Da América à Europa , de Trump a Clinton, de Marine Le Pen a Macron, a mesma presença como pano de fundo, o estado subterrâneo em ação – por Júlio Marques Mota – 1. Introdução (parte 1)

Introdução – parte 1

Uma pequena série, constituída por 20 pequenos textos onde se toma como processos eleitorais semelhantes, o caso francês e o caso americano. Poderíamos mesmo dizer que qualquer destes dois casos é equivalente igualmente à situação holandesa.

Com efeito neste último caso que tivemos nós? Tivemos a disputa entre a coligação e os populistas de extrema-direita e, no limite diríamos entre Mark Rutte e Geert Wilders. Sabendo que Mark Rutte fez parte da sua agenda de campanha em sobreposição com o discurso de Geert Wilders, ficamos a saber que a disputa era entre o mau e o vilão sem sabermos sequer quem era o mau e quem era o vilão.

Entretanto a imprensa por toda a Europa saudou a derrota da extrema-direita que aumentou em 33% os seus lugares no Parlamento mas como imprensa paga que é, esqueceu-se de sublinhar a da Coligação, a que aplica a politica europeia, afinal, que passou de 79 lugares a 42 lugares, uma perda de quase metade. O quadro mostra que o partido de Mark Rutte passa de 41 para 33 lugares e os nossos sociais-democratas passam de 38 para 9 lugares. Que dirá agora o Presidente do Eurogrupo com estes resultados e face às políticas que impõe aos países sob a sob alçada?

Dirá como é costume, que a culpa é dos outros, daqueles que no Sul da Europa e na sua opinião e a do seu patrão, o ministro Schauble, são os responsáveis pela crise que atravessa toda a Europa.

Vejam-se os resultados eleitorais e comparem-se com os de 2012. Simples, para percebermos que nos media a soldo do poder dominante é que não nos podemos fiar.

2017 Eleiçoes Holanda

A situação que se desenrolou na Holanda, e já antes nos Estados Unidos e amanhã em França, é de facto a de se optar entre o mau e o vilão, entre um Rutte que toma como parte da sua campanha o discurso do seu adversário, Wilders, ou deste que se situa à extrema-direita e que no plano das migrações se assemelha a Trump, sem se saber afinal quem é verdadeiramente o mau e o vilão, uma vez que Mark Rutte tomou o discurso do outro. Como sublinha Jacques Rancière relativamente à situação francesa:

“Eu tenho ainda na memória o slogan de 2002: “escroque, vote, mas não vote facho”. Escolher o escroque para evitar o facho é merecer um e outro e preparamo-nos para ficar com os dois.”

Mas a realidade é ainda mais complexa, pois escolher o “facho” para evitar o escroque é igualmente estar a merecer um e outro e a prepararmo-nos para ficar com os dois. Foi assim que muitos apoiantes de Bernie Sanders se abstiveram[1].

Não vemos pois grande diferença, para que possamos falar de populismo bom e populismo mau. A posição de Rancière é bem curiosa e espelha o drama das eleições que têm ocorrido, a lembrar o Movimento Occupy: recusamos ter de escolher entre candidatos que representem a mesma coisa, representam o que todos nós recusamos, ou seja, procurar a democracia neste quadro neoliberal é equivalente a procurarmos a palavra Democracia na Internet e aparecer-nos a informação: erro 404, página não encontrada

Sem nos querermos alongar, com a opção Trump e Clinton estamos perante a posição de Rancière, entre o escroque, Clinton, e o “facho”, Donald Trump. E curiosamente tudo aponta para que se confirme a posição de Rancière: fica-se pois com os dois, com o escroque e com o “facho”, vamos ficar com o mau da Clinton, a corrupção, e vamos ficar com o mau de Trump, o apoio à classe dominante, à superclasse, exacerbando-se talvez um certo nacionalismo de direita para conseguir apoio popular. Esta é pois a sua arte e foi com ela que, enquanto homem de fora do sistema que venceu tudo e todos, quando o Deep State assente na alta finança, tinha tudo preparado para garantir a vitória de Clinton. Mas relembro Michael Pettis, se Trump ganhar descobrirá, como todos os outros, que tem muito pouco. O sistema vergá-lo-á ou destrui-lo-á, seguramente.

