A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL. O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA. UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO [1] – Uma coleção de artigos de Onubre Einz. V – Será a Alemanha o modelo para uma saída da crise através das exportações? Uma análise desmistificadora (parte 2).

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

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V – Será a Alemanha o modelo para uma saída da crise através das exportações? Uma análise desmistificadora (parte 2), por Onubre Einz

 

Publicado por criseusa.blog.lemonde.fr em 23 de maio de 2013

Reedição revista dos artigos publicados em A Viagem dos Argonautas em 7 e 8 de abril de 2015 (https://aviagemdosargonautas.net/2015/04/07/a-alemanha-o-seu-papel-nos-desequilibrios-da-economia-real-o-outro-lado-da-crise-de-que-nao-se-fala-uma-analise-assente-na-divisao-internacional-do-trabalho1-v-sera-a-alemanha-2/  e https://aviagemdosargonautas.net/2015/04/08/a-alemanha-o-seu-papel-nos-desequilibrios-da-economia-real-o-outro-lado-da-crise-de-que-nao-se-fala-uma-analise-assente-na-divisao-internacional-do-trabalho1-v-sera-a-alemanha-3/

(continuação)

B – As performances alemãs por continente

A análise das performances comerciais por subconjuntos geográficos continentais tende a enfraquecer consideravelmente a ideia de que a Alemanha encontrou na exportação um motor alternativo a um crescimento económico europeu em dificuldade.

     1° As performances comerciais por grandes regiões do continente americano.

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A primeira constatação é a de que as exportações para o continente americano tiveram inicialmente um aumento do peso do comércio americano até 2004. Dificilmente se pode ver nisso uma prova do sucesso do modelo alemão, mas antes o resultado de um mau desempenho da economia americana que fez da desindustrialização nacional um dos motores do seu crescimento com o aumento das importações de bens e de capitais. Consideramos que é um sucesso obtido à custa de um ponto fraco, uma economia [dos EUA] em fragilidade.

O recente declínio dos EUA não indica um avanço marcado da América Latina, região emergente se assim se pode dizer. Na região mais dinâmica da América Latina, a América do Sul, as exportações alemãs não conseguiram um sucesso espetacular. Estas exportações tiveram um comportamento variável e tanto assim que tiveram a mesma importância em 2010 que em 1995. As evoluções no comércio com a América do Sul aparecem mal correlacionadas com as reformas de Schroeder.

É uma pena para a Alemanha que o progresso mais notável se tenha verificado com a parte menos dinâmica da América Latina: a América Central. A Alemanha tem muitos produtos para vender aos países emergentes, devido à estrutura de suas exportações, assunto a que voltaremos, mas não há uma correlação sólida e robusta entre a dinâmica das regiões e um forte avanço das exportações alemãs que tirem partido do crescimento económico dos países emergentes. Parece que quanto mais o crescimento de uma região é dinâmico, menos a penetração alemã é elevada. As regiões dinâmicas parecem ser ventres duros para o comércio alemão.

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O exame do saldo da balança comercial confirma e acentua a análise precedente. O saldo da balança comercial é dominado pelo peso crescente da América do Norte (leia-se os Estados Unidos) que não deixou de se afirmar desde os anos 1990 à medida que os défices comerciais americanos aumentavam. O saldo comercial da Alemanha é ou negativo ou ligeiramente positivo com a América do Sul desde os anos 2000. Com a América central é o inverso. A Alemanha não mostra de novo uma real penetração na parte mais dinâmica do continente americano se for tida em conta a sua balança comercial. Reencontra-se pois outra vez, ventre duro e ponto fraco.

É necessário por conseguinte referir que as performances alemãs na América enfraquecem muito a tese de uma Alemanha estar a conseguir ter muitos proveitos nos mercados emergentes. A Alemanha regista resultados mais modestos do que o que parece num continente considerado em crescimento. A tese de uma economia alemã mundializada livrando-se de apuros através do aumento do comércio com as partes dinâmicas do continente americano não resiste à análise. A Alemanha tem com a América um volume de comércio e excedentes tanto mais fortes quanto os seus parceiros renunciam a ser economias produtivas — é o caso dos EUA — ou são pouco dinâmicos — é o caso da América Central. A Alemanha em contrapartida aproveita-se menos das regiões do continente que se distinguem por fortes crescimentos — é o caso da América do Sul.

