Que fazer: escolher Macron, escolher Martine Le Pen ou escolher não escolher? Texto 4 – Macron – Le Pen: escolher não ter de escolher. Uma segunda volta entre Orwell e Kafka, por Jérôme Leroy

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Texto 4. Macron – Le Pen: escolher não ter de escolher. Uma segunda volta entre Orwell e Kafka

Por Jérôme Leroy, escritor

Revista Causeur, publicado a 27 Abril 2017

França Que fazer escolher Macron, escolher Martine Le Pen ou escolher não escolherTexto 4 Macron Le Pen escolher não ter de escolher Uma segunda volta entre Orwell e Kafka
Cartazes eleitorais em Nantes, abril de 2017. SIPA. 00800805_000002

E agora, o que é que irei fazer?“cantava Gilbert Bécaud. A vantagem da música ligeira é que eles levantam sempre problemas reais, tal como a literatura. Na primeira volta, tal como mais de sete milhões de eleitores, votei com entusiasmo pelo programa de Mélenchon, um pouco menos por aquele que o assumia. A sua atitude cesarista, a personalização excessiva da campanha, a forma como os ativistas de France Insoumise vinham na altura dizer aos militantes comunistas que distribuíam folhetos que estes não tinham nada a fazer ali, que até incomodavam, isso desagradou-me. É talvez também esta atitude que fez Mélenchon perder a ida à segunda volta, por um pequeno milhão de votos.

E agora, portanto, temos a escolha entre Macron e Le Pen. Acho que Mélenchon não cometeu nenhum erro na noite da primeira volta , ao dizer que este foi o duelo sonhado pela oligarquia, e de uma certa maneira, foi mesmo provocado. A prova mais emblemática é François Hollande, que só saiu da sua reserva nestes últimos dias da campanha para se mostrar preocupado com a eventual subida em flecha de Mélenchon. O seu último presente à esquerda que deseja a rutura foi esse … O presidente estava bem mais incomodado com esta subida vertiginosa de Mélenchon do que esteve com o destino de Marine Le Pen em que durante meses era dada como ganhadora à primeira volta. Em contrapartida, quando Mélenchon começou a atingir picos elevados nas sondagens, Hollande destilou as suas observações insidiosas sobre este populismo de esquerda que lhe parecia, de facto, mais detestável do que o populismo da extrema-direita. Como de costume, somos tentados a dizer … Há também, neste mesmo tipo de lindeza, a forma como os mercados reagiram com uma sensação alívio que roçava a obscenidade, saudando os resultados com uma subida de 4,1% na Bolsa de Valores nas horas que se seguiram.

Regresso a 1984

Eis-me aqui numa situação tipicamente orwelliana. Recordemos que no livro 1984, para garantir o poder do Big Brother, há o vilão, Goldstein, sobre quem não se sabe muito, não sabemos se está vivo, nem sequer sabemos se existiu. Este vilão é um dos elementos que permitem a Big Brother exercer o controle totalitário sobre a população, especialmente através das Semanas de Ódio onde se deve cuspir em grupo sobre a figura do traidor abjeto quando ela aparece nos écrans.

Le Pen pai na sua época, e a sua filha Marine hoje, representam Goldstein. Enfrentando Goldstein, um candidato que representa um neoliberalismo tão selvagem quanto o de Fillon, mas com um léxico mais açucarado, que vai por fim, de acordo com o desejo de MEDEF de várias décadas, liquidar os restos do Estado social que ainda resiste e as realizações do CNR, um candidato que diz, como Big Brother, “a liberdade é escravidão; a paz é a guerra (de todos contra todos)“, este candidato, além disso, vai ser necessário tomá-lo como se fosse um herói do antifascismo. Raramente se terá levado tão longe a nossa servidão, impondo-nos uma falsa clivagem: aqueles que oporão o “patriotismo” de Marine Le Pen contra a “globalização” de Emmanuel Macron como se o amor ao país exclua necessariamente uma sociedade aberta , como se ser francês, pelo menos desde a Revolução, não implique uma articulação entre a nação e o universal.

Obviamente não votarei Marine Le Pen na segunda volta. Querer ver analogias entre os programas da Frente Nacional e o da France Insoumise tem a ver com confusionismo ideológico, habilmente mantido pelo FN que acaba de publicar um folheto onde descaradamente tenta e de uma forma vergonhosa seduzir os eleitores de Mélenchon.

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Manon Bouquin @Manon_Bouquin

O futuro em comum, é também com Marine, Insoumis, não se enganem no combate .#JeVoteMarine

12:21 – 25 Apr 2017 · Paris, France

 

Isto é esquecer que a aparente semelhança entre medidas sociais como a reforma aos 60 anos de idade está, neste caso, financiada por uma preferência nacional que tem como alvo os imigrantes de um lado, enquanto que do outro, as reformas seriam financiadas por uma nova relação de forças (chamem a isto luta de classes se assim o quiserem entender ), com o capital. É por isso que a segunda volta entre Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon seria o pesadelo do sistema. Por um lado teria afastado os apoiantes do ‘Não há alternativa’, quer seja Fillon na sua versão Ordem Moral, ou ;Macron na sua versão festiva cool e, por outro lado, teria permitido mostrar que entre a tradição política FN e a que é incarnada por Melenchon, não há nada em comum, absolutamente nada, a tal ponto que noutros tempos eles se enfrentaram pelas armas.

Mas não irei votar Macron. Não posso, não posso dar a minha voz para alguém que está a considerar a França como uma start-up, ou seja, como um lugar onde os empregadores e os assalariados, transformados estes em empresários independentes, se tratam por tu, mesmo quando os primeiros despedem os segundos com um sorriso, graças a um código do trabalho que irá caber numa folha A4 e somente escrita de um lado.

Em suma, num momento em que deveria congratular-me com uma votação sem precedentes numa esquerda de transformação que representa um eleitor em 4, mesmo por pouco que se acrescentem os votos de Benoît Hamon aos de Mélenchon, eu sinto, em vez disso, um sentimento de vergonha face a Marine Le Pen e a Emmanuel Macron, a vergonha que sente Joseph K. no final do Julgamento de Kafka, quando foi posto a esvair-se em sangue por dois carrascos : “as mãos de um dos senhores seguraram a garganta de K. enquanto o outro lhe cravava a faca no coração e depois voltava de novo por duas vezes. Moribundo, K. viu ainda os dois homens muito perto do seu rosto, com as faces quase coladas, a observarem o desfecho.

― Como um cão! ― disse. Era como se a vergonha devesse sobreviver-lhe.”

Leia o original em http://www.causeur.fr/abstention-macron-le-pen-43999.html

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