Mas Trump pelas suas sucessivas decisões inesperadas não deixa de fazer arrepios ao Deep State, ao Estado profundo e subterrâneo, sem cara e invisível, constituído por gente da alta finança, por dirigentes de grandes multinacionais e de gente que vive da política, ou seja, por gente que vem desde bancos de investimentos a hedge funds, de dirigentes  de fundações e das grandes instituições, das grandes empresas globais, das cúpulas dos grandes partidos, uma clique de gente que se passeia pelos grandes centros de decisão que nos governa. Davos e Bildelberg aí estão a dizer que o Deep State existe. As lojas secretas, as múltiplas P2,P3,…P5 aí estão a preparar o seu terreno. No limite, trata-se de gente que se assume apenas com funções técnicas na sociedade, a fazerem o trabalho de Deus, como afirmou o presidente de Goldman Sachs! Tudo o resto é Democracia, dirão eles.

Sobre este tema, relembro aqui aquilo que um alto dirigente português me disse um dia: “a Democracia está reduzida a um palco onde se representa sobre o que foi já decidido algures”. A situação americana confirma isso mesmo. Veja-se como Trump deixa cair os membros da sua equipa, como muito bem assinala Paul Craig Roberts, e deixa-os cair tão facilmente que um dia destes poderá ser ele mesmo a cair. Irá resistir, nem que seja por orgulho próprio, o que acelerará as contradições da sociedade americana já de si muito dividida, pelas marcas de neoliberalismo exercido nestes últimos 30 anos, entre um Partido Democrata que mais parece o porta-voz da alta finança e um “sentido de luta de classe” atiçado pelas polémicas posturas e propostas de Trump por parte dos abandonados por esta globalização feliz, não esquecendo nunca que esta globalização feliz teve em Bill Clinton e Barack Obama os seus mais acérrimos defensores.

Os pilares da política de Trump

As duas grandes linhas de orientação de política económica interna de Trump parecem ser a liberalização ainda mais intensa de Wall Street, e aqui encontramos Clinton, e a redução de impostos às empresas. Não se fala aqui nas melhorias das condições de trabalho nem de remunerações salariais. Terá Trump esquecido as promessas feitas a quem o elegeu? Tudo parece indicar que sim.

Do ponto de vista da política comercial temos um terceiro pilar, o protecionismo enquanto instrumento para recuperar os níveis e qualidade de emprego de outrora. É assim que Trump o apresenta e o quer impor.

Em resumo tudo parece indicar que Trump partiu de uma rejeição da classe dominante para agora se poder juntar a ela. Ficamos assim com o “facho” a que se juntará depois o escroque, representado pela corrupção, pela financeirização. O populismo de Trump apoiado depois com medidas precisas e bem dirigidas a dados alvos, ou seja a serem bem calibradas para silenciar os seus eleitores de base que são as classes de menos rendimentos, fará o resto.

Vejamos então de forma sucinta, até porque não é este o objetivo do presente texto, os dois primeiros pilares da política de Trump, necessariamente articuláveis com a redistribuição do rendimento que vai estar ausente no seu programa efetivo, e de forma um pouco mais desenvolvida, vejamos depois o terceiro pilar, o do protecionismo.

  1. Obras Públicas

As infraestruturas americanas estão totalmente obsoletas, ficando abaixo, e em muitos pontos, das infraestruturas dos países asiáticos. Supõe-se que irá refazer estradas, autoestradas, caminhos-de-ferro, aeroportos, e linhas de comboios de alta velocidade. Trata-se de despesas públicas que poderão ter um custo de 10 milhões de milhões de dólares, seja 5 vezes a dívida pública da França, ao longo de dez anos ou seja 5 pontos do PIB por ano.

