13. A semana onde a esquerda virou à direita – PARTE III

A França não exclui sair do sistema monetário europeu”, coloca em título o jornal diário. O país é assim “ tentado, como o desejam abertamente alguns, a praticar ainda mais uma política a contracorrente, passando por um desenvolvimento económico mais autocentrado, – apoio da procura interna – pronto a tomar medidas temporárias de salvaguarda para proteger o seu mercado.

Os socialistas franceses têm mais de 30 anos de avanço sobre a Troika a defenderem as políticas de austeridade.

Crónica sobre os anos 80, sobre “Viva a Crise! “ – Texto 13 – Parte III

(Por François Ruffin, Abril de 2013)

REGA_NOTAS

19 Março 1983 – O bluff

Em Bruxelas, reúnem-se os ministros das Finanças, sob elevada tensão, e Le Monde diz-nos com preocupação: “A França não exclui sair do sistema monetário europeu”, coloca em título o jornal diário. O país é assim “ tentado, como o desejam abertamente alguns, a praticar ainda mais uma política a contracorrente, passando por um desenvolvimento económico mais autocentrado, – apoio da procura interna – pronto a tomar medidas temporárias de salvaguarda para proteger o seu mercado. A parada é considerável. ” Jacques Delors ameaça, de facto: “Venho a esta reunião um pouco triste, pensando que se nada evolui a França irá deixar o Sistema Monetário Europeu no fim desta reunião. A reunião de hoje. Bati-me durante toda esta semana pela Europa, como o tenho feito desde há muito tempo, mas face a pessoas arrogantes e incompreensivas, que querem que eu faça? ” É bluff, essencialmente bluff. Destinado à opinião francesa. Será suficiente um gesto dos Alemães, à margem, uma minidesvalorização, e aceitar-se-á acertar o passo, fingindo sair com a cabeça elevada.

 20 Março 1983 – O vencedor

O cenário esperado produz-se: o franco e a lira são desvalorizados aos mínimos, 2,5 %, o marco reavaliado 5,5 %, a França não sai do SME, e Jacques Delors pode aplaudir, feliz: “É um bom acordo. Tem em conta as forças comerciais dos diferentes países.” Finalmente, Delors ganhou. Não contra os Alemães, mas contra a ala esquerda do PS, contra os partidários “de outra política”, no fim de uma longa batalha. Ainda mal Mitterrand tinha sido eleito, em 1981, Jacques Delors convidava já à “defesa da moeda: O rigor, é fazer em função das margens de jogo da economia e da herança que nos deixaram. Eis pois os princípios que nos irão servir de guia“ Em (25/05/81), elaborava um elogio ao liberal Raymond Barre: “O precedente Primeiro-ministro permaneceu cinquenta e seis meses no poder, e apesar de uma política coerente, corajosa, não pôde alterar a taxa de inflação francesa” (30/05/81), e Delors fixava então estranhos objetivos à esquerda: “Queremos que a França possa dar o seu contributo para o aumento das trocas comerciais e financeiras e que possa-se dizer dentro de três a quatro anos, que a França é um bom trabalhador da comunidade internacional” (30/05/81). No Outono de  1981, opunha-se ao orçamento do seu ministro delegado, reclamava que 25 mil milhões de despesas fossem suprimidos, obtinha o gelo de 15 mil milhões, e desejava nessa sequência “uma pausa no anúncio das reformas” (29/11/81)

Nesse domingo Delors venceu.

Os seus opositores atiram a toalha ao chão. Michel Jobert (gaullista de esquerda) imediatamente anunciou a sua demissão, preparando Jean-Pierre Chevènement a sua.

23 Março 1983 – Abandonos

François Mitterrand intervém na televisão:

“Não quisemos e não queremos isolar a França da Comunidade europeia… É tempo de parar a máquina infernal. Combater a inflação, é salvar a moeda e o poder de compra. Aí está porque é que irei lutar, e o governo comigo, contra este mal, e mobilizarei o país para este fim. […] E acontece o mesmo com o outro mal que nos corrói : o défice insuportável do nosso comércio externo e a dívida que daí decorre. O vosso papel é decisivo. Por toda a parte onde se fabrica e por toda a parte onde se cria, por toda a parte onde se compra, por toda a parte onde se troca, na vossa maneira de viver, de consumir e mesmo de viajar, devemos preferir, a qualidade igual, as produções francesas. O esforço pedido a todos deverá ser repartido equitativamente de modo a que cada um contribua à medida dos seus meios.”

A viragem é ainda discreta, o discurso “moderno” é um pouco tímido. Mas neste dia, a esquerda abandona dois instrumentos económicos essenciais:

 — a soberania monetária: a França renuncia a desvalorizar ou reavaliar a sua moeda de acordo com as suas necessidades, ligando-se ao marco forte;

 — a soberania comercial: a França proíbe-se de utilizar qualquer protecionismo, substituindo uma medida política, as taxas nas fronteiras, pela boa vontade do consumidor convidado à comprar francês, suprema conversa fiada.

E como é que o desemprego será combatido? “Pela formação dos jovens”, que será o refrão do PS durante vinte anos, o disfarce da abdicação. É dizer que se abandona este combate, julgado menos prioritário que “a luta contra a inflação”, ou “o défice da Segurança social”.

Le Monde congratula-se: François Mitterrand “tinha escolhido permanecer no sistema monetário comunitário e tinha optado pela Europa, rejeitando a tentação do protecionismo e do isolacionismo económico de caráter nacionalista que numerosos ministros aprovavam. Transformou o ensaio e tirou as consequências lógicas de sua escolha, dando a prioridade ao rigor, mas em flexibilidade e num contexto “razoável”.”

 

(A quarta parte deste texto será publicada amanhã, 16/07/2017, 22h)


Texto original aqui

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