CARTA DO RIO – 143 por Rachel Gutiérrez

Certa vez, conversando com Bernardo Segall, um pianista brasileiro que morava em Nova York, ouvi dele o que pode definir não só pianistas mas qualquer tipo de artista, ou  políticos, ou qualquer pessoa:

 Há pianistas que tocam como quem diz: – Vejam como Eu toco bem! , e outros, como quem diz: – Ouçam como é bonita esta Música!

Nunca mais esqueci a pertinência e a profundidade daquela observação. Ao procurar, há pouco, alguma notícia sobre o artista, na Wikipedia do Google, fiquei sabendo que ele fora uma espécie de “menino prodígio”. Lê-se ali que Bernardo Segall, (1911-1993), fez sua estreia profissional como pianista aos 9 anos, em Campinas; aos 16, viajou para os Estados Unidos, onde estudou com Alexander Siloti;  e, aos 21 anos, sua estreia americana foi no Town Hall de Nova Iorque, onde tocou com a  Filarmônica daquela cidade. E além de atuar nos Estados Unidos durante muitos anos como concertista, Bernardo, que era sobrinho do nosso grande pintor Lasar Segall, compôs música para  teatro, balé, cinema e televisão.

Fica aqui, portanto, a minha homenagem a quem também me ajudou a avaliar o facebook e a utilização que dele faço há pouco mais de um ano. Pois, penso que no facebook, ao invés de ficarmos agindo como quem diz Vejam eu aqui!, eu em tal lugar, eu com tais e tais amigos, eu, eu, e eu em minha última viagem ou em minha casa, no meu jardim, com meu animalzinho de estimação etc., etc., o que constitui, a meu ver, um desperdício de tempo e de espaço, podemos expor o que observamos ou pensamos  sobre a situação política, podemos divulgar obras de arte, poemas, textos antológicos de nossos autores  favoritos, ou de pensadores e ativistas nos quais acreditamos,  com os quais nos identificamos ou, dos quais eventualmente discordamos. Em suma, acredito que o espaço do facebook seja propício ao diálogo, à exposição de ideias e, sobretudo à convocação para eventos e manifestações. Trata-se de uma rede social poderosa, que não deveríamos desperdiçar com apenas “carinhas”, “emoticons”, piadas e “memes”, como se estivéssemos regredindo aos hieróglifos do Egito, ou recorrendo a ideogramas pré-gráficos, ou à escrita cuneiforme da cultura sumeriana, de 3.500 Antes de Cristo.

Ora, por mais que se tenha repetido nas últimas décadas que uma imagem vale mais do que mil palavras, as imagens infantis dos emoticons tem servido apenas para nos afastar da riqueza das palavras que podem significar infinitamente mais do que todas as abreviações, os hihihis e os hahahas, ou as figurinhas inventadas pela internet. Fala-se (?) até numa nova língua – o “internetês”.

Faço questão, portanto, de contrariar essa tendência à infantilização e à redução do vocabulário porque acredito que as palavras continuam e continuarão a ressoar enquanto que as figurinhas desaparecem com a mesma facilidade com que aparecem.

E a propósito da importância das palavras, transcrevo o que o próprio facebook, para minha agradável surpresa, se encarregou de reproduzir, hoje, do que eu havia escrito exatamente há um ano, pouco depois de ter começado a utilizar a rede social:

Felizmente já somos milhares os desiludidos com os supostos defensores da inclusão social – que não passou de acesso ao consumo sem nenhuma educação de base e sem acesso real à cultura – os supostos protetores dos pobres que, na verdade, tomaram o poder para estabelecer relações promíscuas com as empreiteiras, desviar dinheiro público e enriquecer ilicitamente. E ainda ousam dizer que são perseguidos e injustiçados!
(Publicado em 19 de março de 2016.! )

Acrescentei hoje, um ano depois:

 ESPERO QUE TODOS OS DESILUDIDOS ESTEJAMOS NAS RUAS NO PRÓXIMO DIA 26!

Um ano inteiro passou desde que publiquei aquela declaração. E para o dia 26 deste março, a sociedade civil foi convocada para uma grande manifestação em defesa da Lava Jato e contra a corrupção. E entre outras, a denúncia mais urgente é a das manobras que os parlamentares realizam para se livrarem de eventuais punições.

Transcrevi, portanto, no facebook, o que publicou no jornal O Globo o jornalista  ELIO GASPARI:

Depois que a Procuradoria Geral da República soltou a lista de fregueses dos capilés da Odebrecht, surgiram doutrinadores do Direito e da Ciência Política, defendendo uma anistia dos envolvidos em um narcótico eleitoral que lhes assegure os mandatos sem que precisem pedir votos, Se der, inocenta-se o culpado e criminaliza-se quem o acusa.

Também fiz questão de postar, por exemplo, do ex- deputado, escritor e jornalista Fernando Gabeira:

A tentativa de novas leis de proteção revela o desespero de quem não já não se contenta apenas com o foro privilegiado. Um líder do PT chegou a dizer que a Justiça não sabe o que é ou não é crime, logo era preciso fazer leis específicas para orientá-la nesse universo da corrupção política. 
(…) Criar as leis que possam salvá-los da Justiça, pois têm como certa a hipótese de que se salvam nas eleições.
Provavelmente vão se ferrar, tanto numa como na outra. Mas se julgam os caras mais espertos do Brasil. Curitiba e Bangu estão cheios de gente esperta, mas, ainda assim, estão de braços abertos para novos candidatos.

E do excelente artigo do cineasta Cacá DIEGUES:

A lista do Janot nos entrega alguns dos mais significativos representantes atuais da oligarquia que controla e rege o país desde sempre. (…) De vez em quando, um herói da República nos trazia inesperadas esperanças; como Vargas, um oligarca com sentimento de culpa, ou Lula, um homem do povo fascinado pelo fascinante mundo da oligarquia. 
(…)Quem sabe poderemos tentar começar um novo país, com gente que a gente ainda não conhece que não nos iluda com populismo e xenofobia, com o ódio ensaiado e oportunista aos que estavam aí. 

Postei também o final do artigo de Míriam Leitão:

1 – O país é outro, hoje, três anos depois daquela noite em que policiais federais perderam Youssef em São Paulo e foram encontrá-lo em São Luís. Seria bom se os governantes entendessem a natureza da transformação. O ambiente não é de “deter a sangria”, nem próprio para acordões nas noites de Brasília. O Brasil quer escrever uma nova história. 

Assim, minha participação no facebook é como quem diz: Vejam que interessante e oportuno o que diz este jornalista, este escritor, este cientista político ou este cidadão-eleitor. E dou também minha opinião. E convoco à luta pela defesa dos direitos e da dignidade de um povo mergulhado numa das piores crises de sua história. No facebook, após resistir longos anos, descobri finalmente uma forma de exercer minha cidadania, o que faço com a mesma emoção com que exerço meu direito de votar.

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