O AUMENTO INCOMPORTÁVEL DOS JUROS (73.403M€ entre 2007-2017) E CRESCIMENTO INSUSTENTÁVEL DA DÍVIDA PÚBLICA (+165.154M€)

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O AUMENTO INCOMPORTÁVEL DOS JUROS COM A DÍVIDA PÚBLICA E O CRESCIMENTO INSUSTENTÁVEL DA DÍVIDA DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS

Tem-se fala-se muito, e bem, no espaço público do aumento incomportável da despesa com os juros da divida pública, mas tem-se falado pouco, e mal, do crescimento insustentável da divida das Administrações Públicas que tem continuado a aumentar a um ritmo elevado muito superior ao défice orçamental, mesmo com o atual governo.

ENTRE 2007 E 2017, O ESTADO PAGARÁ SÓ DE JUROS DA DIVIDA PÚBLICA 73.403 MILHÕES €, QUE É QUASE TANTO COMO O QUE TRANSFERE PARA O SNS

Entre 2007 e 2017, o Estado gastará com o pagamento de juros da divida pública 73.403 milhões €, o que corresponde a cerca de 43% do PIB. Nos últimos 3 anos (20015-2017) a despesa com juros ultrapassou o valor da transferência do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Como mostra o gráfico 1, construído com dados dos Relatórios do OE de 2007-2017 e fornecidos pelo governo aquando do debate dos orçamentos do Estado, entre 2015-2017 a despesa de juros já ultrapassa a com o SNS.

Gráfico 1 – Despesa com juros e transferências para o SNS

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Nos últimos 3 anos (2015-2017), o Estado gastou em média 8.169 milhões € por ano com o pagamento de juros, enquanto o O.E. transferiu, em média, anualmente para o Serviço Nacional de Saúde, 8.007 milhões €. Entre 2007 e 2017, a despesa com juros aumentou de 4.737 milhões € para 8.207 milhões €, ou seja, cresceu 75% enquanto, no mesmo período, as transferências do Orçamento do Estado para o SNS aumentaram apenas em 5,9%. É uma situação cada vez mais incomportável, cuja solução não poderá ser adiada por mais tempo pois, caso contrário, causará o estrangulamento da atividade do Estado, nomeadamente das suas funções sociais (educação, saúde e segurança social públicas) e do papel fundamental que o Estado tem como “produtor” das infraestruturas indispensáveis ao crescimento económico e ao desenvolvimento, e dinamizador do investimento nacional, cuja insuficiência constitui atualmente um dos maiores e mais graves problemas que o país enfrenta. E isto porque a  sua insuficiência está a causar a destruição da capacidade produtiva do país, pondo em causa não só a recuperação da economia no momento atual, mas também o próprio desenvolvimento futuro.

O CRESCIMENTO INSUSTENTÁVEL DA DIVIDA DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICA QUE MAIS QUE DUPLICOUCom Sócrates a divida cresceu em média 2.139 milhões €/mês; com Passos/Portas aumentou 1.124 milhões €/mês, e com Costa 1.407 milhões € por mês

Contrariamente ao que se pode pensar, não são só os juros que são incomportáveis; é também insustentável o ritmo de crescimento que se continua a registar da dívida pública. E o problema ganha maior gravidade se se tiver presente que o aumento verificado não é explicado apenas pelo défice ou pelo aumento do investimento público. Este último até tem registado uma forte redução pondo em perigo não só a recuperação económica mas também o desenvolvimento presente e futuro do país (o investimento público tem sido sacrificado até pelo atual governo para obter a redução do défice imposto pelos eurocratas de Comissão Europeia). O quadro 1, com dados do Banco de Portugal, mostra o aumento da divida pública registado entre 2007 e 2016, e sua repartição por governos:

Quadro 1 – O aumento da Divida Pública repartido por governos – 2007/2016

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Em Dezembro de 2007, a dívida total das Administrações Públicas somava 138.060 milhões €, sendo 90.435 milhões € (65,5%) dívida ao estrangeiro. Entre 2007 e Out.2016, a dívida das Administrações Públicas aumentou 165.154 milhões €, ou seja, mais que duplicou (subiu 119,6%), pois passou de 138.060 milhões € para 303.214 milhões €. E a dívida pública ao estrangeiro cresceu 57.687 milhões € (+63,8%) pois aumentou de 90.435 milhões € para 148.122 milhões €.

Como revela o Banco de Portugal (quadro 1), por governos, a dívida das Administrações Públicas cresceu, em média, 2.139 milhões €/mês com o governo de Sócrates; 1.124 milhões €/mês com o governo de Passos Coelho/Portas; e tem crescido 1.407 milhões/mês com o governo PS de Costa. No entanto, com o atual governo a dívida pública ao exterior já diminuiu em 7.324 milhões €, o que não acontecia com os governos anteriores. Mas o crescimento da dívida pública continua a um ritmo que é insustentável para o país e para os portugueses que urge analisar e debater profundamente, e não falar apenas do aumento dos juros, já que o aumento da dívida é também gerador do aumento dos juros pagos. E apesar da soma dos défices da Administrações Públicas de 2015 e 2016 atingir 12.359 milhões € (os do Estado- Administração Central-  rondam os 13.000 milhões €), entre Dez.2014 e Out.2016 a divida das Administrações Públicas aumentou 20.927 milhões €, ou seja, mais 69,3% que a soma dos défices orçamentais verificados nestes dois anos. Isto mostra a gravidade da situação pois parece que o atual governo aumenta a dívida sem olhar às consequências. O caso BANIF, assim como solução improvisada para os “lesados do BES”, bem como a “solução” que anda a ser engendrada no “segredo dos deuses” para o crédito “mal parado” da banca (os NPL) parecem mostrar isso. O atual governo tem-se revelado tão gastador como os anteriores.

