CARMEN DOLORES – UM FIM DE TARDE SUBLIME! – por ANTÓNIO GOMES MARQUES

 

 

Quando nos sentimos completamente envolvidos pela emoção devemos ter cuidado com o que escrevemos e, no que nos leva a escrever mais um texto, sinto que estou profundamente emocionado, mesmo depois de passadas algumas boas horas sobre o acontecimento ocorrido ontem, 17 de Julho, na Sala Vermelha, completamente cheia, do Teatro Aberto: o lançamento do novo livro de Memórias de uma das Grandes Senhoras do Teatro Português que é Carmen Dolores, com o título «Vozes Dentro de Mim».

 

Para não pecar pelo exagero, fui ao Dicionário Houaiss —o que agora tenho à mão— ver qual o significado do adjectivo «sublime», que uso no título, e vejam o que encontrei: «que apresenta inexcedível perfeição material, moral ou intelectual; elevado, augusto 1 superlativamente belo, esteticamente perfeito; grandioso, soberbo, extraordinário (…)», não encontrando eu qualquer exagero na utilização do termo no título deste texto.

De facto, assistimos não a um vulgar lançamento de um livro, mas a uma sessão que também foi teatral, cheia de verdade, como não poderia deixar de ser dado estarmos em presença de uma figura da cultura portuguesa, como é Carmen Dolores, e uma das mulheres que emparceira com outras grandes figuras femininas portuguesas, como o foram, por exemplo e para não citar outras, Maria Lamas ou Maria de Lourdes Pintassilgo, como bem lembrou Fernando Dacosta na excelente apresentação que fez da obra e, sobretudo, da Carmen.

A sessão começou com João Lourenço, que lembrou ter-se estreado no teatro aos 12 anos com Carmen Dolores, sendo um dos encenadores que mais espectáculos terá realizado com esta extraordinária mulher e actriz, tendo o João aproveitado para nos contar algumas histórias da sua já longa carreira como actor e depois encenador, o que me levou a dizer-lhe, no final da sessão e enquanto esperava pelo autógrafo da Carmen, que ele estava obrigado a escrever essas histórias, as poucas que apresentou relacionadas com a Carmen e as muitas outras que ele viveu —umas que eu conheço por as ter testemunhado e outras que eu sei que ele viveu— que considero importantes para a História do Teatro Português.

Falou de seguida, e bem!, o representante da editora, João Rodrigues, enaltecendo a figura que, verdadeiramente, todos estávamos a homenagear, seguindo-se Fernando Dacosta, que já referimos e que mostrou conhecer bem o percurso de Carmen Dolores, como actriz, declamadora e cidadã.

Por fim, tivemos Carmen Dolores, que nos leu um pequeno texto do seu livro agora lançado e que, maravilhosa surpresa, dialogou com duas actrizes do Teatro Aberto e uma autora, Marta Dias, que tem em cena, na Sala Vermelha, a sua peça «Toda a Cidade Ardia», baseada em poemas de Alice Vieira. A inspiração para este texto-surpresa foi Virgínia Woolf, uma das personagens interpretada por Carmen Dolores que, nota-se, muito a marcou, no espectáculo «Virgínia», texto de Edna O’Brien, com encenação de Carlos Avilez. Nesse diálogo tivemos a oportunidade de ouvir de novo a Carmen a interpretar uma mulher da Nazaré com a inteligência, a sensibilidade, ou melhor, para resumir tudo numa palavra, com o amor que ela sempre colocou nas suas interpretações, recordando a sua «Lianor», na peça «Tá-mar», de Alfredo Cortez, um dos seus autores preferidos, momento que guardarei para sempre na minha memória. E ao lembrar-me que a Carmen declarou, após mais uma das suas grandes interpretações, num dos espectáculos mais premiados do teatro português —«Copenhaga», de Michael Frayn, encenada por João Lourenço, no Teatro Aberto, em que a Carmen teve a companhia de Luís Alberto e Paulo Pires, em duas excelentes interpretações—, que aquele tinha sido o seu último espectáculo, o que todos não poderemos deixar de lamentar, a começar pelo João Lourenço, que não deixou de manifestar o seu profundo desgosto por tal atitude da Grande Senhora do Teatro Português, declarando «Eu que tinha umas cinquenta peças para fazer com a Carmen!», pude agora, de novo, ver a actriz!

A terminar este singelo texto de homenagem a uma das minhas actrizes preferidas e à cidadã exemplar que é a Carmen Dolores, não posso deixar de referir as muitas imagens que a memória me trouxe — e me traz sempre que a encontro — de algumas das suas interpretações, em «O Jardim das Cerejas», de A. Tchekhov (o maior dos maiores!), no «Círculo de Giz Caucasiano», de B. Brecht, nos espectáculos, em que eu ainda não tinha atingido a idade adulta, no mítico Teatro Moderno de Lisboa, — como, por exemplo, na peça de Luiz Francisco Rebello, para recordar um autor português e meu saudoso amigo —, de que a Carmen foi uma das grandes impulsionadoras, com a colaboração preciosa do seu marido, o Eng.º Vítor Veres, gestor de profissão, e do empresário do Cinema Império Eng.º José Gil, e de muitas outras. No entanto, há uma imagem, que jamais olvidarei, que me ficou da sua interpretação de Teresa Carrar, na peça de Bertolt Brecht, estreada em Portugal, no Teatro Casa da Comédia em Lisboa, em 15 de Janeiro de 1975, com o título «As Espingardas da Mãe Carrar», que foi a segunda encenação de João Lourenço, imagem que se refere ao grito sem som, note-se!, da personagem interpretada pela Carmen Dolores e que eu senti em todo o meu ser como sendo o grito mais atordoador que poderia atingir-me. Parece que estou agora mesmo a ver a Carmen (Teresa Carrar) a menos de um metro de mim. Sublime!

 

Portela (de Sacavém), 2017-07-18

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