A CRISE DA FINANÇA – O CASO ITALIANO – 6. COMO É QUE A ITÁLIA FOI VENDIDA, por ANTONELLA RANDAZZO

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota. Revisão de Francisco Tavares.

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Como é que a Itália foi vendida

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Antonella Randazzo, Come è stata svenduta l’Italia

em  www.disinformazione.it – 12 de março de 2007

Autora do livro: “DITTATURE: LA STORIA OCCULTA

Estávamos em 1992, desmoronou-se de repente toda uma classe política dirigente sob os golpes das investigações judiciais. Há mais de quarenta anos que estavam no poder. Os italianos desde há muito tempo suspeitavam que o sistema político se baseava na corrupção e no clientelismo. Nem a denúncia nem os protestos populares (às vezes violentos), nem os casos de conivência com a máfia, que de vez em quando apareciam nos jornais, nada parecia acontecer. Mas então, de repente, o sistema entrou em colapso. O que é que aconteceu que fez que os italianos pudessem ter, inesperadamente, a satisfação de ver que as suas suspeitas sobre a corrupção do sistema político eram reais?

Enquanto a atenção dos italianos apontava para o escândalo de subornos, o governo italiano foi tomando decisões importantes para o futuro do país. Com o furacão do processo “Mãos Limpas” os italianos acreditaram que se poderia iniciar um melhor momento para a Itália. Mas, em segredo, o governo foi implementando políticas que agravariam o futuro do país. Muitas empresas seriam vendidas, até o banco da Itália seria posto à venda. A venda ao desbarato tem um nome e chama-se “privatizações”.

O ano de 1992 foi um ano explosivo de alerta e de segredos. O então Ministro do Interior Vincenzo Scotti, em 16 de março, lançou um alarme para todos os prefeitos, temendo uma série de ataques contra a democracia italiana. Os ataques previstos por Scotti eram eventos como o assassinato de políticos ou o sequestro do Presidente da República. Os ataques, sim, ocorreram, e com êxito, mas não foram os eventos previstos pelo Ministro do Interior. O ataque à democracia era muito mais oculto e desestabilizador.

Em maio de 1992, Giovanni Falcone foi morto pela máfia. Falcone estava a investigar sobre os fluxos de dinheiro sujo, e a pista estava a levá-lo a resultados que poderiam conectar a máfia a importantes circuitos financeiros internacionais. Falcone também tinha descoberto que alguns personagens de prestígio em Palermo estavam filiados em certas lojas maçónicas do Rito Escocês, a que pertenciam também vários mafiosos, tais como Giovanni Lo Cascio. A pista da loja corria em paralelo com a dos circuitos financeiros e conduziria a resultados fiáveis se Falcone não tivesse sido morto.

Sobre Falcone tinham sido difundidas calúnias que tentaram inverter a realidade de um magistrado íntegro. As pessoas sentiram que as instituições não lhe tinham dado proteção. Isto também foi evidente durante o seu funeral, quando os polícias estavam posicionados em frente dos caixões impedindo que alguém se aproximasse. Alguém gritou “Tenham vergonha, deveriam ter vergonha, deveriam ir-se embora, não se aproximem destes caixões, estes não são vossos, estes são os nossos mortos, só nós temos o direito de lamentá-los, vocês têm apenas o dever de se envergonharem”.

Que a máfia estava a utilizar métodos para atingir todo o país, a fim de assustar toda a gente e levar o país a aceitar passivamente o “novo curso” dos acontecimentos, é o que se verá a seguir com os atentados ocorridos em 1993.

Os atentados de 1993 tiveram características muito semelhantes aos ataques terroristas dos anos da “estratégia de tensão” e certamente tinham a intenção de assustar o país, para enfraquecê-lo. A 4 de maio de 1993, um carro-bomba explode no bairro de Parioli, em Roma, na via Fauro. Em 27 de maio, outro carro-bomba explode na via dei Georgofili em Florença, cinco pessoas são mortas. Durante a noite, entre 27 e 28 de julho, ainda um carro-bomba explode na via Palestro, em Milão, matando cinco pessoas. Os autores nunca foram identificados, e havia rumores de que a máfia queria “atingir as obras de arte nacionais”, mas nunca tinha acontecido nada assim. As famílias das vítimas e o juiz Giuseppe Soresina virão a estar de acordo quanto ao facto de que os ataques não tinham sido praticados somente pela máfia mas também por outros personagens de ” mentes mais finas que as dos mafiosos “. [1]

Falcone era um sério adversário da máfia. A sua investigação ficou depois nas mãos de Borsellino, que foi assassinado dois meses depois. A sua morte tornou-se o triunfo de um sistema mafioso e criminoso, que terá posto as mãos sobre a economia italiana e forçado o país a uma completa submissão política e financeira.

