Da América à Europa, de Trump a Clinton, de Marine Le Pen a Macron, o estado subterrâneo em ação. Texto 12 – Macron, candidato dos multimilionários e do sub-proletariado. A lógica pura da mundialização , por Jean-Luc Gréau

Seleção de Júlio Marques Mota

Texto 12 – Macron, candidato dos multimilionários e do sub-proletariado, A lógica pura da mundialização  [1] e  [2]

Por Jean-Luc Gréau, economista francês

Publicado por Revista Causeur em 9 de março de 2017

O candidato preferido dos homens de negócios que estão na moda multiplica os gestos dirigidos aos assistidos dos subúrbios sensíveis. Não há nisso nenhuma contradição, é a pura lógica da mundialização.

Da America a Europa texto 12
Emmanuel Macron dá um aperto de mãos num restaurante des Mureaux, março de 2017. SIPA.

Emmanuel Macron ainda mal tinha instalado o seu gabinete de ministro da Economia em Bercy já os meios de comunicação o elogiavam antecipadamente. A França estava abençoada pelos deuses. Dispunha de um homem providencial, de grande capacidade económica, capaz de ultrapassar as dificuldades acumuladas ao longo de quarenta anos de revezes económicos, de défices e de desemprego. Emmanuel Macron era-nos apresentado como um Bonaparte económico.

Que este homem tenha sido objeto de apreciações maravilhosas por parte de meios de comunicação tão diferentes na aparência como  Les Échos ou Challenges deveria ter-nos feito compreender de imediato que ele representava uma nova carta sacada da manga pelas instituições do sistema neoliberal a fim de confirmar as escolhas do euro, da Europa, da globalização. A partir de um postulado: as escolhas estratégicas que fizemos com os dois compadres Mitterrand e Chirac não estão postas em causa no nosso xadrez. No entanto, faltam-nos homens de arte capazes de implementar as reformas salvadoras que o bom povo ignorante detesta. Mas, enfim Macron vem, e com ele, a esperança regressa.

Como nos faz falta Philippe Cohen! Ele teria sido o primeiro a diagnosticar o «tomar partido pelos meios de comunicação » como uma escolha escondida que governa as consciências dos dirigentes políticos e formata a opinião pública. Teria visto imediatamente em Emmanuel Macron o servidor do sistema patrocinado pelos meios de comunicação para impor a continuidade das nossas escolhas estratégicas. Teria apelado à nossa vigilância face à encenação mediática e política do personagem. E insistiria sobre o facto, inédito, de que não é apenas nos meios de comunicação bem pensantes da burguesia francesa que a promoção de Macron se desenvolve, mas também no  Financial Times, no Wall Street Journal, no New York Times. Emmanuel Macron é aí apresentado como o antídoto francês contra o vírus que assolou a Inglaterra do Brexit e a América de Trump. Vêmo-lo, nas caricaturas daqueles meios de comunicação, a conduzir a contra-ofensiva ideológica, armado com uma bandeira tricolor ! What a surprise ! (que surpresa).

Todavia, seria errado pensar que o candidato do sistema neoliberal não é senão a última metamorfose política. Ele é inovador no seu género. É isso aquilo que um jornalista do Figaro, Jean-Pierre Robin, nos revela num artigo informado sobre o verdadeiro programa do candidato.

O programa de France Stratégie

Jean-Pierre Robin diz-nos que, longe de estar dissimulado, o programa de Emmanuel Macron está, como a carta roubada de Poe, «exposto aos olhos de toda a gente». O programa foi redigido sob a batuta de Jean Pisani-Ferry pelas equipas de France Stratégie, um organismo oficial mas estranho, que é uma espécie de grupo de reflexão financiado por dinheiros públicos. France Stratégie está instalado em cité Martignac, no sítio do antigo Comissariado do Plano, em pleno coração da 7ª circunscrição de Paris. Não era possível encarnar melhor o abandono da ambição do pós guerra de um desenvolvimento controlado com a ajuda do Estado, em benefício de uma prosperidade adquirida no quadro do comércio livre mundial[3].

