FRATERNIZAR – Mas haverá mulheres que queiram ser sacerdotes? – DA INDIGNIDADE DE SE SER CRISTÃO! – por MÁRIO DE OLIVEIRA

 

Nas suas crónicas semanais ao domingo no PÚBLICO, o meu amigo Frei Bento Domingues, volta e meia, regressa ao tema do sacerdócio das mulheres. Até parece que pelo menos algumas das muitas mulheres que, ao longo da sua vida de frade dominicano, têm privado com ele, querem realmente ser sacerdotes. Se for este o caso – e tudo leva a crer que sim – haveria de se lhes dizer o que Jesus, o dos Sinópticos, diz aos dois irmãos, Tiago e João, do grupo dos Doze, sedentos e famintos como os outros dez, dos primeiros lugares na pirâmide do poder, “Não sabeis o que pedis”. E porquê? Se há seres humanos que, depois de 2 mil anos de cristianismo, mais razões têm para fugir do sacerdócio e dos sacerdotes, e até do próprio cristianismo, na versão católica romana e nas versões protestantes, são precisamente as mulheres.

Elas, melhor do que ninguém conhecem na própria carne toda a indignidade que é ser-se cristão. E ser-se sacerdote, pior se celibatário por força de uma lei eclesiástica. Porque todas, todos nascemos de mulheres e, para elas, há-de ser uma dor insuportável e intolerável ver filhos delas transformados depois em mercenários ao serviço de todo o tipo de empresas transnacionais laicas e religiosas como são também todas as igrejas cristãs e todas as religiões; em vez de os verem crescer de dentro para fora em humano religados, como os dedos das nossas mãos e dos nossos pés, uns aos outros, uns com os outros e todos com o cosmos.

Quando Jesus, o do Evangelho de João, fala aos Nicodemos de todos os tempos e culturas, também aos deste início do terceiro milénio, da necessidade de nascermos de novo, do Vento, do Sopro-Ruah, não está a convidar-nos a receber o baptismo de água que as igrejas cristãs, inimigas dele, inventaram, a coberto do seu nome, depois de o terem convertido num mito chamado Cristo, o filho de David, e de o imporem a ferro e fogo aos povos aonde chegam com a Cruz e a Bíblia, mais o sofisticadíssimo armamento dos Estados, todos cúmplices delas, nomeadamente, das suas hierarquias, as mesmas que lhes dão cobertura a eles perante os respectivos povos.

Está a falar, sim, da necessidade de nascermos da Liberdade que, como o Vento, ninguém, nomeadamente do Poder, sabe de onde vem nem para onde vai. Ainda que ele facilmente perceba que o Vento-Liberdade é a única força feita fragilidade humana desarmada, que o pode derrubar. Para que, no lugar dele, ganhe, finalmente, corpo uma sociedade outra, de irmãs, irmãos, religados maieuticamente uns aos outros e ao cosmos, ao modo dos vasos comunicantes.

É preciso que se saiba que o sacerdócio é a profissão mais antiga do mundo que traz associada a ela a prostituição sagrada. A própria designação – sacerdócio, sacerdotes – remete para um núcleo restrito de chico-espertos que, em cada tempo e lugar, se têm na conta de sagrados. Desconhecem que a simples existência de pessoas sagradas, lugares, espaços e objectos sagrados, é o que há de mais perverso sobre a terra. Porque a condição dos seres humanos e de todo o universo é o profano, nunca o sagrado. Só no profano, somos, respiramos, existimos. Declarar sagrado alguém e/ou algum lugar, espaço, objecto, é criar ídolos (= ilusões) e fomentar a idolatria, por isso, roubar aos seres humanos a sua condição de protagonistas na história, sujeitos responsáveis por si mesmos, uns pelos outros e pelo cosmos e condená-los à condição de súbditos numa terra que, necessariamente, nos aparece cada vez mais como estranha, quando, originalmente, é o nosso útero e a nossa casa comum.

