A GERINGONÇA – por Rui Rosado Vieira

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Informa-nos o “Diário de Notícias”, na sua edição de 4 de Janeiro passado:

A “geringonça” foi eleita a palavra do ano (…) anunciou hoje a Porto Editora, promotora do evento”.

O vocábulo “geringonça” tem origem numa reacção do antigo líder do CDS-PP, Paulo Portas, à formação do actual governo, liderado por António Costa, passou a ser usado para designar a maioria de esquerda no parlamento (PS/Bloco de Esquerda/PCP/ Partido Ecologista Os Verdes) que apoia o executivo.

Notícia de igual conteúdo foi divulgada através dos diferentes meios de comunicação, nos primeiros dias de Janeiro

O termo, que os dicionários definem como coisa ou construção desajeitada, pouco consistente, que ameaça desconjuntar-se, continua a ser estampado em jornais e pronunciado em rádios e na TV.

O mesmo jornal, em edição de 3 de Fevereiro, anuncia que a citada palavra foi incluída em título de livro – Para lá da “Gerigonça”. Nome sugerido pelo editor, que o autor, André Freire, apesar de não gostar, por ter sido pejorativamente, criado por Vasco Pulido Valente e depois Paulo Portas, para tentar classificar uma parte de forma depreciativa, aceitou, por se apresentar mais sexy do que o académico e enfadonho que tinha.

Sucede que, a utilização da referida palavra para caracterizar a existência de certas construções ou instituições de natureza política pouco comuns, não foi criação dos nossos dias, nem daqueles a quem os meios de comunicação atribuem agora a sua autoria, uma vez que tal termo já se escreve em Portugal com sentido idêntico ao actualmente propalado, há mais de duzentos anos.

Numa obra histórica redigida em 1813, relativa aos levantamentos populares contra a presença em Portugal do exército de Napoleão, em 1808, o autor ao analisar o trabalho das Juntas de Governo Revolucionário, então criadas em diversas vilas e cidades portuguesas, escreve:

Dizer que o governo das Juntas, como resultado da anarquia e das desordens, não tendia senão a meter os espíritos em combustão e não declarar o sentido desta geringonça, é quanto a mim, proferir uma blasfémia política, posto que desculpável porque não conhecida. (1)

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(1) João Mariano da Fonseca Morais, Memória Histórica da Junta de Campo Maior, (em 1808), Estabelecimento da Junta, reflexões sobre a mesma, suas necessidades. Cap. VI, p.72, Editor António José Torres de Carvalho, Elvas, 1912.

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