2. No dia 22 Fevereiro de 1984, Yves Montand grita: “Viva a Crise!” – 2ª Parte

Os socialistas franceses têm mais de 30 anos de avanço sobre a Troika a defenderem as políticas de austeridade.

Crónica sobre os anos 80, sobre “Viva a Crise! “ – Texto 2 – 2ª Parte


(David Doucet et Vincent Glad, 27/02/2014)

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A política da oferta de François Hollande, 30 anos antes

Viva a crise liga falsas reportagens, por vezes visionárias (um incumprimento de pagamentos do México provoca uma falência dos bancos americanos e uma crise mundial), às vezes totalmente absurdas.

A palma “do Groland de direita” deve ser concedida a esta reportagem sobre uma pequena cidade francesa que decide contratar para os seus serviços uma centena de assalariados despedidos de uma fábrica local. Os novos funcionários aborrecem-se de morte por falta de trabalho, e os impostos locais disparam. Resultado: atingida pelos impostos, a empresa despede os poucos empregados que ainda lhe restavam. Fim desta fábula antissocialista.

Yves Montand retoma a palavra, e defende 30 anos antes do tempo a política da oferta de François Hollande:

“E se esta fábula fosse uma história verdadeira? Não falemos mais de pequenas cidades, falemos da Europa: desde há 10 anos, a parte do rendimento de que o Estado se apropria sob a forma de impostos e contribuições sociais atinge quase 50%. Este dinheiro serve em grande parte para financiar os salários da função pública mas este dinheiro faz falta às empresas.”

2014, regresso à Idade Média

Em 1984, 2014 parece bem longe ainda, e aparece como uma distopia tão inquietante quanto a de 1984 de Orwell.

O historiador Henri Amouroux lança-se numa reportagem de política-ficção sobre os 30 anos seguintes, até “ao ano 2014”, sobre um pano de fundo de efeitos futuristas que nem sequer estão à altura de um bom futurologista como, por exemplo, os irmãos Bogdanoff:

“No início, apesar das greves, apesar dos encerramentos de empresa, habituávamo-nos mais ou menos mal, pensava-se que era apenas um mau momento a passar. Mas a falência dos sistemas de proteção social ia ser sentida duramente: mais subsídios às famílias, mais medicina gratuita, mais reformas garantidas. Em 1990, devemos viver como viviam os nossos avós, ou seja sem nenhuma rede de apoio. O Estado aumenta incessantemente os impostos, o desemprego aumenta e nas grandes cidades dispara a insegurança. Criam-se por todo o lado milícias privadas, assiste-se a um verdadeiro recuo económico e social, um retorno à Idade Média […] a democracia é posta em dificuldade. Chegados aqui, começam então aqui os verdadeiros anos negros para os Franceses.”

No seu sofá, a França treme. Mas no meio da emissão aparece no ecrã um cartaz que dizia tranquilizando-nos: “A crise? Viva a crise!”. Yves Montand meteu-nos medo mas é para entusiasmar mais para o sobressalto:

“No fim da Idade Média – houve também uma crise terrível que deu origem ao Renascimento. O fim do Antigo Regime, foi um desmoronamento tremendo e sangrento e dele surgiu a democracia. A revolução industrial, foi uma tragédia para milhões de pessoas e dela saiu a nossa posteridade. E amanhã, o que é que se vai passar?”

O Steve Jobs de Vendeia

Duas propostas de saída de crise são esboçadas.

Primeira ideia: “todos a meio tempo!”. Uma reportagem-ficção mostra como uma empresa evitou despedimentos pondo todos os assalariados a meio tempo. Todos estão fortemente satisfeitos: o proprietário salvou a sua empresa, os assalariados ganham menos mas têm mais tempo livre.

A segunda ideia provoca uma risada louca trinta anos mais tarde. Viva a crise! saúda o Steve Jobs dos franceses, “o homem da associação, o homem da tradição e o homem do computador”, um modelo de empresariado para esta França anquilosada. Este homem chama-se… Philippe de Villiers. Uma longa reportagem, desta vez- não se trata de ficção, elogiam-se os méritos do seu sistema de quadrifonia de Puy-du-Fou.