Enquanto o ministro Scotti fazia uma declaração que sooava quase como uma ameaça: “a máfia apontará a objetivos cada vez mais notáveis e a luta será cada vez mais sangrenta, a máfia quer desestabilizar o Estado e submete-lo à sua vontade,” Borsellino queixava‑se sobre as regras e leis que não possibilitavam uma verdadeira luta contra a máfia. Ele observou: ” não se pode enfrentar o poder da máfia, quando se lhes dá uma prenda como aquela que foi dada com os novos instrumentos processuais, adequados para um país que não seja a Itália nem certamente a Sicília. O novo código, no que diz respeito às alegações é uma ferramenta ineficaz nas mãos de quem a deve utilizar. Cada vez que é preciso tem de se começar tudo de novo e provar que existe a Cosa Nostra “. [2]

Os métodos estatais de sabotagem para combater a máfia foram denunciados por muitos representantes do poder judicial. Por exemplo, a 27 de maio de 1992, o Presidente do Tribunal de Caltanissetta Placido Dall’Orto, que teve de lidar com a investigação sobre o massacre de Capaci, encontrou-se com sérios problemas: ” isto é muito pior do que o forte Apache, está tudo uma confusão e à deriva. Numa situação como a nossa, a luta contra a máfia é apenas uma palavra vazia, como já dissemos muitas vezes no Conselho Superior da magistratura. “. [3]

Até mesmo o promotor de Palermo, Roberto Scarpinato, em junho de 1992 disse: ” Num prato da balança está a vida e no outro prato deve haver algo que valha a pena correr o risco de vida, não vejo que este pacote jurídico contenha um especial empenho da parte do Estado, e por exemplo não vejo nada de relevante sobre a caça e captura dos grandes foragidos”. [4]

No mesmo ano, o Senador Maurice Calvi disse que Falcone lhe confessou que não confiava nos carabinieri em Palermo, nas autoridades policiais de Palermo nem na prefeitura de Palermo. [5]

Que os assassinos de Capaci não eram todos italianos já se suspeitava. O ministro Martelli, numa visita à América do Sul declarou: “Eu estou à procura de ligações entre o assassinato de Falcone e a máfia americana ou a máfia colombiana”. [6] O próprio primeiro-ministro Amato, durante uma visita ao Mónaco, disse: “Falcone foi morto em Palermo, mas provavelmente o assassinato foi decidido noutro lugar.”

Provavelmente, as técnicas de investigação de Falcone não agradavam às personagens com as quais o governo italiano tinha de se enfrentar naquele ano. Quem considere a luta contra a máfia sobretudo como um dever moral e cultural, em que as pessoas se empenham na franqueza e honestidade assim como não aceitam situações de compromisso, estará sujeito à perseguição e à calúnia, métodos típicos dos serviços secretos britânico e americanos. Estes métodos visam isolar e criminalizar, tentando fazer parecer o oposto do que é na verdade. Procuraram fazer com que Falcone.aparecesse como um cúmplice da máfia. Antonino Caponnetto disse ao jornal La Repubblica: “não se pode negar que tem havido uma campanha (contra Falcone), em que participaram em parte os magistrados, que assim o têm delegitimizado. Não há nada mais perigoso para um magistrado que luta contra a máfia do que estar a ser isolado. ” [7]

O assassinato de dois símbolos do Estado tão importantes como Falcone e Borsellino significava algo novo. Tinham sido tocadas as cordas da elite de poder internacional e esses assassinatos brutais eram disso mesmo um testemunho. Foi também isto que terá sentido o procurador distrital de Nova Iorque, Charles Rose, ao notar a peculiaridade dos ataques: “nem mesmo o mais feroz dos chefes da Cosa Nostra alguma vez quis atingir personalidades do Estado tão visíveis como era Giovanni, porque eles sabem perfeitamente bem que riscos envolve atacar frontalmente o Estado. Aquele ataque terrorista é um ato de medo… Creio que uma Máfia que começa a disparar sobre os símbolos como fazem os terroristas–está condenada a perder o bem mais valioso para cada organização criminosa desse tipo, ou seja, a cumplicidade ativa ou passiva da população no meio da qual se move. “. [8]

Na verdade, nesse ano os italianos perceberam que havia algo de novo e vieram para a rua protestar contra a máfia. Formaram-se duas frentes: o povo contra a máfia e as instituições que se estavam a submeter à elite que coordena as máfias internacionais.

