REQUIEM PARA UMA UNIÃO EUROPEIA JÁ MORIBUNDA. – REFLEXÕES EM TORNO DO BREXIT, DA UE E DA GLOBALIZAÇÃO – 12. O BREXIT E OS QUATRO DE VISEGRÁD

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E depois do Brexit caiu o pano e ninguém estava em cena, David Cameron, Boris Johnson, Nick Farage, Jeremy Corbyn tinham desaparecido – Uma série de textos tendo como pano de fundo a União Europeia e a sua classe política.

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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O Brexit e os quatro de Visegrád

Ferenc Almássy

Ferenc Almássy, Le Brexit et les quatre de Visegrád

Vpost, 30 de Junho de 2016

Almássy - I
Brexit, groupe de Visegrád, Union européenne – l’Europe change. L’Histoire s’écrit en ce moment même. Par Ferenc Almássy.

O Brexit foi um choque para alguns, sobretudo num Ocidente amolecido e caprichoso. Mas na Europa central, viver acontecimentos históricos do interior é quase qualquer coisa que se tornou já familiar, habitual. Todos os dirigentes atuais da Europa central se recordam ou mesmo tomaram parte, na mudança de regime que ocorreu há aproximadamente um quarto de século. Estes homens e estas mulheres viveram sob o comunismo e participaram ativamente na sua queda. E esta experiência é-lhes altamente proveitosa agora, neste preciso momento em que a Europa vive um momento decisivo essencial.

Se for muito bem aplicado – não seria a primeira vez na História da União Europeia que um referendo que desagrada às suas elites não é aplicado – o Brexit terá também consequências na e para a Europa Central.

Uma fratura iniciada não pelo Brexit, mas por Berlim e Paris

Os 6 membros fundadores da União – o Benelux e os pequenos gigantes europeus: Itália, França e Alemanha – reuniram-se com urgência em Berlim, na segunda-feira 27 de junho, para falarem do futuro da União europeia… e segundo eles; excluindo “os estados secundários”, e por conseguinte, o grupo de Visegrád.

De acordo com os meios de comunicação social polacos TVP, os Alemães e os Franceses trabalhariam sobre um projeto “de super-Estado”, ou, por outras palavras, trabalhariam sobre um projeto visando um aumento considerável da integração europeia. Os meios de comunicação social polacos publicaram uma cópia do documento de 9 páginas: trata-se de terminar com os últimos elementos de soberania nacional.

O grupo dos quatro de Visegrád (V4) compreendeu a importância do evento e não permaneceu de braços cruzados. O ministro polaco dos Negócios Estrangeiros convidou os seus homólogos do V4 e outros países excluídos da reunião de crise realizada em Berlim. A dissidência entre Estados surgiu e é está formalizada numa União Europeia que alguns acreditam já como moribunda.

É muito comum no Ocidente pensar que a Europa Central tem beneficiado de uma ajuda financeira benevolente, desinteressada, oferecida pelo puro humanismo da parte ocidental da UE. Mas, obviamente, se a Europa Central beneficiou de subvenções europeias, ela não assinou que passaria a ser uma colónia – na verdade, sim, dizem alguns; os países bálticos, o V4 e os outros novos países da UE são membros de pleno direito, também eles a participarem financeiramente no esforço comum, tendo trocado uma parte da sua soberania para jogar o jogo da integração e, finalmente, terem sido abertos grandes mercados, facilmente acessíveis – tanto geograficamente e jurídico ou financeiro – e tendo-se tornado em viveiros de mão-de-obra barata, qualificada e jovem.

O grupo V4 não queria a saída do Reino Unido da UE: este era um elemento importante da União, este país que era um aliado importante para os soberanistas, não tendo a moeda comum, sendo mais que reservado sobre o abandono de soberania, sendo uma oposição às quotas de Berlim e sendo um parceiro económico importante para cada um dos países V4. Finalmente, é também o principal local de entrada dos jovens emigrantes de V4.

Um milhão de polacos, 350.000 húngaros, 45.000 tchecos, 9000 eslovacos, são estes os números da diáspora de Visegrád no Reino Unido. Por todas estas razões, o V4 opunha-se ao Brexit, Orbán foi mesmo ao ponto de publicar um anúncio anti-Brexit na imprensa britânica.

Mas agora, o Brexit foi votado. Democratas sinceros, os quatro de Visegrád passaram, sem ficar à espera, ao plano B. Devemos renovar a Europa, mas certamente não no sentido de uma maior integração. A integração europeia (ou seja a federalização) é precisamente de acordo com o V4 o que que está a levar UE para o colapso.

As reações do V4: Frente Comum para uma outra Europa

Na Polónia, o ministro das Relações Exteriores Waszczykowski está preocupado com o actual domínio da zona euro que está a gerar  uma UE mais do que nunca a duas velocidades. “A zona euro poderia criar instituições separadas, orçamento separado e, depois, a União Europeia como um todo seria apenas uma fachada em que dominaria a zona euro “. “Temos de criar uma União Europeia de Estados soberanos”, disse o porta-voz do governo polaco, acrescentando que o exemplo do Reino Unido mostra que isto é exatamente o que a Europa quer, e que todos os Estados membros devem ser tratados como parceiros porque nenhum país pode decidir, por si só,  o destino dos outros.