Jean Pisani-Ferry deixou a cité Martignac para se pôr ao serviço da ambição presidencial do nosso Bonaparte um perfeito produto da ENA (Escola Nacional de Administração) [4]. Mas ele trouxe na sua bagagem as notas de orientação de France Stratégie, elaboradas tendo em vista o novo quinquénio, em diferentes domínios : economia, finanças, social, educação, ecologia, cultura. Tomámos em consideração três propostas principais que poderiam estar no centro do programa do candidato : a transformação do crédito de imposto para a competitividade e para o emprego em desagravação das obrigações permanentes das empresas, a isenção de encargos sobre os baixos salários, a imposição dos arrendamentos fictícios.

A primeira das propostas é aparentemente a mais inócua. Consistiria em suprimir uma espécie de fábrica de gaz saído dos cérebros férteis de Bercy a fim de alterar os 22 mil milhões de euros de custos que ela representa para um dispositivo conhecido de desagravação de encargos. Isso seria regressar à simples preconização do relatório Gallois. Mas com uma diferença de monta. Louis Gallois queria que a desagravação incidisse sobre os salários das pessoas qualificadas para atingir as empresas orientadas para os mercados externos. Enquanto o dispositivo proposto seria repartido pelo conjunto da grelha salarial.

A segunda proposta deixa-me perplexo. O Estado suporta atualmente o custo do desagravamento de encargos específicos sobre os baixos salários, avaliado em mais de 20 mil milhões de euros pelo Tribunal de Contas, custo este que se acumula com o do CICE (Crédito de Imposto para a Competitividade e o Emprego). Um custo que os conselheiros [do TC] julgam proibitivo à luz do seu impacto sobre o emprego pois é embolsado como lucro indevido pelos respetivos empregadores. Ora a nova proposta instituiria uma isenção em vez de um desagravamentopara os salários compreendidos entre 0,5 e 1,3 do Smic (salário mínimo), cujo custo seria forçosamente superior, sem resolver o defeito constituído pelo desagravamento atual. E sem trazer soluções à falta de competitividade das nossas atividades exportadoras cujos salários são notoriamente mais elevados. Onde está, pois, o interesse deste joker sobre os encargos sociais ?

A terceira proposta é potencialmente explosiva. A imposição de arrendamentos fictícios – arrendamentos que seriam devidos pelos proprietários se tivessem de pagar o aluguer da habitação que ocupam –, que existia na IVª República, foi abandonada na Vª cujos dirigentes tinham fixado o objetivo de promoverem o acesso à propriedade e a consolidação das classes médias. Remetida para estudos pelo PS nos anos 1970, não voltou a ver a luz do dia, por receio do seu impacto político negativo. E que dizer hoje? Os preços dos imóveis explodiram e os alugueres juntamente com eles. Um apartamento de 50 metros quadrados situado em Montmartre tem um preço de aluguer de mais de 1000 euros. Que o interessado faça as contas : deveria acrescentar 12 000 euros ao seu rendimento tributável! Tratar-se-ia de facto de um super Imposto Solidário sobre a Fortuna (ISF), escondido no IRS, alargando dramaticamente o campo deste, aplicável atualmente a partir de 1 300 000 euros. Atingiria pessoas modestas que poderão ter herdado uma habitação adquirida pelos seus pais. Por conseguinte, põe-se a seguinte questão: a proposta provém de cérebros danificados ou de titulares de habitação de função ou de habitações de baixo preço como as que são amavelmente disponibilizadas pela prefeitura de Paris ?

 Os subúrbios em vez dos favorecidos dos centros urbanos (os « bobos »)[5]

Jean-Pierre Robin interroga-se no final do seu artigo. Sabendo-se que Emmanuel Macron dispõe de um eleitorado de «bobos», como se explica que abra caminho a uma tributação excessiva do seu público fétiche. « Aviso aos «bobos» proprietários da geração da explosão demográfica : são eles que vão dar o dinheiro. » Certo, mas a ideologia poderá levar a melhor sobre o interesse de classe. E será efetivamente necessário dinheiro para cobrir estas operações de desagravamento ou de isenção de encargos que constituem o coração do dispositivo.