Naquele ano as elites anglo-americanas não só impediriam a luta eficaz contra a máfia, mas queriam que a Itália como país se tornasse um país completamente subjugado a um sistema de máfia e criminoso, que dominariam através do poder financeiro.

Como assinalou o Presidente do Senado Giovanni Spadolini, houve uma operação de grande escala para destruir a democracia italiana: “o fim da criminalidade mafiosa parece ser idêntico ao do terrorismo na fase mais aguda da época dos anos de chumbo: atropelar o estado democrático no nosso país. O objetivo é sempre o mesmo: deslegitimar o Estado, quebrando o elo de confiança entre cidadãos e poder democrático… se depois vemos – e temos o direito de ver – uma qualquer conexão internacional em torno do desafio levantado pela ligação máfia mais terrorismo, então interrogamo-nos : mas talvez se estejam a renovar os cenários de há onze ou doze anos atrás? As ameaças dos centros de conspiração de política e negócios como a loja P2 são permanentes na vida democrática da Itália. E é um filão com a marca da loja P2 que sobrevive, não sabemos por quantos outras mais do mesmo tipo. Mafia e P2 estão juntos desde o início, desde a história Sindona.” [9][1]

Mesmo Tina Anselmi tinha entendido as ligações entre a máfia e as finanças internacionais: “é necessário ter cuidado, muito cuidado. Eu falei sobre o antigo plano de renascimento democrático de Gelli e confirmo que lê-lo hoje dá-nos sobressaltos. E está em plena atuação. Quem tem os grandes recursos e tanto dinheiro faz sempre política e fá-la a nível nacional e internacional. Eu falei estes dias com um importante político italiano que vive no mundo da banca. E sabem o que me disse? Que a máfia foi mais rápida do que a indústria e que já está a investir centenas de milhares de milhões, o resultado dos ganhos obtidos com a droga, nos países de leste… Já está a comprar os jornais e canais de televisão privados, indústrias e hotéis… Esses investimentos transformar-se-ão mesmo em ações precisas e específicas de política que nos dizem respeito, que nos afetam a todos nós. Depois dos massacres de Palermo, a polícia americana chegou para investigar na Sicília, por isso também, se sabe que estes investimentos colossais são feitos regularmente através dos bancos.” [10]

Anos mais tarde, o antigo ministro Cotti confessará a Cirino Pomicino: “Tudo nasceu de uma comunicação confidencial que me foi feita pelo chefe da polícia parisiense que, com base nos serviços de informação feita pelo SISDE, e apoiada por informações confidenciais, me falou de reuniões internacionais em que teriam sido decididas ações desestabilizadoras seja com atentados mafiosos seja com investigações judiciais contra os líderes dos partidos que estão no poder”.

Uma das reuniões de que falava Scotti desenrola-se em 1992 e teve lugar em 2 de junho, no iate Britannia, enquanto navegava ao longo da costa da Sicília. No iate estavam alguns dos que pertencem à elite do poder anglo-americano, como a realeza britânica e os principais dirigentes dos grandes bancos a quem o governo italiano iria recorrer durante a fase de privatização (Merrill Lynch, Goldman Sachs, Salomon Brothers).

Nessa reunião foi decidido comprar empresas italianas e o banco de Itália e como fazer cair o velho sistema político para o substituir por um outro, completamente manipulado pelos novos patrões. Nesta reunião participaram vários italianos como Mario Draghi, então Director-adjunto do tesouro, o Director Executivo da Eni, Beniamino Andreatta, e o diretor do IRI, Riccardo Galli. As intrigas decididas no Britânia iriam permitir que os anglo-americanos pudessem meter as mãos em 48% das empresas italianas, entre as quais estavam Buitoni, Locatelli, Negrone, Ferrarelle, Perugina e Galbani.

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A imprensa martelava com o processo “Mãos Limpas”, insinuando que do evento iriam resultar grandes mudanças.

Em junho de 1992, tomou posse o governo de Giuliano Amato. Tratava-se de uma personagem em harmonia com os especuladores que queriam tomar conta da Itália. Na verdade, Amato, para iniciar as privatizações, apressou-se a consultar o centro financeiro internacional do poder: os três grandes bancos em Wall Street, Merrill Lynch, Goldman Sachs e Salomon Brothers.

