CARTA DO RIO – 170 por Rachel Gutiérrez

Uma Brahmsabend na Sala Cecília Meireles. Uma noite de Brahms! No oásis em que se transformou a querida “Sala” de concertos do Rio de Janeiro, a noite de sábado brindou ao público carioca excelentes execuções de obras do hamburguês mais romântico do século XIX alemão.

O programa começou com duas consagradas pianistas – Linda Maria Bustani e Lilian Barreto – tocando, a quatro mãos, as cinco primeiras Danças Húngaras das 21 compostas por Brahms, entre as quais, as de nº1 e nº5 são as mais populares. Nas 3 primeiras, a interpretação das pianistas me pareceu um pouco mais romântica do que “húngara”, porém, embaladas pela vivacidade dos ritmos captados pelo compositor, chegaram à número 5 de forma impecável. Foram aplaudidíssimas e mereceram vários “Bravos” da plateia acolhedora e entusiástica.

A seguir, deveríamos ter ouvido, por um quarteto vocal, formado por soprano e mezzo soprano, tenor e barítono, as Liebeslieder Walzer op. 52 (que poderíamos livremente chamar de canções de amor em forma de valsa) e que me lembro de ter apreciado há muitos anos, em Viena. Infelizmente, um dos cantores adoeceu e, na última hora, outros músicos precisaram substituí-los. Afinal, nos teatros, como sabemos, a lei que impera é the show must go on.

Posso imaginar a aflição dos musicistas para decidir no último instante, quem iria tocar e que obra, ou obras deveriam escolher!

A resolução talvez não tenha sido a mais correta porque o que nos apresentaram em substituição aos lieder,  foi o Primeiro Movimento da Sonata para Violoncelo e piano, op. 38, nº1, em Mi menor, executada, diga-se de passagem, com maestria pelo pianista Cristian Budu e pelo cellista Joel de Souza; e o Terceiro Movimento de uma das Sonatas para violino e piano, pelo mesmo pianista e a violinista Elisa Fukuda. Mais uma vez, a execução de ambos artistas foi excelente. Foram também  aplaudidíssimos.

Contudo, acredito que grande parte do público teria preferido ou a sonata de cello, ou a de violino, do começo ao fim. Não há dúvida de que a alteração do programa causou estranheza e algum desagrado, mas precisamos reconhecer que não chegou a macular a beleza extraordinária daquela “noitada de Brahms”.

Após o intervalo, tivemos o belíssimo Quinteto para Piano, op. 34, em Fá menor. Mais uma vez o pianista Cristian Budu se apresentou com Elisa Fukuda (violino), Ricardo Takahashi (2º violino), Silvio Catto (viola) e Joel de Souza (violoncelo).

O quinteto é uma das obras de câmara mais difíceis, mas seus quatro movimentos foram brilhantemente executados por esses músicos de primeira linha, que podemos nos orgulhar de ter no Brasil, apesar da falta de incentivo e de divulgação da música clássica em nosso país. Nossos músicos eruditos ou clássicos são verdadeiros heróis, abnegados idealistas. É necessária muita paixão e uma extraordinária perseverança para ser músico num país que não cuida da educação de seu povo. Que não cultua a tradição da boa música, que não promove a Cultura. Não que a música popular, mais difundida seja má ou inferior. Não se trata disso, muito ao contrário. Temos uma incontestável riqueza no campo da música popular, mas essa nem precisa ser divulgada, ou promovida. Essa está em toda parte, nos morros, nas rádios, nos pagodes, no carnaval. O que precisamos é dar ao povo a oportunidade de ouvir também Brahms, Schubert, Debussy, Ravel, os contemporâneos estrangeiros e brasileiros que continuam a dar seu sangue por esse outro tipo de música mais elaborada e complexa, mas igualmente acessível e emocionante. É uma questão de hábito, de educação para tanto. Precisamos de concertos gratuitos, em praça pública, nas praias. Não só de rock se faz o prazer estético musical.

E eu sinto inveja do Uruguai e da Argentina, cuja tradição cultural e o apreço pela música clássica chegam até ao povo, às pessoas mais simples. Já tive, várias vezes, a oportunidade de me informar com garçons ou taxistas de Montevidéu e de Buenos Aires, sobre a programação dos teatros Sodre, e Colon, respectivamente.

E de repente me lembrei de que as praias e os lugares públicos estão cada vez mais perigosos no Rio de Janeiro. O melhor é aproveitarmos, enquanto podemos, os sagrados espaços do Theatro Municipal e da acolhedora Sala Cecília Meireles, ora dirigida pela incansável generosidade do pianista Miguel Proença, meu grande e querido amigo.

Abençoados sejam os músicos, os poetas, os atores, os bailarinos e todos os artistas que nos dão tanta beleza em meio ao “pesadelo da História”.

Desejo, agora, proporcionar aos meus poucos leitores, (com agradecimentos ao Youtube), a íntegra da belíssima Sonata para Violoncelo e Piano op. 38, nº1, de Johannes Brahms, cujo primeiro movimento ouvimos no sábado, aqui, na interpretação de Yo-Yo Ma e Emanuel Ax.

1 Comment

  1. Querida Rachel
    Obrigado pelas belíssimas apreciações escritas de forma admiravel, com tanto conhecimento e paixão
    s s. Palavras incentivam atodos nos a Con
    Tinham neste grande desafio
    Gostaria de convida lá para que fosse uma colaboradora oficial da Sala através de sua enorme Vivência na arte de escrever e apreciar a verdadeira intenção dos músicos que aqui se apresentam
    Parabéns
    Aguardo sua despista
    Abraço afetuoso
    Miguel Proenca
    Diretor da Sala Cecilia Meireles

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