CONTOS & CRÓNICAS – CARLOS REIS – OS ARTIGOS IMPUBLICÁVEIS – PIRÓMANO SIM, MAS HONRADO

Os portugueses são tão engraçados.

São giros, para dizer a verdade. E originais.

De entre as suas várias e tão populares facetas, pitorescos tiques e cândidas opções e funcionalidades, lembrei-me de uma giríssima e fantasiosa, que é a piromania.

Sim, a piromania. Foi ao ver uma noticiazeca de uma investigaçãozinha levada a cabo por forças policiais, que descobriram uma espécie de empresa que vendia (discreta e humildemente, claro, em discretos e humildes subúrbios de subúrbios) material também ele dito pirotécnico –  aos fãs, digamos assim, também chamados claques de clubes de futebol, uma rapaziada simpática e prenhe de azougada juventude, protegida desde sempre pelos próprios clubes, graças a Deus (e a quem neles acredita, em Deus e nos clubes) e naturalmente pelos Poderes, que sabem como estas coisas incomodam, como dão chatices e levam muita gente importante atrás. Como os futebóis. E o povo, que neles acredita.

Ele há coisas em que nem o mais incorruptível governo pode mexer. Nas dívidas dos clubes, na sua eterna não prestação fiscal, nos seus gastos incomensurreais com jogadores e treinadores, muito menos em terceiros que ganham palettes de massa e são geralmente íntimos dos tais governos.

 

(Não posso provar nada disto, façam portanto de conta que não disse nada).

Mas voltando à piromania. Para lá dos very-lights e outras notáveis manias das infantis, travessas, queridas e protegidas claques, de incendiar o que lhes apetece em campos de futebol, eu suspeito que esta espontânea e espantosa mania, este intuitiva prática, este incontrolável prazer já vem de longe, do fundo dos tempos – da parte de um povo católico por tradição e  pirotécníco por devoção – algo de autêntico, algo de inato.

Refiro-me àquela mania dos foguetes, em festas rijas (porquê rijas? Nunca percebi) compostos de uma cana com uma espécie de pequena bomba caseira amarrada na ponta, que o povão das aldeias sempre gostou de lançar para o ar e que a alturas tantas faz pum!-catrapum!-pum!-pum! – um som irritante, feio e inútil, uma coisa sem gracíssima nenhuma, boçal, alarve e imbecil a mais não poder.

(Há sempre uma festa mais ou menos santa e católica, bifanas, tintóis e música (?)concomitante e correspondente. Acordeons horríveis no passado, música pimba actualmente. Mais fraterna e igual, em qualquer ponto do país).

Desde sempre e da minha, às vezes, infeliz infância, quando por qualquer eventual deslocação familiar me achei perto dessa alarvice, odiei aquela prática e o incompreensível prazer dos campónios – perdoe-se-me este súbito e aparente classismo – com aqueles lançamentos sem nexo.

Não passámos nunca de pirómanos rascas e de mau gosto. Por vezes poder-se-ia pensar que iríamos, alguns de nós, para a NASA, lançar outro tipo de foguetes com outro alcance e significado (sobretudo sem o pum!-catrapum!-pum!-pum!, já que no espaço o som é omisso, graças a Deus) mas não. Continuamos e continuaremos naquilo, mau grado uns incêndios por aqui e por ali ou uns dedos desaparecidos por aqui e acolá.

Os descendentes daquela notável e castiça prática gostam mais de lançar very-lights, sempre é mais emocionante (e consentido, tal como os foguetes de cana) e às vezes até pode haver a sorte de acertar em alguém.

carlos

1 Comment

  1. Já que fez referência à NASA será bom saber que um seu engenheiro-chefe já foi um português que só tinha o curso da velha Escola de Machado de Castro – serralharia – mas cujas aptidões o levaram longe. Não recordo o seu nome mas recordo-me dos seus programas na RTP, exactamente, sobre “náutica” espacial, CLV

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