Se Trump faz internamente uma política de grandes obras públicas isso irá dinamizar a economia, mas sendo certo de que isto vai diminuir o desemprego possivelmente pouco poderá aumentar a procura das famílias e esta continua a ser o verdadeiro motor da expansão da economia, porque as grandes obras públicas far-se-ão na sua maioria com custos salariais baixos. Trump irá pois prosseguir uma política de contenção salarial.

2. Política de apoio às empresas

Trump pretende reduzir a tributação às empresas de 34% sobre os lucros para 19 %, ou seja, uma redução de 15 pontos. Esta é uma situação curiosa. As multinacionais em princípio não são as beneficiárias desta medida. É uma questão também de taxa zero sobre as empresas. A razão é simples: na realidade, a grande massa das sociedades cotadas pagam um imposto muito inferior e portanto não são beneficiárias da redução. Os grandes grupos, como é do conhecimento público, praticam uma política de otimização fiscal, explorando todos os sítios possíveis para pagar menos, colocando os seus lucros na Irlanda, Singapura ou outras praças offshore. Assim, serão promotores de construção como Donald Trump que saem beneficiários desta medida! A prevista redução de 15% da taxa de imposto só terá impacto real para as PME.

E não nos parece que a redução de impostos para as empresas em termos de 15 pontos sobre os seus lucros seja uma posição expansionista tanto quanto esta redução se traduz em diminuição de receitas do Estado e, portanto, diminuição das despesas públicas se não quer ver degradar-se a dívida pública americana. Sendo certo que a redução dos impostos para as empresas beneficiará praticamente apenas as PME, isto leva a que Trump ganhe aqui um apoio de classe bem significativo, o dos pequenos e médios empresários, a lembrar de resto outras paragens, outros tempos, menos saudáveis. Aparentemente uma aliança com o pequeno capital sem hostilizar os grandes.

A manutenção dos grandes trabalhos públicos como estimulo imediato à economia pressupõe então que esclareça o seu financiamento. Como assinala Jean-Luc Gréau:

“É necessário refazer as estradas e as autoestradas, os aeroportos e, por fim, instalar linhas de comboios de alta velocidade, os TGV. As despesas necessárias poderiam atingir 10 milhões de milhões de dólares ao longo dos dez próximos anos, ou seja de 5 pontos de PIB anuais.”

São enormes as necessidades de financiamento expostas. Não creio que Trump aqui recue. Fazer pagar os 20 % mais ricos da população americana? Não me parece dispor do poder político para tal, porque a esse nível nem as cúpulas do Partido Republicano e as do Partido Democrata o irão permitir. E os Tea Party, de direita ou da “esquerda oficial” como parece ser o caso de Organizing for América (dirigida por Obama) não se mexerão. A luta de cada um deles está centrada na esfera da apropriação do poder e nada mais. No melhor dos cenários, teremos o decil 80-90 dos mais ricos da população a pagar parte desta política de expansão e a outra parte será, mais uma vez, paga pela via do défice e da dívida.

3. Politica de redistribuição- a grande ausente quando era suposto estar bem presente

Com tudo o resto constante, e havendo redução das despesas do Estado, a redução dos impostos referida aparece como relativamente neutra, portanto, do ponto de vista do emprego e da produção não teríamos alteração significativa. Repetindo-nos um pouco, a forma imediata para colmatar essa redução de receitas só tem uma via, a de taxar os 20% mais ricos dos Estados Unidos, o quintil de famílias com mais rendimentos nos Estados Unidos. Só assim se pode admitir que esta medida da redução dos impostos seja expansionista. As propensões marginais ao consumo serão necessariamente maiores nos beneficiários da política seguida do que naqueles que são atingidos por ela. Mas aqui uma questão: uma medida destas poderá passar na Câmara dos Representantes? Terá o apoio dos Republicanos, sendo certo que não terá o apoio dos Democratas?

