HOMENAGEM A MEDINA CARREIRA – por LUÍS ROCHA

(1930 – 2017)

Conheci o Dr. Medina Carreira em 1980. O nosso relacionamento foi determinado por razões meramente profissionais, na minha função como responsável pela área administrativa e financeira de uma empresa de capital misto (Portugal/Espanha).

Um dos administradores da empresa (o representante do capital estrangeiro) entendeu por bem que a empresa deveria ter como consultor fiscal um dos melhores especialistas portugueses. A escolha recaiu no Dr. Medina Carreira, que já era amigo do administrador português e a partir daí o representante de Espanha, passou também a ter laços de amizade com ele ao ponto de ter estado em sua casa em Barcelona, para tratamento a um descolamento da retina na Clinica do Dr. Barraquer.

A cordialidade e simplicidade com que sempre me recebia definia o seu carácter, de tratar os outros como seus semelhantes, independentemente das suas qualificações. Ouvia atentamente os assuntos que lhe apresentava, pedia a minha opinião e, de acordo com o pragmatismo que o caracterizava, aconselhava de imediato o que entendia ou então, dizia que ia estudar melhor o assunto e depois emitiria o seu parecer. Em seguida falava-me das análises que entretanto ia fazendo sobre a vida económica e financeira do país e ouvia a minha opinião sobre as suas conclusões. Já na altura as previsões que fazia foram as que bastantes anos depois se vieram a verificar.

No âmbito profissional da sua assessoria posso afirmar que, nos casos que surgiram com as entidades fiscais, todos os seus pareceres foram favoráveis à empresa.

A última vez que estive com ele foi numa homenagem a Francisco Lyon de Castro, celebrada na Fundação Mário Soares. Quando chegámos, a sala já estava cheia e ficámos à porta do auditório. Estava também junto de nós o Coronel Vasco Lourenço, que ambos conhecíamos. Presidia à homenagem o Dr. Mário Soares que após uma das intervenções veio à porta para levar (contrariado) o Vasco Lourenço, para a mesa da Presidência, com o argumento de que era esse o lugar para um capitão de Abril.

Mário Soares viu o Dr. Medina Carreira mas nem sequer se cumprimentaram. O Dr. Medina Carreira comentou de imediato comigo que ainda bem que ele não o tinha convidado para ir para dentro da sala, pois negar-se-ia. Comentou ainda que estava na homenagem à pessoa e não estava interessado no “beberete” que se seguiria, dada a constituição da assembleia presente. Terminadas as intervenções, ambos saímos e ficámos depois um tempo a conversar.

Esta era a forma de estar de um homem independente e livre. Em meu nome e do Carlos Loures que também o conheceu, as minhas condolências à família.

Segue-se uma síntese de notícias recolhidas em diversos órgãos de comunicação:

Morreu Medina Carreira aos 86 anos

Nascido em Bissau em 14 de Dezembro de 1930, Medina Carreira aprendeu a ler e a escrever aos quatro anos, com o pai, que lhe ensinou também “o rigor no dinheiro” e a assumir responsabilidades desde muito cedo.

Em entrevista ao Jornal de Negócios em 2009, Medina Carreira recordou que ser ministro das Finanças era “um lugar melindroso”, porque “todos os dias se negava dinheiro às pessoas. É um lugar de combate e de grande antipatia nas decisões”.

“Não era uma atração ser ministro das Finanças. Num país rico e próspero, deve ser agradável”, disse, o que não era de todo o caso de Portugal naquela altura e foram as divergências em relação às opções político-partidárias que o levaram a demitir-se no II Governo do PS, partido de que era militante desde 1973. Deixou o PS em 1978 por não concordar com a orientação da política económica do partido.

Dos vários cargos que desempenhou ao longo da vida, o mais marcante foi o de ministro das Finanças no I Governo Constitucional liderado por Mário Soares entre Junho de 1976 e Janeiro de 1978.

Nos últimos anos, Medina Carreira fazia-se acompanhar – nas participações em debates e televisivas – com estatísticas e gráficos que atestavam o galopar dos gastos públicos e da dívida de Portugal, criticando opções dos sucessivos governos.

Medina Carreira tem ainda obra publicada, nomeadamente na área da fiscalidade.

1 Comment

  1. Neste como em outros textos sobre o ex-ministro das finanças, nunca é mencionado o seu pensamento-base de acérrimo defensor do capitalismo selvagem e de todos os processos pelos quais o monstro tentacular se vem apossando de tudo o que é público (nosso, portanto). Só ouço elogios à pessoa, mas ninguém refere este ponto. Porque será? Parece que têm medo…
    Mesmo nos casos raros onde se faz referência à sua crítica sobre o aumento da despesa (os célebres gráficos), ponto recorrente da sua argumentação televisiva, nunca se constata que o grosso desse aumento se deve, não ao propalado despesismo das famílias, mas ao resgate dos bancos privados.
    Em termos de elogios ao defunto, penso estarmos conversados.
    Não esbanjámos……Não pagamos!!!!!!!!!!

Leave a Reply