Se Jaroslaw Kaczynski,  presidente do partido no poder, Poder e Justiça, (PiS)   defende  um segundo referendo, o influente político não deixou de afirmar  igualmente que “temos uma crise na União Europeia e a resposta certa não é a de se continuar a fazer o que temos andado a fazer, porque isso levaria a um desastre. “O ministro dos Negócios Estrangeiros acrescentou que as autoridades em Bruxelas estão desligadas das pessoas comuns e que eles devem “bater com as mãos no peito” de remorso. “Os europeus estão insatisfeitos com a forma escolhida para gerir a crise da migração, estão insatisfeitos por causa de problemas de segurança, mas também por causa de fraco crescimento económico, devido ao euro, porque na realidade a zona do euro estagnou e não está a ter nenhum crescimento”, acrescentou.

Beata Szydlo, primeira-ministra da Polónia, declarou que “para o governo polaco, o problema prioritário é a situação dos cidadãos polacos que vivem no Reino Unido. Vamos tentar negociar de modo a que preservem as vantagens tiveram à sua chegada.”

Por último, as novas elites polacas aproveitam a ocasião para criticar duramente o antigo primeiro-ministro liberal Donald Tusk, atualmente Presidente do Conselho europeu. “Enquanto negociador, Donald Tusk tem uma responsabilidade direta quanto ao Brexit e deveria desaparecer da cena política europeia, mas isso é igualmente válido também para toda a Comissão tal como está agora composta.” concluiu Kaczynski.

Na República Checa criticam-se outras elites. Juncker é designado como responsável pelo ministro dos Negócios Estrangeiros checo Zaoralek, e pede a sua demissão. “A União europeia deve mudar rapidamente,” disse o primeiro-ministro checo Sobotka sobre a sua página no Facebook. “Não porque o Reino Unido partiu, mas porque o projeto europeu tem necessidade de um bem mais aprofundado apoio por parte dos seus cidadãos. A Europa deve ser melhor a agir, deve ser mais flexível, menos burocrática e muito mais sensível à diversidade que representam os seus 27 Estados-Membros.”

A Eslováquia, que vai assumir a Presidência do Conselho da União europeia no dia 1º de Julho, insistiu igualmente sobre a necessidade de se fazer mudanças. “Não é uma tragédia, é uma realidade e os 27 Estados-Membros restantes devem agir rapidamente,” disse o primeiro-ministro Robert Fico. “Seria um grande erro que a reação dos 27 países fosse a de continuar a mesma política quer ao à nível da UE que a que tem sido efetuada até agora.” O primeiro-ministro eslovaco deseja igualmente organizar um encontro informal em Setembro em Bratislava, incluindo os líderes franceses e alemães, bem como o presidente do Conselho europeu. Mas quer igualmente que o V4 seja o líder desta discussão.

Por último, na Hungria, enquanto que Orbán defendia o Remain, ele aparece como o grande ganhador com o Brexit: se o Brexit existe , é principalmente devido à política  migratória da UE, sublinha Orbán. “Uma situação onde temos uma elite europeia social-liberal que defende a imigração enquanto que a maioria dos Europeus é contra,  não pode simplesmente funcionar,” declarou o chefe do grupo Fidesz no Parlamento nacional. “Infelizmente devemos admitir que a afirmação segundo a qual a Europa perdeu 64 milhões de Europeus e a sua segunda economia em proveito de alguns milhões de imigrantes é verdadeira,” acrescentou.

O ministro da economia, Mihály Varga, considera que a Hungria só tem a ganhar com o Brexit. O governo húngaro está a trabalhar para tornar o país mais atrativo para as empresas que procuram deixar o Reino Unido. Quanto ao ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro Szijjártó, considerou que era totalmente incorreto tentar impor durante mais muito tempo medidas políticas que têm levado à dramática situação atual. “Há cabeças que devem cair”.

“Talvez tenha chegado o momento dos países do Leste.”

Foi com estas palavras que o Die Welt, um grandes jornal alemão comenta as reações dos dirigentes  europeus. O Brexit é um marco na história europeia contemporânea à qual a Europa central em pleno desenvolvimento contaria dar outra vez, por fim, a sua contribuição. Terminou  o tempo “dos países do Leste” desprezíveis e desprezados, terminou  o século XX, terminou  a sua submissão.

O grupo V4 já anunciou planos para tratar com o Reino Unido como um bloco, e face ao eixo liberal-libertário e federalizador constituído por Berlim-Paris, os quatro de Visegrád não perderam tempo para unirem em torno deles os abandonados pela UE, tendo em conta até mesmo a sua soberania.

Pelo seu bloqueamento de espírito e pelos sonhos obsessivos e cegos, os dirigentes ocidentais estão a matar a União europeia. Uma União muito desejada pelos antigos países do bloco do Leste. Mas, jogando o jogo democrático, ouvindo as suas populações e rejeitando os absurdos babelianos de Bruxelas, isto fez com que o grupo V4 passasse para o conjunto dos “eurocéticos”, ou mesmo dos opositores à União europeia. É um grave erro, infelizmente voluntário por parte de alguns: o V4 defende a Europa, mas uma outra Europa. Não uma União federal liberal-libertária, mas um grande acordo de países livres e soberanos.

Seja como for, a onda de choque do Brexit atingiu rapidamente o continente, e Berlim catalisou a criação de uma falha que segue quase o antigo traçado da cortina de ferro. O futuro dir-nos-á no que é que se vai tornar a União Europeia, e de que lado desta fratura nascente se encontrará a liberdade, a prosperidade e a esperança.

 

Visigrád Post, Le Brexit et les quatre de Visegrád. Texto disponível em:

http://visegradpost.com/fr/2016/06/30/le-brexit-et-les-quatre-de-visegrad/

 

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