Dos conhecimentos básicos em finança à opacidade e complexidade do mundo financeirizado – Uma exposição e uma análise crítica. Parte I – A finança básica hoje – 15. A importância da separação das atividades bancárias (3ª Parte), por Finance Watch

Jan Brueghel the Younger Satire on Tulip Mania c 1640

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Parte I – O básico na finança de hoje

15. A importância da separação das atividades bancárias (3ª parte).

Fazer prevalecer o interesse geral sobre o interesse dos bancos

logo finance watch Uma publicação de Finance Watch sobre a separação das atividades bancárias, fevereiro de 2014.

Autores: Duncan Lindo e Aline Fares. Tradução do original: Henry Cheynel. Responsável da publicação: Thierry Philipponnat

Parte I texto 15 Agulhagem de linhas ferroviárias Shutterstock
Agulhagem de linhas ferroviárias, Shutterstock.

 

(3ª parte)

B. De que modo é que se deve separar?

A separação das atividades bancárias deve ser implementada antes que ocorra uma nova crise. Entidades separadas devem ter financiamento e governança distintas: estas condições são essenciais para limitar o risco moral e evitar que garantias implícitas incentivem o desenvolvimento de atividades de risco nada úteis para a economia.

 

Ação proposta

As operações de banco comercial que beneficiem de uma garantia pública devem ser isoladas das outras antes que ocorra uma nova crise. Estas operações deveriam ser conduzidas em entidades separadas, com um capital, um financiamento e uma governança bem distintas, uma da outra. As entidades garantidas não deveriam ter a possibilidade de poderem socorrer as entidades envolvidas noutras atividades.

 

Argumentos

A garantia pública implícita e as suas consequências

  • Separar as atividades bancárias quando se está em plena crise bancária não é: i) não praticável e ii) não é suficiente. Dificuldades graves em organismos bancários complexos requerem soluções muito difíceis e muito dispendiosas de pôr em prática. É necessário por conseguinte proceder a uma separação das atividades em antecipação dos períodos de crise.
  • Os «fornecedores» de capitais e os dirigentes dos bancos devem claramente conhecer a natureza e o nível das garantias de que as suas atividades beneficiam ou não.
  • Sem esta informação, as operações de mercado correm o risco de ser conduzidas pressupondo que uma garantia pública virá limpar com uma esponja as perdas eventuais. Desta ausência de informação resulta um financiamento em melhores condições de mercado pela parte dos investidores obrigacionistas nomeadamente, e a crença num investimento sem risco.
  • Tal crença baixa por conseguinte o custo de financiamento das operações de mercado, enviesa o comportamento dos banqueiros, desvia o capital de atividades mais úteis à economia e aumenta o volume das atividades de mercado para além do necessário.

 

Como é que um grupo bancário que assente no princípio da separação atividades deveria estar organizado?

Finance Watch avança o princípio de uma casa mãe não operacional (Não Operational Holding Company, NOHC*) conforme ao que é proposto pela OCDE (ver por exemplo os parágrafos V e VI do relatório « The Elephant in the Room, The Need to Deal with What Banks Do », 2009, http://www.oecd.org/finance/financial-markets/44357464.pdf ).

  • A casa mãe (ou holding): “Em virtude da estrutura proposta, a sociedade mãe deveria ser não operacional. Esta levantaria capital sobre os mercados, reinvesti-lo-ia com toda a transparência, e não manteria relações cruzadas com as suas sucursais operacionais… Obter-se-iam assim entidades juridicamente separadas, com cada uma a ter a sua própria governança” (OCDE, 2009:22). De acordo com este princípio, a ausência de relações cruzadas entre sociedade mãe e sucursais operacionais significa que somente estas últimas têm recurso à dívida, e de maneira independente umas das outras.
  • As sucursais operacionais: o capital de cada uma das filiais seria detido pela sociedade mãe, e os dividendos vertidos à casa mãe permitiriam servir os acionistas desta última. Somente as sucursais operacionais teriam recurso à dívida para financiar as suas atividades. As sucursais de banco comercial por um lado e as do banco de negócios por outro lado contratariam dívida cada uma delas por seu lado. Desta forma, os custos de financiamento do banco comercial e os do banco de negócios seriam distintos, e a garantia pública implícita não viria aligeirar indevidamente os custos de financiamento do banco de negócios.

