De uma crise a outra, dos anos de Mitterrand aos anos de Hollande, da tragédia de outrora à farsa de agora. 4ª Parte: Os tempos do declínio de Hollande, os da farsa, os da transmissão do poder. Texto 4.7 – Presidenciais: Fillon sacrificado, Le Pen ultrapassada, Macron em breve martirizado? Sete lições e uma esperança, por Marin de Viry

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

4ª Parte: Os tempos do declínio de Hollande, os da farsa, os da transmissão do poder

Texto 4.7 – Presidenciais: Fillon sacrificado, Le Pen ultrapassada, Macron em breve martirizado? Sete lições e uma esperança.

Por Marin de Viry

Publicado por Revista Causeur, em 5 de maio de 2017

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Preparação do Carnaval de Nice, Janeiro de 2017. SIPA. 00790880_000006

Lição número 1. O sacrifício de François Fillon, único objeto da primeira volta, falhou completamente. Certamente, a sua candidatura foi assassinada, mas os eleitores não estão em sintonia com os assassinos. Ora, a imolação foi feita para construir consenso, para pôr toda a gente de bem uns com os outros e o carrasco é suposto ser ele o artesão da justiça. No caso de Fillon, a execução exasperou a desconfiança em relação aos governantes, à justiça, aos meios de comunicação social e aos seus adversários políticos. Em vez de os libertar das tensões, o sacrifício exasperou essas mesmas tensões.

Lição número 2. O sacrifício de Marine Le Pen, objeto único da segunda volta, falhou igualmente. Certamente, não ganhará muito provavelmente, porque uma parte dos eleitores está ainda em prol da antiga liturgia na qual uma Frente Republicana faz uma forte barragem ao Mal, mas a dúvida apoderou-se dos partidários do Bem – dúvida que se exprime na abstenção ou muito simplesmente na muito pequena convicção com a qual “a diabolização” se exprime – e os partidários do Mal ficam cada vez mais descontraídos, porque cada vez menos afetados pela injunção moral, a advertência solene, o argumento de autoridade “antifacho”.

 

Macron e o hub França

Lição número 3. Por conseguinte, a vitória de Macron aparecerá como sendo o resultado de um duplo sacrifício falhado. Macron será então visto como uma espécie de importuno, ou mesmo de impostor, que não terá conseguido transformar a sua vitória sobre os outros numa vitória para todo o país. Não será o eleito, mas o sim o que ficou em primeiro lugar. E ninguém duvida que todos reclamarão o vídeo porque o jogo foi escandalosamente arbitrado.

Lição número 4. Tínhamos bem compreendido e toda a campanha o mostrou à evidência: o mundo de Macron, é o hub França, com este refinamento de crueldade de ser, além disso, viciado em despesa pública. O hub França, é o aeroporto de Roissy. No primeiro andar, uma entrada reservada e discreta: nos sofás de qualidade, dirigentes zen’s bebem um caro uísque japonês discutindo com o seu private banker na Internet. No rés-do-chão, há quadros médios que bebericam da cerveja e vão comendo uns amendoins num conforto relativo, gerindo o seu crédito renovável na sua aplicação bancária de massas. No subsolo, os bagageiros pagos a uma remuneração lamentável não têm outra escolha senão o fundamentalismo (anti-imigrante ou muçulmano) ou o voto em Mélenchon. Por não lhes terem ensinado Lafontaine e não lhes terem dado perspetivas decentes, é difícil gostar deles, mesmo se for necessário dominá-los. Ninguém quer um mundo como este. Vamos votar por. O masoquismo tornou-se oficialmente uma categoria do pensamento da cidadania. Desde há muito tempo que esse sentimento estava a incubar, referiram os melhores observadores.

Lição número 5. Mas há mais: no plano da política económica, Macron é a dupla penalização: o socialismo em grande e o liberalismo em roda livre. O Estado local hipertrofiado totalmente ao serviço da mundialização, ou seja, da separação dos pobres e dos ricos à escala planetária, tal como já se verificou à escala urbana e entre as cidades e os campos. Os obstáculos estatais por toda a parte, obsessivos, ao serviço da libertação das forças do mercado, ou seja da ganância descomplexada. O pior da burguesia, o pior da burocracia. O francês contemporâneo deve habituar-se a ter dois mestres: a inquisição da ganância e a inquisição administrativa. Como nem todos podem ter um percurso de inspetor das finanças, a elite indica quem pode ter uma carreira de duplo inquisidor, muito poucos são os que ganharão neste mundo. Garantimos que dos 250.000 caminhantes de que se revindica o movimento de Emmanuel Macron, pouco mais de mil verão o seu futuro brilhar. Aos olhos dos franceses, Macron pode, em seis meses, parecer um uber janota no meio de uma corter de gastrópodes liberticidas, servidores do espírito plutocrático.

