a quotização não aumenta nem o beneficiário é expulso como acontece com os seguros de saúde, portanto a ADSE também se baseia na solidariedade intergeracional. A segunda razão, que é esquecida por quem defende o alargamento, é que a sustentabilidade da ADSE também resulta do facto da remuneração média mensal na Administração Pública ser muito superior à do setor privado (em Out.2015, era de 1.618,5€). E isto porque 354.599 trabalhadores da Administração Pública (48,7% do total), terem o ensino superior (Licenciatura, Mestrado, Doutoramento), enquanto a nível do país é inferior aos 20% (nos 20% estão incluídos os trabalhadores da Função Pública, o que significa que sem estes a percentagem no setor privado é menor). Portanto, a abertura da ADSE à restante população com remunerações mais baixas como alguns defendem, levaria inevitavelmente à sua destruição tal como é atualmente. A terceira razão, é que o seu alargamento a toda a população, como a direita defende, determinaria a sua rápida transformação, por um lado, num grande seguro de saúde muito semelhante aos já existentes de gestão privada e, por outro, num instrumento de corrosão e destruição do SNS pois o que está na mente dos defensores é o fortalecimento do setor privado da saúde para concorrer com o SNS, e assim transformar este no SNS dos pobres.

A 2ª consequência resulta do facto da ADSE ser um direito dos trabalhadores da Função Pública e enquadrar-se no seu Estatuto laboral, por isso o Estado nunca se poderá desresponsabilizar do seu funcionamento.

Em simultâneo com estes duas consequências/princípios existe ainda uma outra 3ª consequência. Como consta do Relatório de Auditoria 3/2016 do Tribunal de Contas (pág. 41), sendo a ADSE financiada apenas pelos descontos dos trabalhadores e aposentados da Função Pública, o dinheiro da ADSE não pode ser apropriado pelo Estado, nem desviado para outros fins; tem de ser utilizado em beneficio de quem desconta; para além disso, quem financia a ADSE têm o direito de participar na gestão e na fiscalização da ADSE.

Portanto, qualquer “solução” para a ADSE tem que respeitar estes três princípios.

A ADSE ATRAI O APETITE DOS GRUPOS PRIVADOS DE SAÚDE

 O quadro 1, com dados do Plano de Atividades da ADSE para 2016, mostra de uma forma sintética e clara por que razão a ADSE atrai os apetites de grandes grupos privados.

 Quadro 1- Receitas e despesas da ADSE no período 2010-2016

ADSE - XIV

Os dados do quadro, divulgados pela ADSE, permitem tirar algumas conclusões importantes e também ficar a saber por que razão os grandes grupos privados de saúde assim como capital financeiro (seguros de saúde) estão tão interessados na ADSE. No período 2010-2016, a ADSE movimentou 4.016,16 milhões €, o que é muito dinheiro. Neste período a despesa da ADSE com o “regime convencionado”, despesa essa faturada principalmente pelos grandes grupos privados de saúde, atinge 2.013,7 milhões € e com o “regime livre”, também receita de privados, soma 933,8 milhões €. Durante este período, os “descontos “ dos trabalhadores e dos aposentados para a  ADSE atingem 2.621,3 milhões €.

ENQUANTO A ADSE FOR UMA DIREÇÃO GERAL, OS TRABALHADORES E OS APOSENTADOS DA FUNÇÃO PÚBLICA NÃO TERÃO QUALQUER CONTROLO DO DINHEIRO QUE DESCONTAM

