Autópsia de uma morte já anunciada, a do PSF. I – Macron no Congresso, o rei no seu Parlamento

François Mitterrand: “A luta de  classes não é para mim um objetivo. Procuro que esta deixe de existir!”

Lionel Jospin:  “Eu sou um socialista de inspiração, mas o projeto que proponho ao país  não é um projeto socialista. É uma síntese do que é necessário hoje. Ou seja, é  a modernidade. ”

François Hollande   “Vivi cinco anos de poder relativamente absoluto. (…)  Eu naturalmente impus ao meu campo que, sem nenhuma sombra de dúvida, só iria aprovar as políticas que eu consideraria serem justas.” 


Autópsia de uma morte já anunciada, a do PSF

A farsa acabou. O povo francês, Macron escolheu. Um outro ciclo de tragédia e de  farsa já começou.


Macron no Congresso, o rei no seu Parlamento – Texto I

(Laurent Joffrin, Directeur de edição no jornal Libération — 26 Junho de 2017)

MACRON
Emmanuel Macron aquando das Jornadas Olímpicas em Paris em 24 de Junho.

 

Decididamente, neste velho o país republicano, o monarquismo compensa… Fazendo funcionar ao máximo os mecanismos gaullistas da Quinta República, esta monarquia eletiva, Emmanuel Macron continua a reforçar a sua posição. Ele constitui um governo onde os especialistas sem autonomia política dominam e onde os seus aliados do Modem já não têm nenhum peso pesado reconhecido como tal. Ele fez eleger por unanimidade e de mão levantada o seu amigo e apoiante desde a primeira hora Richard Ferrand como presidente do grupo de En Marche na Assembleia, apesar do caso duvidoso que se levanta contra ele em Brest e com o qual se debate agora. Carvounas, deputado socialista chama a este procedimento, o “método soviético”. O presidente organiza a sua comunicação de maneira imperial, impondo aos media uma palavra rara e cuidadosamente calibrada. Ele põe em cena e com uma arte consumada a sua entronização internacional, controlando cuidadosamente a encenação de suas aparições. Ei-lo agora que encara – era uma proposta de campanha – de se fazer colocar em glória perante as duas câmaras reunidas no Castelo de Versalhes, ao estilo do presidente dos EUA, fazendo anualmente o seu “discurso sobre o estado da União”. Ou antes, tendo em conta o lugar, tal como os monarcas dos tempos antigos pronunciando perante os Parlamentos, um “leito de justiça”, o que também é chamado também de “encontro do rei no Parlamento”, para se anunciar ao reino decisões importantes.

Curiosamente, esta conceção de poder, vertical, unificada, hierática e solene, parece agradar a esta nação tantas vezes rebelde. Aproveitando-se de todas as alavancas à sua disposição – tudo legal e constitucional, e isto deve ser dito, nada de ditadura nisto – o presidente tranquiliza obviamente o país. Pode até mesmo considerar que o pequeno mundo dos media, tão pronto a criticar os poderosos, ratifica, de facto, esse retorno aos fundamentos da Quinta República. Sarkozy e Hollande tinhm experimentado, desde a sua respetiva eleição, o humor combativo da imprensa, um por excesso de desenvoltura na comunicação e o outro pelo excesso de normalidade.

Por outro lado, os primeiros sinais do novo poder, espetaculares à vontade, não mancharam a sua popularidade. Quatro ministros tiveram que renunciar por causa de negócios, um recorde em França nesta fase do quinquénio ; o presidente defende o acolhimento dos refugiados, mas o seu ministro do Interior defende em Calais uma posição estritamente oposta; o ministro da Agricultura anunciou que um pesticida altamente contestado terá direito de cidadania, mas o ministro encarregado das questões ambientais, aprovado pelo Primeiro-Ministro, contradi-lo diretamente. Estes sinais retumbantes deslizam sobre a imagem governamental como sobre as penas um pato.

Noutros tempos, ter-se-ia gritado à cacofonia. Mas desta fez estamos perante uma forma de imunidade macroniana. Os defensores da democracia parlamentar e participativa devem refletir sobre este paradoxo: toda a gente pede um governo cada vez mais aberto e representativo; mas os mesmos consideram o poder não pelos seus métodos mais ou menos democráticos, mas sim pelos seus resultados.

Hipótese: abrindo uma nova fase da vida política, a opinião pública quer no fundo de si-mesma que o novo governo seja bem sucedido. Nestas circunstâncias, aos olhos de muitos franceses, a recuperação que se espera vale bem uma missa em Versalhes. É preocupante para a oposição…

O segundo texto desta série será publicada, amanhã, 04/08/2017, 22h


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