Laurent Joffrin hoje reconhece o desastre: “foi horrível! «Apresentavam-no como um tecnocrata simpático, à frente de uma ONG jovial, enquanto ele era o representante de direita mais católica e mais reacionária de França.»

Philippe Gildas e Bernard Pivot declinam

A escolha de Philippe de Villiers como símbolo do renascimento francês explica-se pela sua proximidade com o economista Michel Albert, “o perito” de Viva a crise!. O seu livro Le Pari français, espécie de Economia para os nulos em tons neoliberais, inspirou o programa:

“A obra tinha sido um best-seller, justifica Guillebaud. Venderam-se 110.000 exemplares. Era a primeira vez que um economista explicava a crise mundial aos Franceses em termos muito simples. Por conseguinte decidiu-se fazer uma adaptação imaginativa.”

Mas Michel Albert não podia apresentar um texto destes em horário nobre em Antenne 2. Era necessário uma figura mais mediática. Uma verdadeira galera para Pascale Breugnot: pensou-se em Philippe Gildas e Bernard Pivot mas estes declinam polidamente o convite.

Durante o verão de 1983, Guillebaud e Breugnot jantam como duas almas aflitas em Moissonnier, famoso restaurante leonês do Vº bairro.. “Estávamos em grande dificuldade, não sabíamos mais para onde nos virarmos. ”, conta Guillebaud. Entre a fruta e o queijo, este último lançou em tom de gracejo:

“E porque não Yves Montand?”

“É impossível! Vai pedir-nos uma fortuna”, responde Breugnot.

Montand agradecido

Mas para surpresa geral, o intérprete de Bella Ciao aceita representar o papel de pedagogo neoliberal:

“Depois de ter militado muito à esquerda, Montand tinha virado as costas aos seus primeiros amores, explica Pascale Breugnot. Estava um pouco desencantado. Considerava que a forma como as coisas tinham evoluído na URSS tinha mostrado o malogro do socialismo e o interesse, depois, de se virar para novas trajetórias como o liberalismo.”

“ Este fez ler o cenário ao seu amigo Bernard Kouchner que lhe tinha dito: “É perfeito, aceita ”, conta, pelo seu lado, Guillebaud. “Então aceitou apresentar a emissão sem se fazer pagar.”

O Reagan francês

A emissão aproveitará do ruído em torno da possível candidatura de Yves Montand às presidenciais de 1988.

 “Na época, toda a gente pensava que Yves Montand seria candidato à eleição presidencial. Era um rumor que corria e que nunca tinha sido desmentido, recorda-nos Laurent Joffrin. Montand tinha-se persuadido de que se Ronald Reagan tinha conseguido ser eleito presidente dos Estados Unidos, ele também tinha as suas possibilidades. Vários dos seus amigos (Bernard Kouchner, André Glucksmann) levavam-no aliás a acreditar nisso.”

Aos olhos do grande público, mais do que uma emissão de economia, Viva a crise! tornou-se então uma espécie de batismo do fogo político para o ator.

 “É verdade que nos aproveitámos desta ambiguidade, reconhece Pascale Breugnot. Esta emissão conferiu a Yves Montand uma legitimidade política que não tinha ainda. O cenário de uma eventual candidatura à eleição presidencial começava a tomar forma.”

Da mesma maneira que Coluche, Montand acaba por lançar a toalha ao chão.

Com Viva a crise!, a viragem para a política de rigor de Mitterrand tinha encontrado em Yves Montand a sua figura paternal, pedagógica mas intransigente. Trinta anos mais tarde, a viragem social-liberal de François Hollande tem falta claramente de uma encarnação. Quem será o seu Yves Montand?


Texto original aqui

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1 Comment

  1. De saber cantar e bem para “fala barato” vai uma diferença que só um burro não compreende. Inaceitável dar-se visibilidade a quem nunca deu provas que o justifiquem.CLV

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