CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 1. FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÓMICA (2ª PARTE), por WILHEIM LAUTENBACH

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota. Revisão de Francisco Tavares.

Fundamentos da Teoria Económica (2ª Parte)

Wilheim Lautenbach

(continuação)

Temos algumas dificuldades em passarmos da curva de oferta de um produto singular para a curva de oferta agregada das mercadorias, a partir exatamente das curvas de oferta singulares, de um único produto. Temos de nos servir de alguns artifícios técnicos, nomeadamente desenhá-la de uma forma um pouco diferente da utilizada quando estávamos a falar da curva de oferta dos bens individualmente considerados. Não nos questionámos até que ponto a produção poderia aumentar para explicar a interseção com a curva da procura. Este procedimento é, portanto, impossível, porque não há nenhuma curva de procura que seja independente da oferta total. Só os economistas teóricos que são estritamente clássicos concluem a partir do Teorema de Say  que a procura agregada é sempre igual a oferta agregada. Isto significa, que, se se deve utilizar uma curva da procura esta deve ser desenhada da mesma maneira que a de oferta, mas o ponto limite [ou ainda o preço de equilíbrio] não poderia, de modo nenhum, ser alcançado da mesma forma com que se obtém com as curvas singulares. Por cada ponto da curva de oferta total, a hipótese clássica significa que a procura global dada pelo ponto é então igual ao valor total da produção, se cada produto é avaliado ao seu custo marginal. A partir deste dilema, no entanto, os teóricos clássicos salvam outro teorema fundamental da teoria, ou seja, a proposição de que sob concorrência perfeita em todas as áreas, incluindo a liberdade de circulação de trabalho e de capital assim como a liberdade de trabalho voluntário, aparece como condição para que o sistema gravite em torno do ponto de pleno emprego, e isto para todos os fatores de produção. Mas essa dificuldade é resolvida apenas aparentemente. Temos estado muito embaraçados para traçar a curva de custo global da oferta, com a instrução (“agregação de todas as curvas de oferta individuais numa curva de oferta total “) e esta agregação de curvas só pode ser feita, tanto quanto podemos ver, somente se o que se quer procurar e determinar, ou seja, o ponto limite, é já previamente conhecido. Aqui não basta saber o volume de cada um dos fatores de produção disponíveis, mas é também necessário conhecer a maneira como estes estão distribuídos pelos diferentes ramos da produção. Assim, teríamos realmente necessidade de conhecer cada uma das curvas individuais de oferta nos seus pontos limite, no seu respetivo ponto limite. Cada uma é então somente determinada quando consideramos todas as outras como dadas, porque a procura é alimentada a partir do rendimento total e este só é determinada quando todas as curvas de oferta individuais são fixas com o seu ponto limite.

Estamos agora a depararmo-nos com esta dificuldade devido ao facto de, tanto quando se fala da construção da curva global de oferta, nós passamos a questionamo-nos de forma diferente, principalmente pelo seguinte: tomando a produção como um dado, qualquer que seja o momento do tempo considerado imaginemos o custo de todo e qualquer produto tomado ele individualmente como sendo igual ao produto marginal, no ponto limite ou de equilíbrio. Em seguida, determinamos a curva de oferta global, a de todos os produtores e na produção considerada, ou seja, determinamos o valor da oferta total assim como o rendimento de todos os empresários, ou ainda a diferença do valor de venda nominal e o custo marginal e o valor desta diferença é caracterizada pela teoria como sendo o rendimento residual dos empresários.

Sabemos igualmente como deve ser enorme a procura, o seu valor deve ser então igual ao total dos custos da oferta, ou seja, por outras palavras: só assim é satisfeita a lei de Say. Say considerou categoricamente como válida a sua famosa afirmação e concluiu que, juntamente com todos os seus epígonos: nunca pode haver nenhuma sobreprodução geral apenas poderá haver desproporcionalidade entre o valor de oferta e o valor da procura, de tal modo, que a uma menor procura de determinados produtos contrapõe-se uma procura em excesso relativamente à oferta para outros produtos; o preço de determinados produtos cai abaixo do custo marginal enquanto o preço de outros produtos fica acima do seu custo marginal. Por essa tensão do mercado, o desajustamento entre oferta e procura bem a bem leva a que se seja conduzido a uma situação de equilíbrio, ou seja, conduz a que se limite a produção dos bens em excedente e se expanda a produção dos bens em défice, [reduzindo-se aqueles bens cujo preço é inferior ao custo marginal, e inversamente, aumentando aqueles cujo preço ficou acima do custo marginal]. Para aqueles que firmemente confiam no conjunto dos teoremas da teoria clássica, é então óbvio que esta teoria explica o inegável fenômeno que é a realidade da crise e explica-a mais ou menos através destas desproporções em conjunção com a rigidez provocada pela concorrência imperfeita e pela inércia de reação do sistema económico a estas desproporções. Claro, esta afirmação não passa de uma hipótese, sem o menor valor probatório. Esta explicação é, basicamente, muito menos a explicação da realidade do que é a defesa da teoria contra a acusação de que esta está em contradição com a realidade e que, portanto, deve ser falsa. Contra esta afirmação, os defensores da teoria clássica respondem: o mecanismo de reação, representado pela teoria e o Teorema de Say são claramente estabelecidos e válidos somente no quadro da concorrência pura e perfeita. O conjunto de teoremas da teoria derivam de proposições logicamente bem precisas e definidas naquele mesmo quadro; elas são condições necessárias e têm validade aprioristicamente. Estas aplicam-se independentemente da experiência e não podem ser recusadas por qualquer experiência. Se os sintomas [da crise] ocorrem na economia real, e estes estão em contradição com o mecanismo de reação teoricamente derivado, isto deve-se então ao facto de que as premissas da teoria não estão satisfeitas, que há uma constelação de dados que a teoria não reconhece porque não estão perfeitamente em linha com a teoria e os puristas da teoria clássica acrescentam: estes factos não são esperados pela teoria porque esta constelação de dados é de muito má qualidade.