Apenas chegado ao poder, Amato transformou as empresas públicas em sociedades anónimas, através do Decreto-lei 386/1991, para que a elite financeira as pudesse primeiramente identificar e depois controlar.

O início foi concertado pelo Fundo Monetário Internacional, que, assim como tinha feito noutros países, queria privatizar descontroladamente e desvalorizar a nossa moeda, a fim de facilitar o domínio económico e financeiro da elite. A tarefa de fazer cair a economia italiana foi dada a George Soros, um cidadão americano, que através de informações recebidas via Rothschild, com a cumplicidade de algumas autoridades, conseguiram fazer cair a nossa moeda e as acções de muitas empresas italianas.

Soros foi encarregado pelos banqueiros britânicos e americanos de implementar uma série de especulações, eficazes, graças às informações que recebeu da elite financeira. Ele fez ataques especulativos com hedge funds para fazer cair a lira. Por causa desses ataques, em 5 de novembro de 1993 a lira perdeu 30% do seu valor e depois, ao longo de vários anos sofreu sucessivas desvalorizações.

A rede do banco Rothschild, através do diretor Richard Katz, pôs as mãos na ENI, que foi vendida. O Grupo Rothschild desempenhou um papel proeminente noutras privatizações, incluindo a do banco da Itália. Havia laços estreitos entre o fundo Quantum de George Soros e os Rothschilds. Mas também muitos outros membros da elite financeira anglo-americana, como Alfred Hartmann e Georges C. Karlweis que estavam envolvidos nos processos de privatização das empresas e do banco da Itália. A empresa Rothschilds Itália Spa, filial de Milão da firma Rothschilds e filhos, com sede em Londres, foi criada em 1989, sob a direção de Richard Katz. Este último tornou-se diretor do fundo Quantum de Soros no período de especulação contra a lira. Soros tinha sido encarregado pelos Rothschilds de pôr em ação uma série de ações especulativas contra a libra, o marco e a libra, para desestabilizar o sistema monetário europeu. Sempre em nome dos mesmos patrocinadores, Soros tomou diversas posições especulativas contra as moedas de diversos países asiáticos, como a Indonésia e a Malásia. Após a destruição financeira da Europa e Ásia[2], a Soros terá sido solicitado que criasse uma rede de difusão de drogas na Europa. [3]

Depois, os Rothschilds, fiéis à sua forma de atuar, tentaram fazer caír a responsabilidade do colapso económico italiano sobre outras pessoas. Através de uma série de artigos publicados no Financial Times, culpabilizou-se a Alemanha, argumentando que o Bundesbank havia implementado operações de manipulação de mercado contra a lira. A acusação não pegava até porque os lucros do colapso da lira e da venda em saldo das empresas italianas foram para os anglo-americanos.

A privatização foi uma pilhagem, pilhagem esta que que ainda hoje continua. Diz-nos Paolo Raimondi, do Movimento Solidariedade:

Tivemos anos de privatizações, de saque à economia produtiva e a explosão da bolha da finança derivada. Esta mesma estratégia de desestabilização recomeça hoje, quando a Europa continental é novamente atraída, embora não como promotora e com perspectivas ainda por definir, para o grande esquema das infra-estruturas básicas da Ponte de Desenvolvimento Euroasiático. [11]

Alguns anos mais tarde a magistratura italiana procederá contra Soros, mas sem sucesso. Em outubro de 1995, o Presidente do Movimento Internacional de Direitos Civis-Solidariedade, Paolo Raimondi, apresentou uma denúncia ao poder judiciário para abrir uma investigação sobre as atividades especulativas de Soros & Co, que tinha atacado a lira.

O ataque especulativo feito por Soros permitiu-lhe ganhar mais de 15 milhões de milhões de liras. Para contrariar o ataque, o então governador do banco da Itália, Carlo Azeglio Ciampi, queimou inutilmente 48 mil milhões de dólares.

Sobre Soros investigou a procuradoria da República de Roma e de Nápoles, que também fizeram luz sobre a atividade do Banco da Itália na época do colapso da lira. Soros foi acusado de manipulação de mercado e de insider trading, tendo utilizado informações confidenciais que lhe permitiram especular com segurança e antecipar os movimentos em valores mobiliários, câmbios e valor da moeda.