Poderá eventualmente ganhar outro tipo de apoios, como por exemplo revogando o programa Obamacare e transformando num sistema de serviço nacional de saúde à europeia, que garantidamente pode ser mais barato e sobretudo pode mesmo ser bem melhor. Mas aqui a mesma pergunta. Os lóbis dos seguros que vivem do Obama care não se movimentarão eles e duramente? Conseguirá Trump o apoio parlamentar para uma medida destas? Claro que não.

4. O pilar protecionista

Há ainda um ponto que não vemos debatido. A política protecionista unilateralmente definida por Trump quererá levar a um equilíbrio da balança corrente. Relembremos que a sua balança é deficitária, face à Europa, face à China, face ao México. Procurar o equilíbrio da sua conta corrente nos moldes do sistema monetário internacional, dólar como moeda de referência e câmbios flexíveis, poderá então levar à valorização do dólar, à queda das moedas dos países fornecedores, os países excedentários, acompanhada de uma subida da taxa de juro sobre o dólar desencadeada pelo aumento das despesas públicas, caso o programa de Trump siga em frente. E esta subida das taxas de juro, a menos que se continue a injetar milhões e milhões de dólares na economia, a quantitative easing, pela relação existente entre taxas de juro nacionais e internacionais e taxas de câmbio à vista e a prazo, fará necessariamente subir a taxa de câmbio do dólar. Ora o aumento das taxas de juro irá diretamente reduzir o efeito da baixa dos impostos, indiretamente irá forçar a valorização do dólar, irá fazer aumentar as importações e assim sucessivamente, contrariando as supostas intenções de Trump. Trata-se do custo de uma autonomização forçada, não negociada, num contexto de globalização.

Sendo assim é difícil mesmo a médio prazo, dizer que o retorno ao equilíbrio externo será assegurado. O fracasso do Trumpismo, se este vier a ocorrer, seria bem-vindo para o resto do mundo.

Mas mais grave ainda como assinala Auran Derien:

“Se esse equilíbrio for alcançado, os EUA teriam um regresso ao equilíbrio sem que tenha havido concertação alguma, e teremos um mundo mais fechado de Estados nações a emergir e um mundo relativamente desprovido de liquidez mundial para assegurar um comércio internacional que será provavelmente bem menor mas que será, ainda assim, substancial. Como o retorno a uma nova moeda de reserva implicaria o surgimento de uma grande potência deficitária, não se vislumbra qual a moeda que poderia suceder ao dólar. A partir daí, pensar que por trás da nova política norte-americana, há o retorno ao plano de Keynes de Bretton Woods, com o seu famoso “Bancor” [NT. criação de uma moeda supranacional],e esse é um passo que ninguém está em condições hoje de dar”.

Os parágrafos acima mostram-nos uma coisa curiosa. O que poderia ser correto, a desglobalização, como saída da crise e por poder gerar mecanismos de expansão ao nível de múltiplos países, pode pelo contrário gerar um quadro recessivo global, com efeitos negativos para todas as economias e inclusive para os Estados Unidos. E isto por duas razões de fundo:

a) Pelo facto de a desglobalização não ser o resultado de uma concertação a nível internacional, o que pode traduzir-se numa desorganização dos fluxos internacionais, o que seria prejudicial para toda a gente, e pode mesmo ter efeitos recessivos sobre os Estados Unidos pelos efeitos negativos que entretanto se tenham gerado no resto do mundo.

b) A perda de posição dos americanos no comércio mundial, na sequência da política protecionista assim desencadeada, se for desencadeada acrescente-se, deixaria de colocar os Estados Unidos, pela via do atual sistema monetário internacional, na cómoda posição de fornecedor de liquidez ao mundo. Este facto em conjunto com a austeridade que tem sido aplicada pode gerar mecanismos indiretos, os efeitos de repercussão sobre os Estados Unidos, ou efeitos diretos ou de retorsão e pode gerar, tal como a seguir à guerra, um problema de escassez de divisas. Para termos uma ideia da importância dos Estados Unidos como fornecedor de liquidez, no quadro do sistema monetário internacional, basta recordar que a passagem da penúria de liquidez internacional para a situação de abundância foi devida ao facto da guerra do Vietname ser paga pela emissão de moeda e não pelos impostos à população americana. O resultado foi depois a celebérrima noite de 15 de Agosto de 1971 com o fim de Bretton Woods. Ora o fecho comercial dos Estados Unidos pelo protecionismo feroz que Trump está a querer impor pode levar também ele à penúria de liquidez internacional tal como até meados dos anos de 1960.