Se nos limitarmos a caracterizar a tese da teoria ortodoxa como uma afirmação não provada e então como uma pura hipótese, isto significa que a situação permanece bastante insatisfatória. Porque, se a exatidão das frases pronunciadas não é comprovada, não se iria perceber que esta está errada. Agora, pode-se, contudo, demonstrar que as suas proposições são pura e simplesmente tautologias e, como tal, sem nenhum valor cognitivo. A priori, a identificação do rendimento empresarial (os lucros, não as remunerações) como um rendimento residual deve alertar-nos contra a ideia defendida pelos clássicos de que a economia caminha automaticamente em concorrência perfeita para a situação de equilíbrio com pleno emprego, gravitando em volta deste ponto de equilíbrio. O rendimento residual não significa outra coisa senão que o empresário só sabe no mercado o que obteve e quanto obteve como receita, o que deriva da oferta e da procura, ou seja do preço criado pelo mercado, ou seja, a relação entre a oferta e a procura determina os preços e, portanto, determina aqui, residualmente, quais são os seus lucros.

O rendimento é então a fonte da procura para os bens produzidos. Aqui, a serpente morde a sua cauda uma vez que temos assim uma forma elegante do círculo vicioso. Se realmente não há nenhuma razão especial para se considerar a determinação do rendimento dos empresários (os lucros) como sendo independente, então a procura dos empresários seria pois uma função do seu rendimento da mesma forma, como é o caso, com os não-empresários, e todo o sistema seria completamente indeterminado, porque o rendimento dos empresários não é garantido evoluir a pari passu com a produção, ou seja, com as remunerações, os encargos, pagos pelos empresários sobre os fatores de produção utilizados e , como resultado, podemos questionar ã sua sustentabilidade enquanto considerado como um dado. Os seus rendimentos constituirão ou uma procura de bens de consumo ou uma poupança. Em primeiro lugar, vamos admitir que essas poupanças são procuradas por alguém que quer comprar bens. Mas isto de forma alguma nos leva a que a procura total seja determinada. Falta-nos ainda a procura que é realizada pelos empresários.

Essa procura pode não ser uma função do seu rendimento, isto é, esta não dependência do seu rendimento é devida ao facto de que a criação do seu rendimento exige antecipadamente a existência da procura. Por outras palavras, a procura dos empresários não é uma função do seu rendimento, mas é sim o seu rendimento que é uma função da sua procura[1]. Uma vez que nós agora já sabemos como é que se dá o aumento da oferta e como, por vezes, o tratamento acrítico das equações (» simultâneas) leva a equívocos sobre a natureza das variáveis expressas nestas equações, é então necessário uma mais detalhada análise.

As receitas durante o período não são iguais! Nesta situação e ainda que temporariamente – é a variação na proporção das receitas relativamente à despesa que é então é a essência da mudança na dinâmica do circuito económico e não a alteração na massa monetária disponível. É claro que, na situação de rigidez do ciclo (constante o rendimento e a despesa), o aumento da massa monetária será compensado por uma mudança na velocidade da sua utilização) tanto quanto permanece proibitivo na nossa provisória conceção experimental provocar uma tal mudança na relação entre receitas e despesas dentro do período.

