EDITORIAL – Maria Helena da Rocha Pereira – por António Gomes Marques

No passado dia 10 de Abril Portugal ficou mais pobre com a morte de Maria Helena da Rocha Pereira.

Nasceu na Cedofeita, Porto, a 3 de Setembro de 1925, filha do lente de Clínica Médica da Universidade do Porto, Doutor Alfredo Rocha Pereira (1887-1962).

Como recorda Luís Miguel Queirós, no Público de 11 de Abril, «… deu provas da sua inclinação para o ensino desde muito cedo. Tendo aprendido a ler aos quatro anos, aos seis já ensinava as empregadas da casa a fazê-lo.» Formou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1947, o que não a habilitou a ler os textos gregos, indo assim, passados três anos da licenciatura, para Oxford, com uma bolsa do Instituto de Alta Cultura onde foi discípula de Eric Robertson Dodds, o historiador irlandês E. R. Dodds —autor, entre outras obras, de «Os Gregos e o Irracional» (Gradiva-Publicações, Ld.ª,Lx., Janeiro de 1988), obra onde, contrariamente ao habitual, se dedica ao estudo das forças primárias e irracionais na sociedade grega—, de Rudolf Pfeiffer —historiador alemão, obrigado a trocar a Universidade de Munique pela de Oxford por ser casado com uma judia, autor de, entre muitas outras obras, History of Classical Scholarship: From the Beginnings to the End of the Hellenistic Age (Oxford: Clarendon Press, 1968)— e ainda de Sir John Davidson Beazley —historiador e arqueólogo britânico, especializado em cerâmica antiga clássica, tendo criado o maior índice de cerâmicas gregas da antiguidade clássica, com base em estilos artísticos, professores estes que se revelariam fundamentais para a obra produzida por Maria Helena da Rocha Pereira, como professora e autora de centenas de trabalhos, tornando-a não numa mas na talvez mais importante especialista em estudos clássicos de cultura grega e latina em Portugal.

De 1948 a 1957 foi, primeiro, professora de latim e, depois, de grego antigo, no Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Porto. Em 1951 tornou-se segundo assistente de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ensino que só interromperia para os seus estudos em Oxford. Aqui, um dos melhores centros de estudos clássicos, onde chegou em 1950, foi onde deu início à investigação para a sua tese de doutoramento, «Concepções Helénicas de Felicidade no Além, de Homero a Platão» (in «Estudos Sobre A Grécia Antiga», vol. I das suas obras, Fundação Calouste Gulbenkian-Imprensa da Universidade de Coimbra, Outubro de 2013), que viria a defender em 1956 na Universidade de Coimbra, com a curiosidade de ter tido de esperar ano e meio para que fosse possível em Portugal formar um júri para a avaliar. Era o Portugal de Salazar, não podendo deixar de registar uma sua declaração: «O meu doutoramento foi o primeiro de uma senhora numa universidade que tinha 666 anos, na altura.» Para além de primeira doutorada, foi também a primeira mulher catedrática da UC, em 1964, entrando «isolada, num mundo estritamente masculino», como lembra Frederico Lourenço na mesma edição do Público acima referida. Ali deu aulas até se ter jubilado em 1995, nunca abandonando até ao fim dos seus dias a divulgação do seu conhecimento, como pude testemunhar, nomeadamente, numa conferência na Fundação Calouste Gulbenkian.

Consciente do desconhecimento que havia dos textos clássicos, dedicou muito do seu trabalho ao que não gostava muito de fazer, traduzir, vertendo para português alguns desses textos mais importantes, o que levou Luís Miguel Queirós, no texto atrás referido, a escrever: «E é porque tanto traduziu que hoje os alunos de Estudos Clássicos espalhados pelo país têm “ferramentas de trabalho incríveis”, assegura Fátima Silva, uma discípula que é hoje professora na UC …»., vindo a propósito citar mais uma vez Maria Helena da Rocha Pereira que, a determinada altura, disse: «Um professor que não crie discípulos não é completo (…) e, basta pegar nas publicações do Instituto Nacional de Investigação Científica, do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, de que foi Directora entre 1991 e 1995, para lermos o inevitável agradecimento de muitos investigadores para verificarmos que, também neste campo, cumpriu magnificamente mais uma das missões a que se havia proposto.

Foi também Directora das revistas Humanitas e Biblos e, desde 1991, sócia efectiva da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa.

Dos mais de trezentos títulos —monografias, artigos enciclopédicos, traduções—, podemos afirmar que a sua obra mais popular é «Estudos de História da Cultura Clássica», em dois volumes, o primeiro dedicado à cultura grega e o segundo à cultura romana, editados pela Fundação Calouste Gulbenkian, tendo sido pioneira no estudo sobre os «vasos gregos», que lhe deu notoriedade internacional, e também publicado livros sobre autores clássicos, como Platão, Anacreonte, Píndaro e Pausânias, não podendo deixar de realçar-se a sua muito elogiada tradução de «República», de Platão, editada pela F. C. Gulbenkian.

Em 2009 recebeu o grau de doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa, e, no ano seguinte, foi-lhe atribuído o prémio Vida Literária.

Outros prémios lhe foram atribuídos, numa demonstração clara do valor ímpar desta investigadora, como: o Prémio P.E.N. Clube Português de Ensaio (1989), pela obra «Novos ensaios sobre temas clássicos na poesia portuguesa»; Prémio Jacinto do Prado Coelho (2003), pelo ensaio «Portugal e a herança clássica e outros textos»; Prémio Troféu Latino, da União Latina e Prémio Universidade de Coimbra (ambos em 2006); Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes (2008) e, em 2010, Grande Prémio Vida Literária APE/CGD

Lamentavelmente, nunca lhe foi atribuído o Prémio Camões nem o Prémio Pessoa, o que mostra a distracção dos júris que presidem a estes prémios, naturalmente sem pôr em causa a atribuição do Prémio Pessoa a Frederico Lourenço, outro dos grandes nomes da Cultura Clássica, que bem o mereceu.

 

 

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