Poderíamos continuar com os problemas que a política de Trump pode levantar, mas a nossa intenção é outra, é mostrar que o Deep State, o estado subterrâneo, continuará a atuar e tanto mais quanto Trump irá claudicar, a bem ou a mal.

Não nos esqueçamos da verdadeira máquina de guerra que os democratas sob a batuta de Barack Obama constituíram com Organizing for America, com a finalidade de fazer cair Trump. Um Tea Party à esquerda, segundo alguns dos seus mentores, a significar que a alta finança não quer discutir as políticas que foram por si seguidas, quer, isso sim, assegurar já o terreno para quando Trump cair, poder substituí-lo facilmente e manter assim a trajetória neoliberal seguida desde há três décadas. Uma trajetória mais ou menos linear, traçada pelos Democratas em conjunto com a alta finança é o que o Deep State pretende. Ora o que Trump pode oferecer para a sociedade americana, pelo conjunto de antagonismos que ele representa, é uma trajetória, cheia de pontos de rutura e de alta instabilidade. Mesmo que o resultado final para os 1% dos mais ricos americanos possa a prazo ser o mesmo, os Democratas oferecem a evolução na estabilidade e Trump oferece uma outra evolução mas na instabilidade, com todos os perigos que esta possa representar quer em termos de rutura do tecido social, o reacender da luta de classes e de forma não controlada, quer em termos de reprodução do grande capital. Dados os perigos que este está a representar para os 1%, e os dois maiores perigos advêm da sua recusa da globalização e de poder ser, mesmo que demagogicamente, o porta-voz dos excluídos da globalização, é necessário desencadear uma luta feroz para o derrubar. E esta luta, com muito dinheiro pelo meio, desencadeou-se imediatamente após a sua vitória nas eleições. Tinham apostado na continuidade de Obama com a vitória certa em Hillary Clinton, falharam a jogada. Há que recuperar o controlo do jogo. Todas as jogadas baixas ou não, são agora admissíveis e oferecer às classes abastadas da América a segurança que esta perdeu em Novembro. Através de quem? Isso ver-se-á depois. Com o decorrer do processo que deve levar à eliminação política de Trump.

Foi assim que aconteceu com a eleição de Obama, a substituir Bush. A linha seguida por Bush estava já gasta. Era preciso outra e lançaram Obama.  Na opinião de Charles Gave, um especialista dos mercados financeiros onde é operador, e um homem de grande cultura coisa hoje rara na direita francesa a que pertence:

“Os poderes subterrâneos que nos governam prepararam-nos com muita antecedência para a chegada de um homem “novo” sem história pessoal, sem se ter nenhuma ideia dele, de que ninguém sabe de onde veio, e este homem foi candidato às eleições e foi eleito triunfalmente. Uma vez que cada um dos leitores percebeu, pelo menos assim o espero, que me estou a referir a Obama, figura forjada pelo partido Democrata de quem ninguém se lembra em Columbia, onde ele supostamente estudou, em que ninguém sabe, de resto, quem é que lhe pagou os estudos, onde o seu registo universitário fica bloqueado por cinquenta anos, sem ninguém saber qual a razão. (…) Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos, debitando apenas banalidades. E esta eleição permitiu a minha superclasse permanecer no poder e mantê-lo para tosquiar calmamente os carneiros que somos todos nós. Toda a gente deu conta no entanto, oito anos mais tarde, que a marionete tinha sido esculpida até aos menores detalhes e seria necessário ser-se um perfeito idiota para acreditar que um ídolo era uma solução.”