“Numa estrutura de tipo NOHC, as plataformas tecnológicas e as funções de apoio operacional poderiam ser partilhadas, o que permitiria a realização de sinergias e de economias de escala.” (OECD, 2009:22)

“Uma tal estrutura facilitaria o trabalho dos reguladores e dos atores de mercado, na medida em que a transparência que traria permitiria localizar mais facilmente eventuais fraquezas.” (OECD, 2009:22)

Além do mais, esta estrutura facilitaria a gestão das crises, porque somente  a parte que deveria ser salva com dinheiro público seria então salva Os bancos de investimento em situação de extrema dificuldade  poderiam ou entrar em falência ou prosseguir a sua atividade de maneira independente, em função das  circunstâncias.

 

Os lucros obtidos com as operações de mercado não estão eles a subvencionar o crédito à economia real?

Não subvencionam, e é mesmo a situação inversa que se produz: as atividades de mercado vêem a sua rentabilidade acrescida devido ao apoio público atribuído aos serviços bancários básicos. A separação das atividades faz parte integrante de uma solução mais geral que colocaria o crédito à economia real no centro da estratégia dos bancos. (É necessário efetivamente notar a este respeito que hoje os bancos europeus consagram apenas 28% dos seus ativos aos empréstimos à economia real).

  1. A garantia implícita indevida e no entanto atribuída às atividades de mercado diminui o seu custo de financiamento que rentabiliza assim atividades que não o seriam sem uma tal garantia.
  2. Outros dispositivos regulamentares, como as exigências em capital (ou fundos próprios), forneceram respostas demasiado tardias às numerosas “inovações financeiras”, tendo por consequência requisitos em capital próprio mais fracos para a realização das atividades de mercado. A correção desses enviesamentos deveria ajudar a reequilibrar o comportamento dos bancos.

 

C. Como pôr termo ao « too-big-to-fail »?

Os bancos nunca deverão atingir uma dimensão tal que a sua falência possa constituir um perigo para toda a economia, obrigando os poderes públicos a virem em seu socorro.

Ação proposta

Colocar um fim aos bancos ” too-big-to-fail” Para isso, pode ser considerado um conjunto de medidas complementares umas das outras. Estas medidas compreendem, de maneira não exaustiva:

• a imposição de um regime rigoroso de absorção de perdas pelos credores (bail-in), levando-os a partilhar o risco de perdas, respeitando a hierarquia dos credores e a garantia dos depósitos

• a limitação do recurso ao endividamento dos bancos (efeito de alavanca ou alavancagem)

• a dotação das autoridades com ferramentas que permitam acabar com o “too-big-to-fail”, impondo planos de resgate e resolução dos grupos bancários em processo de falência.

• a separação das atividades de banco comercial das de banco de negócios.

• eventualmente, limitar a dimensão dos estabelecimentos bancários.

Justificação:

  • Mesmo as atividades que podem ser interrompidas podem atualmente estar sujeitas a um resgate público se o banco em causa for de uma dimensão tal (e/ou mantém relações tais com o resto do sistema) que a sua falência criaria um problema sistémico (por exemplo se as perdas forem de natureza a propagarem-se aos outros bancos e a toda a economia).
  • A separação das atividades bancárias é um instrumento entre outros para pôr fim ao “too-big-to-fail”.
  • Se se impede que os bancos se tornem “too-big-to-fail” a gestão das crises bancárias pelas autoridades ditas de resolução poder-se-á fazer sem que isso tenha consequências graves sobre a economia. Os bancos estarão então em pé de igualdade com as outras sociedades comerciais e não necessitarão de serem resgatados pelos poderes públicos.