 

A ingenuidade restauradora da FN

Lição número 6. Não é por se ter tornado mais ou menos normal que a FN se tornou inteligente. A sua função era transformar a cólera e a maldade irrefletidas em proposta política para lutar contra as suas próprias raízes: a ignorância, a ociosidade sem recursos para tal, o sentimento de ter sido abandonado pelos dirigentes políticos da comunidade nacional, o orgulho ferido, a humilhação de ter sido excluído, a angústia do desenraizamento, a mordida do desprezo. A FN tem razão ao afirmar que com o apoio de Nicolas Dupont-Aignan se realizou a junção dos republicanos e dos patriotas, que há enormes buracos na rede da raquete republicana e buracos na rede da raquete patriótica. Há buracos na rede da raquete republicana, porque o seu programa é marcado por uma espécie de ingenuidade de restauração – era melhor antes, voltemos então ao anteriormente -, pela preferência para uma pedagogia punitiva, e pela ausência de estratégia global tanto no plano europeu como no plano económico, que quase fazem chorar. A sua conceção da República é a de um coronel de infantaria em 1950. Respeitável, mas a experiência do mundo real e a imaginação verdadeiramente construtiva estão noutros lugares. E há buracos na rede da raquete patriótica, porque, mesmo quando a palavra soberanismo põe de acordo os patriotas e os nacionalistas, a linha de fratura nestas duas sensibilidades persiste, e permanece pesada de equívocos, de querelas, de conflitos. Chamo patriótico ao sentimento de que a pátria deve ser respeitada e amada como o espaço que nos vem do tempo, se assim se pode dizer, em que a comunidade se organizou solidariamente para continuar a sua história; chamo nacionalista ao sentimento de exaltação que nos vem das batalhas, da cultura da guerra, e que nos leva a preferir a França a tudo, incluindo à reflexão e à simpatia. A dificuldade que tem a FN em desembaraçar-se daqueles que se revêem nos tempos de Maurras e que se alimentam na sua raiz belicosa é o sinal infeliz da sua incapacidade de distinguir os dois, e daí tirar as consequências políticas. Vai ser necessário escolher entre a psicologia da guerra e a da paz, quando se fala da França.

Lição número 7. Vivemos numa democracia onde a intimidação era considerada até muito recentemente como uma técnica argumentativa superior à deliberação feita com calma. Escrevo “era”, porque isso acabou, as forças intimidatórias foram de tal forma odiosas que são fortemente rejeitadas. Mas de toda a maneira, à volta de mim coloca-se muito a seguinte questão: “de facto, como se chama a um regime que faz financiar pelos impostos a ingerência a contratempo da autoridade judicial num processo democrático tendente a escolher o executivo, a parcialidade ou mesmo a propaganda dos meios de comunicação social públicos (será necessário julgar isso calmamente, porque o que se tem passado é um escândalo), e a ajuda direta e indireta a uma imprensa controlada por pessoas que têm negócios com o poder?”. Deve haver uma palavra para definir isto…

 

Tive um sonho …

Esperança única. No fundo, tudo vai bem. Mal Macron seja eleito, um movimento intelectual vai explodir: ele virá de todos os que não suportam mais que a grandeza do homem, a dignidade do cidadão e a solidariedade real entre os Franceses sejam espezinhadas e que pensam que a história do nosso país, o nosso espaço político, os nossos recursos de todos os tipos contêm as ideias e os meios que nos permitirão endireitar o país e dar cada um a sua possibilidade e o que lhe é devido, na condição de que o poder permaneça na pátria e que dele seja feita uma utilização sábia, inteligente, empenhada, imaginativa. E sobretudo: pensado por nós, pensado para nós e para todos os que nele se reconhecessem em todo o mundo. Emmanuel Macron será um bom ponto de referência para este movimento, um pouco como uma espécie de um amargo sinistro que os marinheiros deixam ao largo, o mais longe possível. Vamos-lhe cair em cima, democraticamente, mas de braços bem apertados, todos em conjunto. Vamos fazer a festa aos cyber-janotas e às mulheres-turbo. Vamos desmontar o seu pequeno hub, parafuso a parafuso. Será a França contra os robôs, enfim! Emmanuel Macron, obrigado, antecipadamente por este momento

Texto original em:

http://www.causeur.fr/presidentielle-election-macron-victoire-44099.html

 

 

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