Trump, face à guerra que lhe será movida, pelas cúpulas das gentes do Partido Republicano, pelos seus apoiantes entretanto mantidos na beira da estrada da globalização, pelo Partido Democrata apoiado na máquina de guerra política dirigida por Obama, endurecerá a sua posição de força contra as instituições democráticas, tal como o fez Obama quando foi ao ponto de colocar de lado o Congresso americano e a própria ONU[2], e temos pois todos os condimentos que fizeram de Obama o contrário do que ele próprio prometeu, Yes we can que se transformou em Yes, we can’t! Trump fá-lo-á porém com mais veemência.

Trump terá uma visão bem primária do sentido de Estado. Teremos pois com Trump a “fascização” política do sistema americano a que se junta a corrupção que necessariamente será gerada pela alta finança ainda mais desregulada. A tese de Rancière na nossa versão fica pois confirmada, fica-se com o “facho” e com o escroque. Dúvidas?

 

[1] Não estamos a dizer que Trump seja fascista, mas estamos sim a admitir que há já largos traços de fasciszação na sociedade americana. Relativamente a Trump assinala Jean l’Homme:

(…) Assim, Donald Trump poderia certamente evoluir para o fascismo. Provavelmente não no conjunto mas o estilo e a popularidade no seio dos veteranos americanos e das tropas do populismo de Trump fornecem provas desconcertantes que os Estados Unidos se orientam também para uma nova forma de fascismo ou digamos, de forte demagogia populista com as denúncias antidemocráticas, ditas xenófobas contra os Mexicanos e os Hispânicos em geral, contra os imigrantes que trabalham para o bem-estar implícito dos Americanos brancos. Assim, a América apresentaria tendências fascistas sem ser ainda fascista. Em suma, Trump seria a encarnação de um fascismo à americana, uma espécie de fantasma super mediático, um fantasma de poder face a um qualquer ferido de guerra e de cara partida que venha da frente de batalha. (…)

Trump é, na realidade, um puro produto dos meios de comunicação social que se transplantou seguidamente sobre o movimento conservador de Tea Party, ativo em certas igrejas evangélicas e em especial nos círculos de antigos combatentes do Afeganistão e do Iraque. Com efeito, Trump reuniu atrás dele duas forças quase concorrentes: os meios de comunicação social e a direita pura e dura evangélica e militar e nesta aliança absurda, o grupo de comunicação Fox- Entertainment têm obviamente desempenhado um papel decisivo para formar uma nova figura política do sistema, uma figura antissistema, autoritária mas popular para os veteranos de guerra, encarnação de um novo fascismo que seria especificamente americano, este fascismo precisamente contra qual os Estados Unidos modernos se constituíram, feito à base de Flash Gordon, de Mister América, de Batman e das forças especiais.

[2] Só assim lhe era possível seguir a via belicista assumida por ele, um prémio Nobel da Paz!

1 Comment

  1. A sucessão de factos indicada no texto ilustra à saciedade que o modelo capitalista neoliberal, tal como se tem vindo a expandir hoje, é cada vez mais incompatível com os valores democráticos em geral e com a própria ideia de democracia participativa (votinho de 4 em 4 anos), mesmo na sua face mitigada e anquilosada que vivemos. Daí a clara deriva crescentemente fascizante, visível não apenas nos picos (Le Pen, Trump, Erdogan…), mas tb nas cordilheiras mais baixas como os burocratas de Bruxela com os seus tratados inimigos dos cidadãos, Eurogrupo, BCE, Goldman, Exxon, Monsanto/Bayer, etc…
    Ou seja, a incompatibilidade acentua-se, prevalecendo cada vez mais o lado fascizante das instituições e o pendor anti-democrático da vida social.
    As sociedades que erigem o lucro puro e duro como valor supremo, não só eliminam a democracia, mas fatalmente pagarão um preço muito elevado por essa escolha.
    Não esbanjámos………Não pagamos!!!!!!

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