 

Mito! Não vai a separação gerar duas categorias de bancos sistémicos em vez de uma só categoria? E não se arriscará a fazer sair do radar das autoridades de controlo um campo demasiado largo de atividades?

Recordemos em primeiro lugar que separar as atividades não quer dizer isentar as as atividades de mercado dos constrangimentos regulamentares.

  • Uma separação, se for efetuada inteligentemente e em conjunção com medidas complementares, criará bancos mais pequenos – dois ou mais – onde havia apenas um, mas muito grande.
  • Uma separação vai diminuir o risco de contágio das atividades de mercado para as atividades de depósito, desde que sejam implantados os corta-fogos adequados entre as atividades de banca comercial e de banca de negócios de um mesmo grupo, (notemos que somente uma separação estrita e completa oferece uma garantia total de que não haverá contágio entre as duas partes).
  • Uma separação vai diminuir a interconexão no sistema bancário: o banco comercial separado será financiado essencialmente pelos depósitos dos seus clientes, o que o tornará menos dependente dos mercados financeiros e por conseguinte menos exposto às flutuações destes últimos.

(continua)

Texto original “L’importance d’être séparé”, em http://www.finance-watch.org/notre-travail/publications/583-document-synthetique-separation-banques?lang=fr

 

Abreviaturas e glossário

Os termos Banca Comercial ou Banca de Depósito são utilizadas para descrever a parte das atividades bancárias que é vital para o funcionamento da economia, isto é, a manutenção dos depósitos, a concessão crédito e a gestão dos sistemas de pagamento.

Os termos de Banca de negócios ou Banca de Mercado são utilizados para descrever as atividades de intermediação nos mercados financeiros, que incluem no essencial os serviços de emissão de títulos por conta de clientes (grandes empresas e Estados fundamentalmente), a criação de mercado (assegurar a liquidez de um título no mercado através da posição em permanência de comprador ou vendedor do título) e a negociação por conta própria.

CRD/CRR CRD IV – Diretiva sobre os Requisitos de Fundos Próprios: diretiva europeia em vigor que determina o nível de capital que qualquer deve respeitar e fixa as regras do seu cálculo.

BRR – Diretiva sobre a Recuperação e Resolução dos Bancos: diretiva europeia sobre os mecanismos e ferramentas à disposição das autoridades de supervisão bancária destinadas a proceder à a resolução ordenada dos bancos ou à sua colocação em falência no melhor interesse do contribuinte.

DGS – Sistema de Garantia de Depósitos: os fundos de garantia de depósitos reembolsam um montante limitado de depósitos aos depositantes cujo banco tenha falido. Do ponto de vista dos depositantes, trata-se de proteger uma parte dos seus bens da falência do banco. Do ponto de vista da estabilidade financeira, trata-se de evitar que os depositantes retirem massivamente os seus depósitos e impedir consequências económicas severas.

NOHC – Sociedade Holding Não-Operacional: modelo de estruturação dos grupos bancários proposto pela OCDE no qual uma sociedade mãe (holding) não beneficiando do estatuto de banco (não-operacional) é detentora de duas entidades separadas: uma dedicada à Banca Comercial, e a outra à Banca de Negócios. O objetivo é limitar as ligações (e nomeadamente as ligações em capitais e em liquidez) entre as duas sub-entidades.

OTC/Opérations gré à gré – Mercados de balcão (ou fora da bolsa): transações efetuadas fora dos mercados regulados. É nomeadamente o caso da grande maioria das transações sobre produtos derivados.

SIFI – Instituição financeira de importância sistémica: banco que em caso de falir pode causar a falência em cadeia de outros bancos e desse modo provocar danos importantes à economia.

TBTF – Too-Big-To-Fail/Bancos demasiado grandes para poderem falir: pela sua dimensão e pelos montantes de depósitos que detêm, certos bancos não podem abrir falência: as consequências para as empresas, os particulares e a economia em geral seriam demasiado pesadas.

 

 

 

 

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