Até acontecer Jesus, o filho de Maria, no ser-viver dos seres humanos e dos povos, edificamos sociedades sobre o sagrado e o culto do sagrado. Temo-las como intrinsecamente boas. São intrinsecamente más. Basta vermos que todas afirmam o sagrado e matam o profano. Afirmam as deusas, os deuses, lá em cima, fomentam a religação para cima com elas, com eles e, assim, negam os seres humanos, os povos. Valorizam o divino e reduzem os seres humanos a seus adoradores, vermes rastejantes. Sempre que acontece Jesus, o filho de Maria, não do Poder, do deus omnipotente, omnisciente, omnipresente, o Terror e a fonte do Terrorismo, no ser-viver dos seres humanos e dos povos, logo vemos que até Deus que nunca ninguém viu é profano, humano, e se dá a conhecer no humano, não no Poder nem nos seus agentes históricos. A Revolução é total. Antropológica-Teológica. Com sabor a Nova Criação. A novo big-bang. A Novo Começo.

Temos de meter ao fundo dois mil anos de cristianismo e o próprio cristianismo. Neste terceiro milénio, toda a primazia tem de ser do Humano, dos seres humanos, dos povos, maieuticamente religados. Todas as chamadas civilizações edificadas sobre o sagrado, em vez de sobre o profano, sobre o divino, em vez de sobre o humano são o que há de mais perverso. Basta atentarmos aonde nos trouxeram. A um beco sem saída. Pelo que mudar é preciso. Nascer de novo, do Vento-Liberdade é preciso. Religarmo-nos uns aos outros e ao cosmos, é preciso. Já as deusas, os deuses, os santuários, os lugares sagrados não são precisos. Roubam-nos tudo, até a alma. Só a Liberdade e o Profano são via de salvação dos povos e do planeta Terra. Ousemos abri-la e percorrê-la, cada dia um pouco mais.

Nota do Editor:

Como habitualmente, JF pára nos meses de Julho e Agosto. Contamos regressar no início de Setembro.

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3 Comments

  1. Apesar de um discurso sempre contundente ,não deixo de ler os seus artigos . Não sou a favor das mulheres sacerdotes nem tão pouco a favor do celibato dos padres . A Frei Bento aplico esta expressão rude :engana me que eu gosto”…creio que pretende apenas projectar se num determinado circulo cultural . Maria

  2. Mulheres no sacerdócio? Sou a favor! Vejo o sacerdócio tão somente como uma profissão.
    Se há mulheres taxistas, trabalhadoras da construção civil, maquinistas de comboios, pilotos de aviões de longo curso, estivadoras, entre outras profissões que teoricamente se destinam a homens, porquê esta birra da igreja católica em não as querer no sacerdócio? Só eles é que podem ter dinheiro e poder? Sim, porque essa profissão, pouco ou nada pagante de impostos, é uma verdadeira mina de ouro para eles. Não é por acaso que dois ou três anos após serem ordenados sacerdotes se vêem rapazitos de vinte e poucos anos em carrões e motonas de alta cilindrada, proprietários de bons, modernos e bem mobilados apartamentos (quando não são vivendas), trajados à civil com roupas e calçado das melhores marcas no mercado e fazendo viagens de luxo a que chamam “peregrinações”. Quem duvida consulte as páginas de facebook e outras redes sociais desses meninos-padres, porque eles publicam lá tudo e gabam-se das façanhas. Muitas vezes até publicam fotos acompanhados pelos respetivos bispos, talvez para que se perceba que os seus feitos têm aprovação superior.
    Sendo assim, e porque se trata de uma PROFISSÃO, numa sociedade democrática não vejo razão plausível para que a mesma esteja vedada às mulheres. Até porque noutras confissões religiosas de origem cristã as mulheres podem ser sacerdotes e até bispos.
    Será que este impedimento por parte da igreja católica se deve ao facto de terem medo que as mulheres levassem os votos a sério e acabassem com as poucas vergonhas que se têm sabido e visto?

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