Como mostram também os dados do quadro 1, a partir de 2014 (inclusive) o valor dos descontos feitos nas remunerações dos trabalhadores e nas pensões dos aposentados foi sempre superior à despesa total da ADSE. Este facto tem determinado elevados saldos positivos, o que mostra que as contribuições dos trabalhadores e aposentados são excessivas. Segundo o Plano de Atividades da ADSE para 2016, a ADSE acumulou, no período 2014-2016, 469,24 milhões € de saldos positivos. Este dinheiro não está na ADSE mas sim nos cofres do Estado, sendo utilizado pelo governo como ele quer, portanto uma parte dele já “voou”. E isto porque a ADSE é uma direção geral sem autonomia financeira, faz parte da administração direta do Estado, por isso o governo tem poder para utilizar os seus dinheiros como quiser e de acordo com as suas necessidades (a ADSE nem pode utilizar os seus saldos, os quais não são incorporados nas suas como refere o Tribunal de Contas no seu Relatório de Auditoria). É tudo isto e muito mais o que tem acontecido como provou a auditoria feita pelo Tribunal de Contas. Por ex., o governo tem utilizado os saldos da ADSE para financiar o SNS regional da Madeira, e para financiar os governos regionais da Madeira e dos Açores segundo o Tribunal de Contas. Os dados da própria ADSE constantes do quadro 1 confirmam isso. Assim, em 2015, a ADSE pagou aos hospitais públicos da Madeira 29,8 milhões € e, em 2016, prevê-se que pague pelo menos 6,4 milhões €. A ADSE continua a pagar os medicamentos na Madeira que deviam ser pagos pelo SNS como acontece no Continente. Para além disso, o governo nacional tem permitido que os governos regionais se apropriem dos descontos feitos nas remunerações e nas pensões dos trabalhadores e aposentados da Madeira e dos Açores. Segundo a auditoria do Tribunal de Contas os governos regionais já se apropriaram de 24,8 milhões € de descontos, o que determina que as despesas com saúde dos trabalhadores e aposentados das regiões da Madeira e dos Açores estejam a ser apenas pagas com os descontos dos trabalhadores e aposentados do Continente. É uma gestão desastrosa e irresponsável bem caraterizada no Relatório de Auditoria do Tribunal, que lesa os trabalhadores e aposentados da Função Pública, em que estes não têm qualquer controlo sobre o dinheiro que descontam, que está a ser paga com o seu dinheiro, pois eles são os únicos financiadores da ADSE.

Em 2016, a ADSE prevê gastar com o “regime convencionado” e com o “regime livre” 488,1 milhões €, ou seja, mais 8,3% do que em 2015, portanto, uma subida muito superior ao aumento dos salários dos trabalhadores e das pensões dos aposentados da Função Pública. Esta despesa da ADSE vai financiar fundamentalmente grandes grupos privados da saúde. Segundo dados da ADSE, em 2015, 20 grandes grupos privados da saúde receberam da ADSE 225,7 milhões €, o que correspondeu a 70,4% da despesa do “regime convencionado” desse ano. Só o grupo Luz Saúde, controlado por um grupo chinês, faturou 75 milhões €; o grupo Jose Mello Saúde 32,6 milhões €, o grupo Lusíadas Saúde 26 milhões €, e o grupo Trofa da Saúde 23,5 milhões €. A ADSE tem sido uma “mina” para os grandes grupos privados da saúde. E a pergunta que naturalmente se coloca é esta: Como é que são feitos os contratos/convenções que a ADSE tem com estes grandes grupos privados de saúde? Como são estabelecidos os preços que a ADSE tem de pagar? Os trabalhadores e os aposentados da Função Pública que pagam a ADSE com os seus descontos nada sabem, porque não lhes prestam contas. Nem o conselho consultivo da ADSE com representantes sindicais funciona- E isto continuará a acontecer enquanto a ADSE for uma direção geral, porque nada lei obriga uma direção geral a prestar contas aos beneficiários, mesmo que sejam estes os únicos financiadores. Entre 2015 e 2016, segundo o Plano de Atividades da ADSE (ver quadro), os custos com a Administração aumentam de 7,8 milhões € para 12,7 milhões €, ou seja, em 62,8%. Porquê? Ninguém sabe. Mas esta despesa é paga também com os descontos dos trabalhadores e aposentados da Função Pública.

