CONTOS & CRÓNICAS – CARLOS REIS – OS ARTIGOS IMPUBLICÁVEIS – CARTA ABERTA E AMBIDEXTRA À ESQUERDA E À DIREITA, DE QUE SOU RODEADO

 

 

Há um mistério (e uma perplexidade) na actual Esquerda portuguesa. Sobretudo naquela mais vigorosa, naquela mais ortodoxa, mais herdeira e mais saudosa daqueles tempos dos cartazes pró-soviéticos mal impressos e mal coloridos, cheios de operários musculosos, vestidos de vermelho e de bárbara pujança, bandeiras cheias de foices e martelos a condizer e também umas operárias, ainda de pior aspecto e muito pouco femininas, numa aparência afinal idealmente rústico-campesina.

E há um mistério, porque passados todos estes anos do fim da URSS e de todo aquele sonho acalentado por alguns desde os bancos escolares como que se de uma espécie de Catequese se tratasse  –  as realidades, as propensões da Esquerda e a evolução das mentes são mesmo uma enorme confusão.

Hoje, dia 29 de Maio de 2017, 2ª Feira.

Reparem.

O Trump e o Macron, por exemplo, a Direita mais vigente, reaccionária e actualizada no Poder e no momento – sim e também (e sobretudo) para vocês, seus reaccionários portugas do PSD e CDS, por mais que disfarcem e “se queixem” do Trump e da Le Pen, vocês que sempre alinharam com ideias semelhantes, seus medrosos e merdosos tímidos de Direita, agora um  pouco ultrapassados por aqueles mafiosos oficiais – estes actuais expoentes, singela e maioritariamente eleitos pelos respectivos povos, dão-se com o Putin. Encontram-se, beijam-se e afagam-se, mesmo que discretamente, mesmo quase que às escondidas, prometem-se fidelidade, amor eterno, comunhão de bens.

E é aqui que a tal Esquerda ortodoxa, exangue e perplexa, funérea e combalida, não sabe o que fazer. De como agir. Do que dizer.

Não para os seus próceres, os seus adeptos, os seus associados, não para esses. Para esses o discurso é infalível, eles não pensam, têm lá tempo ou discernimento para isso (pelo menos por enquanto) e masturbam-se como sempre, pcp! pcp! pcp!, em manifestações agendadas com o seu Secretário Geral, com a encenação do costume, o texto do costume, os encores do costume, as palmas do costume, os tintos e as febras do costume.

Estas contradições são terríveis, dolorosas e incómodas  –  a Esquerda oficial continua sempre a defender o Putin, a disfarçar a Coreia do Norte e a fingir que a China não é bem assim. Para não falar de Angola e do actual MPLA. E é que não fala mesmo.

Ma zopior não é apenas isto, não é só esta triste e pobre realidade. O pior é que há outras Esquerdas. Que até ultrapassaram, nas últimas nacionais eleições, esta, a de serviço há decénios  –  única, ofegante e gasta, sem discurso inovador nem ideias práticas. E o facto desta Esquerda ortodoxa, antiquada e basto reaccionária (mulherio e homossexuais em lugares cimeiros, é uma coisa tabu nem se discute, credo) não conseguir agregar mais militantes e (antes pelo contrário) perdê-los, em detrimento da outra  – devia preocupá-los, obrigá-los a pensar, a arrepiar algum caminho. Sob pena de desaparecerem, como desapareceram todas as suas congéneres europeias.

E ficarem apenas as tristemente célebres, sinistras e inconcebíveis ditaduras da Coreia do Norte e da China. Aquela corja de fascistas ditatoriais de um outro continente.

E eu tenho pena. Que um Partido que sempre respeitei, que tão importante e corajoso foi, na maldosa, ignorante e merdosa realidade político-popular portuguesa  –  acabe assim, servido de e por convictos, ignorantes, teimosos e mal esclarecidos dirigentes e militantes.

Carlos

4 Comments

  1. Amigo Carlos
    Partilho muitas das suas reflexões, mas gostaria de ir um pouco mais longe do que ficar apenas neste muro das lamentações. Se é verdade o que constata, e eu tb, então é preciso ir ao fundo da questão. Creio que a arrogâcia demonstrada pelos camaradas face à realidade objectiva radica na ideia falsa de que o arsenal marxista pôs fim à pesquisa e à dúvida, a ponto de ser preferível, pensam eles, criar uma outra realidade, já que a verdadeira não se ajusta aos seus desejos. Claro que as pessoas ou organizações são livres de criarem as “realidades” que quiserem, mas, cedo ou tarde, os factos se encarregarão de demonstrar as falácias que alguns iluminados insistem em declarar. A meu ver, a primeira missão do revolucionário é tentar compreender os factos. Para isso é preciso muita humildade. Já dizia Lenine: “Só a realidade dos factos é verdadeiramente revolucionária”. Então, quem se afasta dos factos tb se afasta da revolução. Não é possível alterar a realidade se se parte do desconhecimento e do distanciamento dessa mesma realidade.
    Abraço

    1. Tem toda a razão, meu caro José Oliveira. Compreender as realidades, não insistir nos dogmas, tentar ser-se honesto – tudo aquilo que a Igreja, por exemplo, não consegue (ou não quer) e pelos vistos o actual Partido Comunista também.
      Com o respeito (como afirmei) que o Partido me merece – coisa que não me é possível estender à tal Igreja.
      Mas a minha “missão” é, por enquanto, outra: é rir – enquanto possível – é ironizar o mais possível. Uma possibilidade que ainda tenho e agradeço também ao 25 de Abril.

      abraço
      Carlos

    1. Não tenho solução, meu caro Pão-Mole. Eu apenas expus as minhas perplexidades, a juntar a tantos noutros portugueses de Esquerda não militantes do Partido. Talvez a tenham então, à solução?
      Assim espero.

      Carlos

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