Explica o Presidente e o secretário-geral do “Movimento Internacional de Direitos Civis-Solidariedade, ” na denúncia contra Soros:

Foi observado em 1992 que havia um contacto muito estreito e particular do senhor Soros com Gerald Carrigan, Presidente do Federal Reserve de Nova York, que faz parte do Banco Central americano, lugar onde circula o máximo de informações económicas confidenciais, o qual, estranhamente, uma vez que renunciou a esta posição, foi imediatamente contratado em tempo integral pela financeira “Goldman Sachs & Co.” como presidente dos conselheiros internacionais. A Goldman Sachs é um dos centros de grande especulação sobre derivados e sobre câmbios em todo o mundo. Goldman Sachs também está envolvida diretamente na política de privatização na Itália. Além disso, em Itália o senhor Soros conta também com a muito estreita colaboração de Isidoro Albertini, ex-presidente de corretores da bolsa de valores de Milão e atual presidente de Albertini e co. SIM, em Milão, uma das empresas no sector especulativo sobre derivados. Albertini é membro do Conselho de administração do fundo Quantum de Soros.

III. O ataque especulativo contra a lira em setembro de 1992 foi precedido e preparado na famosa reunião de 2 de junho de 1992 no iate “Britannia” da Rainha Isabel II de Inglaterra, onde os mais altos representantes da finança internacional, especialmente britânica, envolvidos em grandes especulações sobre produtos derivados, tais como S.G. Warburg, Barings e afins, se reuniram com os seu homólogos italianos, liderados por Mario Draghi, Director-geral do Tesouro e o futuro ministro Beniamino Andreatta, para planificar a privatização da indústria do Estado italiano. Após o ataque especulativo contra a lira e a sua desvalorização imediata de 30%, as privatizações seriam efectuadas a preços de saldo, em benefício da grande finança internacional e em detrimento dos interesses do Estado italiano, da economia nacional e do emprego. Estranhamente, os mesmos participantes na reunião do Britannia já tinham obtido autorização da parte dos homens do governo como Mario Draghi, para estudar e planear as privatizações. Aqui referimo-nos por exemplo a Warburg, ao Morgan Stanley, apenas para citar dois dos mais conhecidos exemplos. A agência noticiosa EIR (Executive Intelligence Review) denunciou publicamente esta sórdida operação no final de 1992, provocando uma série de interpelações parlamentares e debates políticos que tiveram o mérito de pôr em causa todo o processo, muito estranho, das privatizações. [12]

Os cúmplices italianos foram o ministro do Tesouro Piero Barucci, o então diretor do banco da Itália Lamberto Dini e o então governador do banco da Itália Carlo Azeglio Ciampi. Outras responsabilidades vão para o então primeiro-ministro Giuliano Amato e para o diretor-geral do Tesouro Mario Draghi. Algumas autoridades italianas (como Dini) fizeram jogo duplo: denunciavam os perigos, mas secretamente apoiavam os especuladores.

Amato tinha forçado os sindicatos a aceitar um acordo salarial mau para os trabalhadores, dada a “necessidade de nos mantermos no sistema monetário europeu”, apesar de saber que a Itália iria sair devido à eminente especulação.

Os ataques à economia italiana continuaram ao longo da década de 1990, até que o sistema económico-financeiro italiano caiu sob o controle completo da elite. Em janeiro de 1996, no relatório semestral sobre a política de informação e segurança, o primeiro-ministro Lamberto Dini disse:

Os mercados cambiais e as bolsas de valores dos principais países do mundo continuam a registar pressões especulativas em detrimento da nossa moeda, originadas, especialmente nas etapas delicadas da nossa vida política e institucional, pela propagação descontrolada de notícias infundadas sobre o governo e pela antecipação de dados sujeitos a comunicações periódicas sobre os preços ao consumidor… é possível esperar-se que haja de novo especulação fraudulenta, dado persistir a actual fase conjuntural interna e a existência de prazos para a unificação monetária. [13]

No dia seguinte, o governador do banco da Itália, Antonio Fazio, informou que a Itália não podia fazer nada contra as pressões especulativas nos mercados de câmbio, porque “se os bancos emissores tentam mudar de direção ou parar o vento (com operações financeiras) não serão capazes de o fazer, uma vez que face à dimensão dos capitais em movimento não têm capacidade de fogo.”

As nossas autoridades denunciaram o poder da elite internacional, mas atiraram a toalha ao chão, considerando-se incapazes de a enfrentar face à dimensão destas pressões. Estava em jogo o futuro económico e financeiro do país, mas nenhuma autoridade italiana pensava que poderia fazer alguma coisa para contrariar os ataques desestabilizadores das elites anglo-americanas.