MUTUALIZAÇÃO DE UMA PARTE DA DÍVIDA E EXCLUIR DO DÉFICE PARA EFEITOS DE MAASTRICHT A DESPESA COM O INVESTIMENTO PÚBLICO PRODUTIVO

Joseph Stiglitz, prémio Nobel da economia, no seu livro recente “ O EURO”, uma das medidas que defende é precisamente a mutualização da divida ou de uma parte dela (págs. 318 e seguintes). Os encargos com os juros certamente diminuiriam bastante através da mutualização de pelo menos de uma parte significativa da divida (por exemplo a que ultrapassa os 60% do PIB, o que corresponde atualmente a cerca de 70% do PIB). Tal medida não tem nada a ver com a “solução” adotada no chamado PEAF da “troika” (a divida atual, no âmbito deste programa, atinge ainda 70,18 milhões €, sendo 27,3 milhões € ao FEEF, 24,3 milhões € ao MEEF, e 18,55 milhões € ao FMI), que teve fundamentalmente como objetivo resolver os problemas da banca alemã e francesa, a que o Estado português estava endividado, e permitir aos países credores obter elevados lucros à custa dos contribuintes portugueses. É inaceitável, para não utilizar outro termo, que por ex. a Alemanha, cuja competitividade depende em parte de pertencer à zona do euro, obtenha no mercado crédito a juros baixos, em muitos casos a juros negativos, e, depois, empreste a Portugal, através do FEEF e MEEF, cobrando juros que, em alguns casos, ultrapassam os 3% (a taxa média de juro da divida pública portuguesa deverá rondar os 2,8%) e obtendo assim elevados lucros à custa dos contribuintes portugueses, que até se gaba quando fala para os alemães. Uma medida para baixar os juros pagos pelo nosso país,  seria o MEEF assumir uma parte significativa da divida publica portuguesa, e Portugal pagar uma taxa de juro correspondente ao juro suportado por MEEF para obter os fundos que emprestou a Portugal (Stiglitz defende no seu livro que seja o BCE, o que reduziria ainda mais os juros, pois BCE concede atualmente credito à banca privada a taxas próximas de zero).

Em 2015, o investimento, ou melhor, a FBCF das Administrações Públicas foi apenas de 4.084 milhões € (2,3% do PIB); em 2016 estima-se que seja somente 3.428 milhões € (1,9% do PIB), e o orçamentado para 2017 é apenas de 4.177 milhões €  (2,2% do PIB); portanto, valores insuficientes para dinamizar o investimento nacional e recuperar a economia. O corte do investimento público continua a ser utilizado mesmo pelo atual governo para cumprir a redução do défice imposta pela Comissão Europeia. Tal imposição é inaceitável pois constitui um forte obstáculo à recuperação da economia da crise em que está mergulhada, e também ao desenvolvimento futuro já que reduz o PIB potencial, ou seja, a capacidade produtiva do pais para poder crescer no futuro. Por todas estas razões, excluir a despesa com o bom investimento público, nomeadamente com a FBCF, do cálculo do défice para efeitos de Maastricht constituiria uma medida adequada que contribuiria certamente para Portugal pudesse crescer mais, saindo da armadilha de atraso e de crescimento anémico em que está mergulhado.

É evidente que estas soluções são de âmbito limitado mas por isso talvez mais exequíveis e aliviariam certamente a situação atual que se está a tornar incomportável e insustentável como os próprios dados do Banco de Portugal e do Orçamento do Estado revelam, permitindo ao Estado realizar algumas tarefas fundamentais que neste momento está impedido pelo estrangulamento a que está sujeito. Soluções mais radicais, como um corte significativo na divida e nos juros mesmo contra a vontade dos credores, ou pelo menos de uma parte destes, ou mesmo a substituição da divida em euros por escudos, como alguns já defendem, e naturalmente a criação de mecanismos para que a divida não crescesse novamente de uma forma insustentável no futuro, teriam efeitos mais rápidos e maiores. No entanto, não parece que com a relação de forças que existe atualmente tanto no país como na União Europeia soluções dessa natureza sejam possíveis a curto e talvez a médio prazo. E o país não pode continuar à espera indefinidamente e sujeito a um estrangulamento crescente. Mas só o futuro é que dirá se tais soluções se tornarão inevitáveis e se a alteração na relação de forças o permitirá, e se maioria dos portugueses o exigirá.

 

Eugénio Rosa

Economista

21-12-2016    

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