Assim, quem defende a manutenção da ADSE como direção geral está, objetivamente, a defender este tipo gestão, paga com dinheiro dos trabalhadores e aposentados, em que eles não têm qualquer controlo. É isso que tem de ter presente. Enquanto a ADSE for uma direção geral os trabalhadores e aposentados não terão qualquer controlo sobre a forma como são geridos os seus dinheiros. É por todas estas razões que temos defendido que a ADSE não se deve manter como direção geral,

A transformação da ADSE numa mútua permitiria que um grupo, financiado pelos grupos privados de saúde, se apoderasse facilmente do controlo da ADSE, utilizando-a depois em seu proveito. É por esta razão que temos defendido que a ADSE não se deve ser transformada numa associação mutualista. O que aconteceu no Montepio onde um grupo se apoderou da suas administração, e aproveitando o poder que resulta desse controlo se eternizar e passa a administração aos amigos, levando a cabo um gestão megalómana e desastrosa que já delapidou mais de 754 milhões € de poupanças dos associados, causando grandes dificuldades à sobrevivência do Montepio é um exemplo a ter sempre presente, e a não permitir que se repita na ADSE.

O modelo mais adequado para a ADSE é, a nosso ver, o de um Instituto Público de gestão participada, com total controlo dos representantes dos trabalhadores e aposentados, mas também com participação do Estado para o responsabilizar e evitar que a ADSE seja capturada pelos grupos privados da saúde ou por qualquer outro grupo de interesses. Isto para dar segurança aos beneficiários e porque, segundo a própria comissão nomeada pelo governo, “o Estado não se poderá retirar completamente do acompanhamento e monitorização da ADSE” (pág. 3 da Versão Preliminar), já que a ADSE faz parte do Estatuto laboral dos trabalhadores da Função Pública. Mas terá de ser um Instituto Público com características muito diferentes dos existentes, que enfermam de muitos males graves, de que é exemplo o INAC, agora ANAC (os vencimentos dos administradores subiram  escandalosamente) o que exige inovação legislativa permitida pela própria Lei quadro dos Institutos Públicos.

A ADSE DEVE SER UM INSTITUTO PÚBLICO DE GESTÃO PARTICIPADA, MUITO DIFERENTE DOS EXISTENTES, O QUE EXIGE INOVAÇÃO LEGISLATIVA

O artº 47 da Lei 3/2004 (Lei quadro), dispõe: “Institutos de gestão participadaNos institutos públicos em que, por determinação constitucional ou legislativa, deva haver participação de terceiros na sua gestão, a respectiva organização pode contemplar as especificidades necessárias para esse efeito, nomeadamente no que respeita à composição do órgão directivo”; portanto, a própria lei admite que por determinação legislativa se possa contemplar especificidades para garantir a participação dos beneficiários titulares (trabalhadores e aposentados) que são os únicos financiadores. O próprio Tribunal de Contas na pág. 13 do seu Relatório de Auditoria defende “ a participação dos quotizados da ADSE na sua governação, ao nível de decisões estratégicas e do controlo financeiro (ex.; aprovação dos planos e relatórios de atividades e de documentos de prestação de contas) assegurando, também, o direito de veto sobre todas as decisões que possam afetar a sustentabilidade no curto, medio e longo prazo, e sobre a aplicação dos excedentes.

Os órgãos de um Instituto Público sem ser de gestão participada são: um conselho diretivo (artº 3) constituído por três membros; um conselho consultivo sem poderes efetivos de fiscalização (é um mero órgão de consulta, de apoio ao conselho diretivo segundo o artº 29º), e um fiscal único que é o órgão de fiscalização (artº. 26º). É evidente que esta estrutura orgânica não serve, pois os trabalhadores e aposentados da Função Pública continuariam a não ter qualquer controlo efetivo sobre a ADSE e sobre a aplicação dos seus dinheiros. A acontecer isso, poderia até ser mais grave que uma direção geral, pois o Instituto Público como tem autonomia financeira, o que não sucede com uma direção geral, o conselho diretivo do Instituto poderia ter uma gestão que não acautelasse o dinheiro e os interesses dos beneficiários, podendo ser presa de interesses estranhos aos trabalhadores e aposentado da Função Pública. É por estas razões que consideramos que a solução é um Instituto Público de gestão participada com controlo dos trabalhadores e aposentados, e para atingir os objetivos defendidos pelo próprio Tribunal de Contas, devia possuir os seguintes órgãos de gestão e fiscalização com os seguintes poderes:

a) Um conselho diretivo, constituído por três membros nomeados pelo governo. A escolha podia ser um de dois modelos: (1) O modelo que vigorou nas Caixas de Previdência depois do 25 Abril enquanto existiram: o presidente era indicado pelo governo, um vogal pela CGTP e outro pela UGT, mas agora propostos pelos sindicatos da Função Pública; (2) No caso dos sindicatos e das associações de aposentados não estarem interessados em indicar pessoas para o conselho diretivo, a escolha seria feita pelo governo, mas para que o governo só os podia as nomear se não tivessem a oposição do conselho de fiscalização dos representantes dos sindicatos e das associações dos aposentados da F. Pública.

b) Um conselho de fiscalização constituído por representantes das associações sindicais da Função Pública e das associações de aposentados com poderes efetivos de fiscalização os quais incluiriam nomeadamente os seguintes: (1) Aprovar o Plano de Atividades e Orçamento e o Relatório e contas anuais do Instituto com base em pareceres elaborados pela comissão de auditoria, que depois deverão ser homologado pela ministério da tutela; (2) Fiscalizar as atividades do conselho diretivo, o pressupõe o acesso total à informação necessária para o poder fazer; (3) Analisar e pronunciar-se sobre as convenções e contratos com base em pareceres da comissão de auditoria; (3) Analisar a sustentabilidade financeira do Instituto com base em pareceres/recomendações  do conselho diretivo e da comissão de auditoria e aprovar medidas que, para ser implementadas, teriam de ser homologadas pelo Ministério da tutela visando  garantir a sustentabilidade do Instituto; (4) Fiscalizar as politicas contabilísticas e critérios valorimétricos com o objetivo de garantir a veracidade e correção da informação financeira, assegurando que nada deixará de ser registado corretamente na contabilidade com base em pareceres e recomendações da comissão de auditoria; (5) Receber comunicações e reclamações dos beneficiários e trabalhadores da ADSE dando seguimento e resolvendo.

c) Uma comissão de auditoria constituída por três membros nomeados pelo Ministério da tutela, após aprovação do conselho de fiscalização, sendo um ROC e outro perito em contratos e convenções na área da saúde, incluindo contratos programa, os quais seriam responsáveis pelo controlo da legalidade, da regularidade e da boa gestão financeira e patrimonial do instituto, elaborando pareceres e recomendações sobre os atos de gestão do conselho diretivo (convenções, contratos, orçamentos, contas, etc.), sobre a sustentabilidade financeira do Instituto, sobre a correção e veracidade da contabilidade, sobre o processo de prestação e divulgação das contas, etc., pareceres e recomendações essas a enviar ao conselho diretivo, à comissão de fiscalização e ao ministério da tutela, as quais após aprovação pela comissão de fiscalização e homologação pelo ministério da tutela seriam obrigatórios para conselho diretivo.

Eis uma proposta dos órgãos de gestão e de fiscalização de um Instituto Público de gestão participada inovador com controlo efetivo dos trabalhadores e aposentados da Função Pública para debate, que deverá ser aperfeiçoada com esse debate (é apenas um contributo para prover e facilitar esse debate).

Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt, 29.6.2016

2 Comments

  1. Os aposentados ,os funcionário públicos na sua grande maioria ignoram os riscos que a Adse está correndo .Como ser informados ? Maria ​

    No dia 1 de julho de 2016 às 23:46, A Viagem dos Argonautas escreveu:

    > joaompmachado posted: ” UM MODELO PARA A ADSE DE INSTITUTO PÚBLICO DE > GESTÃO PARTICIPADA COM CONTROLO EFETIVO DOS TRABALHADORES E APOSENTADOS > DIFERENTE DOS EXISTENTES No fim do mês de Junho/2016, a comissão nomeada > pelo governo para apresentar uma proposta de r” >

  2. Caro Eugénio Rosa, totalmente de acordo. Parabéns pelo estudo e sobretudo pela proposta! Que tenha vencimento são os meus votos.

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