O movimento Solidariedade foi o único a denunciar o que estava realmente a acontecer, apontando os verdadeiros culpados do colapso da economia italiana. Em 28 de junho de 1993, o Movimento de Solidariedade organizou uma conferência em Milão, onde tornou conhecido à assembleia a reunião no Britannia e o que é que daí resultou. [14]

A 6 de Novembro de 1993, o então primeiro-ministro, Carlo Azeglio Ciampi escreveu uma carta ao Procurador-geral da República de Roma, Vittorio Mele, para que se iniciem “procedimentos relacionados com o crime previsto no art. 501 do código penal (“aumentos e descidas fraudulentas dos preços nos mercados públicos ou trocas comerciais fraudulentas nas bolsas comerciais “), consideradas as circunstâncias agravantes nelas contidas. “. Até para Ciampi era evidente o crime de manipulação por parte de Soros, que tinha atuado contra a lira e contra os ttítulos das nossas empresas cotadas na bolsa.

Também nos anos que se seguiram houve outras privatizações, sem regras precisas e a preços de favor. Que algo estava a mudar, os italianos entendiam-no apenas a partir da mudança de nome de empresas, a Sip tornava-se Telecom Itália e Ferrovie dello Stato tornava-se Trenitalia.

O decreto legislativo 79/99 permitiria a privatização das empresas de energia. No setor do gás e da eletricidade apareceram muitas empresas privadas, hoje são cerca de 300. A 24 de fevereiro de 1998, também o correio italiano se transformou numa empresa s.p.a. Após a privatização dos correios, os custos postais aumentaram dramaticamente e os carteiros passaram a ser contratados sob contratos precários. Mais de 400 estações de correios foram fechadas, e aquelas que permaneceram abertas parecem-se mais com locais de venda do que locais de prestação de serviços.

Para as nossas autoridades justificava-se a venda ao desbarato feita com as privatizações, dizendo que precisavam de “sanear o orçamento público “, mas não especificando que era para dar dinheiro a ganhar aos bancos em troca de notas que valiam como papel velho. Ganhavam apenas os bancos e alguns empresários que já estavam ricos (Benetton, Gnutti, Colaninno, Tronchetti Provera, Pirelli e alguns outros mais).

Era-nos dito que a privatização iria melhorar a gestão das empresas, mas na verdade, em todos os casos, verificaram-se desastres de vários tipos e o remédio foi pago pelos cidadãos italianos.

As nossas empresas foram vendidas aos empresários que quase sempre agiram em nome da elite financeira, da qual receberam as verbas para a respetiva compra. A privatização da Telecom teve lugar em outubro de 1997. Foi vendida por 11,82 mil milhões de euros, mas no final, encaixaram apenas 7,5 mil milhões. A empresa foi adquirida por um grupo de empresários e bancos e o Tesouro ficou com uma quota de 3.5%.

O plano para o controle da Telecom foi dirigido pelo grupo bancário americano constituído por Merrill Lynch, Donaldson Lufkin & Jenrette e Chase Manhattan Bank.

No final de 1998, o título tinha perdido 20% (4,33 euros). A banca da elite, Chase Manhattan e Lehman Brothers, avançaram com uma OPA, uma oferta pública de aquisição. Através de Colaninno, que recebeu financiamento do Chase Manhattan, a Olivetti tornou-se proprietário da Telecom. A Olivetti era controlada pela Bell, uma empresa sediada no Luxemburgo, por sua vez controlada pela Hopa de Emilio Gnutti e Roberto Colaninno.

O título, que durante a OPA foi de 20 euros, no prazo de um ano foi reduzido para metade. Depois de alguns anos veio parar a menos de 3 euros.

Em 2001, a Telecom estava em sérias dificuldades, as ações continuavam a cair. A Bell de Gnutti e a Unipol de Consorte decidiram vender à  empresa Tronchetti Provera  uma boa parte da sua participação na Olivetti. O Presidente da Pirelli, financiado por J.P. Morgasn Morgan, ganhou o controlo da Telecom, através da financeira Olympia criada pela família Benetton (apoiada pelo Banca Intesa e Unicredit).

Depois de dez anos da privatização da Telecom, os resultados são desastrosos em todos os aspectos: mais de 20.000 pessoas foram despedidas, as acções fizeram perder muito dinheiro aos aforradores, as suas poupanças volatilizaram-se, os custos para os utentes aumentaram e a empresa está em situação deficitária.

A privatização, para além de ser uma pilhagem, constituiu também uma forma de defraudar os pequenos accionistas.