 

     2° A Ásia.

a) Ásia e Médio Oriente

A tese que acabámos de expor pode parecer exagerada aos olhos dos observadores. Mas não estarão estes antes mal informados pelos meios de comunicação social, pela ideia que estes “vendem” sobre a Alemanha? Esta nossa tese é confirmada pelo comércio da Alemanha com a Ásia.

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Pelo menos até à crise, o comércio da Alemanha com a Ásia mostra a ausência de uma penetração das exportações alemãs na parte mais dinâmica da Ásia (o que exclui o Médio Oriente, a azul). Desde meados dos anos de 1990, a parte mais dinâmica da Ásia (a vermelho) não conhece um nítido progresso das exportações alemãs. É necessário esperar pelo final de 2009 para que as exportações alemãs iniciem uma tímida e incerta afirmação na Ásia propriamente dita. Por Ásia propriamente dita, entenda-se toda a Ásia menos o Médio Oriente.

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O exame da balança comercial põe a nu a miragem de uma Alemanha que brilhantemente teria tido êxito na Ásia. Os números são desanimadores. A Alemanha tem um défice comercial persistente com os países da Ásia propriamente dita. A redução deste défice é consecutiva à redução do ritmo de crescimento na zona euro que se reflete num crescimento alemão enganador. O saldo da balança comercial da Alemanha é somente parcialmente reequilibrado e apenas com o Médio Oriente, região cuja riqueza tem largamente como base a renda petrolífera (mais um ponto fraco). A crise permitiu à Alemanha melhorar a sua balança comercial com a Ásia propriamente dita, beneficiando ao mesmo tempo de uma renovação positiva das suas trocas com o Médio Oriente.

         b) Ásia propriamente dita.

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Na Ásia propriamente dita, a tese que defendemos sobre o comércio alemão na América parece aqui não ser válida. Se a China é a região mais dinâmica da Ásia, isso não impede as exportações alemãs de aí progredirem muito fortemente e de maneira contínua desde o fim dos anos de 1990.

Pelo contrário, a Alemanha tende a ver a parte do Sudeste Asiático a recuar no seu comércio enquanto o Japão — em declínio económico relativo desde há vinte anos — exerce um papel motor cada vez mais fraco desde a viragem para o século XXI.

A situação do comércio alemão parece ser na Ásia totalmente o inverso da que existe com a América.

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Isto é apenas uma aparência. O saldo da balança comercial mostra que a Alemanha só conseguiu excedentes muito irregulares com a parte menos dinâmica da Ásia, o Sudeste Asiático (um ventre meio mole). A contrario, só conseguiu reduzir lentamente os seus défices comerciais com, por um lado, a China e, por outro lado, com o Japão, países que podem ser vistos como ventres duros.

Para a China, esta correção, ainda em curso, deve-se sem dúvida ao abrandamento geral da atividade económica na Europa. Conforme mostra o final de 2012, esta redução do défice comercial é frágil; a correção consecutiva depois da crise pode estar a substituir uma degradação contínua significativa desde 1992.

Para o Japão, a correção está longe de ser concluída, mesmo que ela progrida regularmente.

Do ponto de vista da sua balança comercial, a Alemanha reencontra a sua situação americana. Ela não restabeleceu equilíbrios comerciais com a China, o país mais dinâmico da Ásia, ela não corrigiu os desequilíbrios com o Japão e as suas performances no Sudeste Asiático, região em desenvolvimento, são medíocres.

A imagem da Alemanha a penetrar nos mercados asiáticos sai bastante diminuída com o breve quadro que os dados do Bundesbank nos permitiu obter. No entanto, esta região é o espaço mais dinâmico do crescimento mundial. É aí que o crescimento pelas exportações é concebível. A Alemanha pode traçar a via, mas de forma alguma se pode dizer que esteja realmente no caminho para um sucesso que tudo indica que é bem problemático. A China que se está a transformar num verdadeiro mercado nacional de produção e de consumo poderia lançar-se a (re)conquistar o seu mercado interno, a expulsar os estrangeiros e a cortar as vias de acesso, pela concorrência desenfreada, a todo o resto do mundo. Neste caso, a Alemanha tem tudo a perder e os países europeus que a seguem nada terão a ganhar. É infelizmente isso que se vai passar na próxima década …

(continua)

Texto original “L’Allemagne est-elle le modèle d’une sortie de crise par les exportations : Une analyse démythificatrice” em  http://criseusa.blog.lemonde.fr/page/11/

[1] Título principal da responsabilidade do tradutor.

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