Esta exclusão de influência direta da política monetária sobre a circulação monetária é de novo metodicamente justificada; porque não se pode arbitrariamente “estar a injetar moeda na economia” ou ” retirar moeda da economia.” Primeiro, qualquer um de nós pode ter uma razão económica para retirar o dinheiro do circuito (deixá-lo no banco ou no seu cofre) ou para colocar dinheiro no circuito (retirando-o da sua conta bancária ou contraindo empréstimo nos bancos). Primeiro que tudo, faça-se o que se fizer nestes dois casos tem que ter uma razão para abandonar a igualdade de receitas e despesas durante o período em questão, e pode então haver um aumento ou uma diminuição. Alterar a proporção de receitas e despesas durante o período é necessário e (no caso de ser possível a opção de aumento da massa monetária em circulação ou vice-versa, com capacidade suficiente para processar operações de pagamento) é já uma condição suficiente para mudar a rigidez no ciclo. Somente se os meios de pagamento adicionais não são suficientes (mas por si-só nunca serão suficientes) então os bancos poderão atuar em conformidade para satisfazer essas necessidades.

Se quisermos saber como é que as contrações e expansões da atividade económica aparecem (ou, porque é que o nível de atividade económica aparece num dado momento do tempo como tendo sido fortalecido) então devemos e primeiro que tudo responder às seguintes perguntas:

  1. Em que pontos da economia se verificaram mudanças na relação entre receitas e despesas dentro do período considerado?

  2. Que regularidades há nessas mudanças?

A enumeração de todas as possibilidades como resposta a 1) resultaria numa classificação de todas as componentes económicas possíveis. Entre os não‑empresários qualquer mudança nos hábitos de poupança ou mesmo, por exemplo, uma mais rápida utilização dos seus rendimentos dentro do período de pagamento dos salários, estão nessa classificação.

Qualquer mudança na relação entre as receitas e as despesas feitas pelo Estado e entre os bancos poderiam ser tomadas em conta (como é o caso quando as relações económicas externas são tomadas em conta, ou seja com qualquer mudança na proporção de “receitas” face às “despesas” nas operações de pagamentos internacionais). E, no entanto, parece adequado não ter em conta nada disto, uma vez que as mudanças entre os não-empresários, são difíceis de colocar sob uma regra geral. As mudanças no Estado, porque elas são, em qualquer caso tratadas mais tarde como uma variação intencional da atividade económica. E as mudanças nos bancos, porque elas são apenas reflexo ” de transações sobre bens na economia ” ou são tão complicadas que serão tratadas mais tarde e de forma adequada. Assim, deixamos ficar apenas as alterações impostas pela variação dos comportamentos dos empresários. Tais mudanças, estão entre as disposições “típicas da sua atividade”. Eles têm sido vistos como aqueles em que a totalidade da mudança dos seus comportamentos se pode tornar mais evidentes [e isto mostra-se bem] na base de um muito simples desenvolvimento algébrico.

No que se segue referimo-nos:

EU, -Lucros dos empresários ou o seu rendimento bruto

E N – rendimento dos outros agentes, ou seja, dos não empresários

E – rendimento global dos agentes económicos, ou seja na terminologia moderna, o nosso Y.

P – valor do produto social, o nosso Y de novo

I- O valor dos investimentos é aqui visto como sendo a totalidade dos bens produzidos num dado período e que não são vendidos nesse mesmo período para o consumo final. Isto também inclui um aumento das existências desses mesmos bens nos armazéns. Por outro lado, uma diminuição das existências seria então um investimento negativo, reduzindo assim o valor do investimento em conformidade. Aliás devemos aqui sublinhar que falamos de investimento líquido e este é o investimento bruto total menos o reinvestimento exigido para manter o valor dos meios de produção existentes (o que incluiu as existências)

S N – Poupança dos não- empresários

VN – Consumo dos não-empresários

VU – Consumo dos empresários

V – Valor total dos bens de consumo retirados da esfera da circulação, ou seja é a soma dos bens consumidos

Temos então a seguinte identidade:

EU+EN ≡ E ≡ P ≡ I+V

Mas enquanto os custos dos empresários evoluem pari passu com a produção, e são expressos pelos custos salariais e outros custos pagos aos não empresários, os rendimentos dos empresários são agora indeterminados, são somente determinados no mercado, o que nos leva a colocar a equação acima em termos de EU e obtemos:

EU = I+V+EN

Por definição temos:

EN=SN+VN

ou ainda:

EU= I+V – SN – VN

Ou V – VN = VU

Assim, o rendimento dos empresários é igual ao valor do investimento mais o valor do consumo dos empresários menos a poupança líquida dos não-empresários.

(continua)

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[1] Ver nota muito longa. Segue em anexo.

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Wilhelm Lautenbach, Zins, Kredit und Produktion. Texto disponível em:

https://www.amazon.de/Zins-Kredit-Produktion-Wilhelm-Lautenbach/dp/B0000BKRBS

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Para ler a Parte I destes Fundamentos de Teoria Económica, de Wilheim Lautenbach, clique em:

CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 1. FUNDAMENTOS DA TEORIA ECONÓMICA (1ª PARTE), por WILHEIM LAUTENBACH

 

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