A Telecom, como muitas outras empresas, colocou o seu quartel-general em países estrangeiros, para não pagar impostos ao Estado italiano. Além de perderem as empresas, os italianos foram privados até das receitas fiscais destas mesmas empresas. A Bell, a empresa que controlava a Telecom Itália, tinha sede no Luxemburgo e estava ligada a uma outra empresa sediada nas Ilhas Caimão que, como sabemos, são um paraíso fiscal.

Os especuladores financeiros colocam as suas sedes nestes paraísos fiscais, onde nem as autoridades judiciais conseguem obter informações. Os paraísos fiscais permitiram que os especuladores destruam as economias de países inteiros sem que, no entanto, os media falem deste gravíssimo problema.

Colocar uma grande empresa como a Telecom nas mãos de privados também significa não proteger a privacidade dos cidadãos, que, na verdade, foi repetidamente pisada, como se tornou óbvio nos últimos anos.

Mesmo para as outras privatizações, Autoestradas, Correios Italianos, Caminhos de ferro/Trenitalia etc, deu-se a mesma devastação: despedimentos, fraude em detrimento dos aforradores, degradação do serviço, desperdício de dinheiro público, má gestão e problemas de vários tipos.

A família Benetton tornou-se accionista maioritário de Autoestradas. O contrato de privatização das Autoestradas trouxe vantagens apenas para os compradores, fazendo permanecer o custo da manutenção para os contribuintes.

A Benetton encaixou uma enorme quantidade de dinheiro graças à fusão das Autoestradas com o grupo espanhol Abertis. A fusão ocorreu com a cumplicidade do governo de Romano Prodi, que após uma reunião de cúpula com Zapatero, decidiu autorizar a fusão. Antonio Di Pietro, Ministro da infraestrutura, opunha-se, mas finalmente, curvou-se perante os protestos da União Europeia e a política do Presidente do Conselho.

Apesar dos desastres da privatização, as nossas autoridades não têm qualquer intenção de renacionalizar as empresas em decadência, pelo contrário, estão dispostos a usar o dinheiro público para reparar os danos causados pelos privados.

A empresa Trenitalia foi colocada à beira da falência. Em poucos anos o serviço tornou-se cada vez mais decadente, as carruagens estão a ficar mais sujas, o custo dos bilhetes continua a subir e existem inúmeros outros problemas. Devido aos cortes de pessoal (por exemplo, acabou-se com o segundo condutor), tem havido vários incidentes (ou mortes). Em 2006, o Presidente executivo de Trenitalia, Mauro Moretti, apresentou-se numa audição no Senado, na Comissão sobre Obras Públicas, para pedir dinheiro, confessando um buraco de 1,7 mil milhões, que poderia levar a empresa à falência. Em outubro de 2006, o Ministro dos transportes, Alessandro Bianchi, aprovou o plano de recapitalização proposto pela Trenitalia. Mais dinheiro público para uma empresa privatizada reduzida à ruína.

Por detrás disto encontramos as elites económicas e financeiras (Morgan, Schiff, Harriman, Kahn, Warburg, Rockefeller, Rothschild, etc.) que agiram preparando um projeto de devastação da economia italiana, que implementaram com o apoio dos políticos, financeiros e empresários. Esconder-se é fácil num sistema onde os bancos ou empresas podem assumir o controlo de outras empresas ou bancos. Isto significa que é sempre difícil entender realmente quem controla as empresas privatizadas. É semelhante ao jogo das caixas chinesas, como explica Giuseppe Turani: “Controle & Co detém 51% na Hopa, que controla 56,6% da Bell que controla 13,9% da Olivetti, que controla 70% de Tecnost, que controla 52% da Telecom”. [15]

Muitas empresas de empresários italianos foram destruídas pelo sistema dos mercados financeiros como o mostram os casos, por exemplo, de Círio e da Parmalat. Estas empresas enganaram os investidores com a venda de títulos obrigacionistas (“bonds”) com um risco elevado. A Parmalat emitia obrigações no valor de 7 mil milhões de euros e ao mesmo tempo realizava operações financeiras especulativas e endividou-se. Para não fazer descer o valor das ações (e para vender mais) aldrabava os balanços.

Os bancos nacionais e internacionais sustentavam a situação pois esta era-lhes vantajosa e a agência de rating Standard and Poors decidiu descer a notação atribuída à Parmalat mas somente quando o esquema era já bem conhecido de todos.