Mas compreendendo-se que os grandes beneficiários do seu programa serão os nossos subúrbios, vemos aparecer um outro eleitorado oficialmente cobiçado pelo candidato Macron. A favor da mundialização e da política de imigração, uma verdadeira economia do terceiro mundo instalou-se em França, triplamente subvencionada pela proteção social mais cara do mundo, as coletividades territoriais e a política urbana. Ela seria levada a prosperar de modo decisivo. Está aí a inovação de Macron : tão pouco aplicar remendos ao nosso tecido social dilacerado, mas desenvolver uma nova forma de economia encapsulada no seio de uma França empenhada na competição por todo o lado[6]. O candidato do sistema parte o país em dois : por um lado, a França beneficiária da massa das ajudas sociais, mas isenta de encargos sociais ou fiscais e, por outro lado, a França que paga principescamente para beneficiar da mesma proteção social.

Convém lembrar aqui a reação de Emmanuel Macron a seguir aos atentados de 13 de novembro de 2015. Ele atribuía o terrorismo à « falta de oportunidades económicas ». Afirmação em forma de negacionismo quando se sabe que os djihadistas são recrutados nas camadas mais instruídas dos nossos subúrbios. Mas Macron esquece espontaneamente a dimensão ideológica do problema para encontrar uma explicação « economicista ». Na altura, o personagem, que trata elegantemente os operários bretões como « iletrados económicos », deu-nos a prova do seu cretinismo político.

A Europa ou a morte

Macron é hoje a encarnação mais pura, se assim se pode dizer, do europeismo na nossa paisagem política. Ele milita a favor de uma integração europeia ainda mais profunda, não obstante o poder preponderante adquirido pela Alemanha e os fracassos da construção europeia analisados por Hubert Védrine no seu último livro [7].

Contudo, o facto mais singular é que Macron seja apoiado pelo patronato ao mesmo tempo que nada propõe que possa tratar o problema mais crucial da nossa economia: a sua falta de competitividade face à Alemanha (metade do nosso défice comercial, igual a 47 mil milhões de euros, resulta do desequilíbrio das nossas trocas com o nosso grande vizinho, que acumulou em 2016 um excedente comercial total de 296 mil milhões de euros !). E não se poderá afirmar sem cair no ridículo, que o desagravamento dos direitos laborais constituiria o remédio adequado.

A nossa história recente, sob as perspetivas económica e política, é também a da cegueira dos donos das empresas cuja consciência política foi feita refém da ideologia dominante. Ainda vá que os banqueiros e as seguradoras se acomodem a um sistema que os serviu tão bem. Mas que dizer dos donos das empresas não financeiras ? A Europa impede-nos de desagravar os encargos sociais das empresas comprometidas com a competição internacional: é necessário desagravar correlativamente os encargos das lojas de bairro e dos supermercados ! Ela impede-nos a redução ou eliminação do imposto sobre lucros reinvestidos no âmbito nacional. Uma vez que essa Europa se vê, para além do seu perímetro oficial, como uma espécie de laboratório da globalização, deliberando como se fosse um órgão de governança mundial.

O preferido dos meios de comunicação não nos deixa outra escolha senão prosseguir na via do declínio, sob a batuta do chefe de coro Macron, cantando : « A Europa ou a morte. »

[1] Texto cedido pela revista Causeur, a quem agradecemos a sua disponibilização, em particular ao seu diretor Gil Mihaely.

[2] Texto traduzido por Francisco Tavares, revisto por Júlio Marques Mota.

 

 

[3]Como nos exorta Élie Cohen em cada uma das suas intervenções mediáticas: «É preciso responder aos desafios e aproveitar as oportunidades da mundialização.»

[4] Depois de ter estado à cabeça do instituto Bruegel, grupo de reflexão dedicado à Europa. É também membro do Círculo dos economistas, que reúne todos os anos a tribo dos economistas neoliberais na universidade d’Aix-en-Provence, e membro do Conselho de análise económica.

[5] N.T. Bobos é uma designação pejorativa das pessoas favorecidas que habitam os grandes centros urbanos e que politicamente se situam á esquerda ou são sensíveis à ecologia.

[6] Como sempre, é necessário fazer referência à La France périphérique de Christophe Guilluy, edições Flammarion, 2014.

[7] Sauver l’Europe, edições Liana Levi, 2016.

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