Os aforradores enganados iniciaram um processo judicial contra Calisto Tanzi, Fausto Tonna, Coloniale S.p.a. (sociedade da família Tanzi), Citigroup, Inc. (Empresa americana de Finanças), Buconero LLC (empresa dirigida pelo Citigroup), Zini & Associados (uma empresa financeira americana), Deloitte Touche Tohmatsu (organização que prestou serviços de consultoria e outros serviços profissionais), Deloitte & Touche SpA (revisores), Grant Thornton International (empresa de assessoria financeira) e Grant Thornton s.p.a. (uma empresa encarregada de auditar as contas da Parmalat s.p.a.).

A empresa Círio era administrada por Cragnotti & Partners. Os “Partners” não eram nada mais do que uma série de bancos nacionais e internacionais. A empresa Círio emitia obrigações no valor aproximadamente de 1125 milhões de euros. Muitos desses títulos eram depois utilizados pelos bancos para pilharem dinheiro aos pequenos investidores, mais vulgarmente ditos aforradores. Tudo isso aconteceu em perfeita harmonia com o sistema financeiro, que não oferece garantias de honestidade e transparência.

Graças às privatizações, um pequeno grupo de ricos italianos tem adquirido enormes somas e permitiu que a elite financeira anglo-americana exerça um forte controlo sobre os cidadãos, sobre a política e sobre todo o país.

Aos italianos foi dado o osso da operação dita “Mãos Limpas”, operação esta que se resolveu com inúmeras absolvições e alguns condenados a poucos anos de prisão.

Devido às privatizações e ao controlo pelo Banco Central Europeu, o país está mais  pobre e tem que pagar montantes muito elevados de dívida. Todos os anos é aprovado o orçamento destinado a pagar aos bancos e a participar no financiamento das suas guerras. Entretanto verifica-se o aumento da pobreza, tal como o do desemprego, o do emprego precário, a degradação e o poder da máfia.

O nosso país é hoje controlado por um grupo de pessoas que impõem, através de institutos responsáveis pela propaganda ou de “Instituições de Consultoria” com a autoridade que a si-mesmos conferem (Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu), aos governos que cortem nas despesas públicas, que continuem a privatizar o que ainda resta e a aplicar políticas austeritárias contra a população italiana. Os nossos governos estão a agir não no interesse do país mas sim, isso sim, no interesse das elites.

Antonella Randazzo é autora de Roma Predona. Il colonialismo italiano in Africa, 1870-1943, (Kaos Edizioni, 2006); La Nuova Democrazia. Illusioni di civiltà nell’era dell’egemonia Usa (Zambon Editore 2007) e Dittature. La Storia Occulta (Edizione Il Nuovo Mondo, 2007).

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[1] http://www.reti-invisibili.net/georgofili/ 

[2] La Repubblica , 27 maggio 1992.

[3] La Repubblica , 28 maggio 1992.

[4] La Repubblica , 10 giugno 1992.

[5] La Repubblica , 23 giugno 1992.

[6] La Repubblica , 23 giugno 1992.

[7] La Repubblica , 25 giugno 1992.

[8] La Repubblica , 27 maggio 1992.

[9] La Repubblica 11 agosto 1992.

[10] L’Unità, 12 agosto 1992.

[11] Solidarietà, anno IV n. 1, febbraio 1996.

[12] Esposto della Magistratura contro George Soros presentato dal Movimento Solidarietà al Procuratore della Repubblica di Milano il 27 ottobre 1995.

[13] Servizio per le Informazioni e la Sicurezza Democratica , Rivista N. 4 gennaio-aprile 1996.

[14] Solidarietà, anno 1, n. 1, ottobre 1993.

[15] La Repubblica , 5 settembre 1999.

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Antonella Randazzo, Come è stata svenduta l’Italia. Texto disponível em:

https://www.disinformazione.it/svendita_italia2.htm

Antonella Randazzo, autora do livro : “DITTATURE: LA STORIA OCCULTA”

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[1] Nota de tradução. Michele Sindona era um banqueiro e criminoso siciliano julgado e condenado em 1979 por ter sido, entre outras coisas, o mandante do assassinato de Giorgio Ambrosoli, um advogado milanês que tinha investigado a Banca Privata Italiana descobrindo que Sindona tinha cometido irregularidades diversas e falsificado o balanço. Michele Sindona tinha ligações com a Mafia siciliana e americana.

[2].Os países asiáticos pagaram bem a fatura. O que foi feito à economia destes países só tem um nome: criminoso. E viva a especulação!

[3] Não acredito na frase que se refere à droga. Uma afirmação-tese um tanto complicada da responsabilidade da autora do texto, No resto do que diz de Soros tudo isso está comprovadíssimo.

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