Sobre os nossos dirigentes internacionais: da falta de ética à incapacidade de compreender a realidade económica. 2 – O FMI e o multiplicador da Grécia. Por Alberto Bagnai

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Fotografia de Leonel Brás. Tirada junto à IP3, 24 horas depois do fogo ser considerado extinto.

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

falta ética 2

2. O FMI e o multiplicador da Grécia

 

 

Por Alberto Bagnai (*)

Publicado por goofynomics.blogspot em 1 de abril de 2015

A economia existe porque há trocas, cada troca supõe a existência de duas partes, com interesses opostos: o comprador quer gastar menos, o vendedor quer ganhar mais. Muitas análises esquecem-se deste dado central. Para contribuir para uma leitura mais equilibrada da realidade, abrimos este blog, inspirado pelo bem conhecido pensamento de Pippo: “é estranho como uma descida vista de baixo se assemelha a uma subida.” Uma verdade simples, mas das aplicações não-triviais…

Mas como é que o Fundo Monetário Internacional terá tido a ideia de considerar um multiplicador de 0,5 para a Grécia?

Quando é que o determinaram? Há três anos, ao definirem o programa a que a Grécia teve de se submeter para obter uma prorrogação do financiamento do Fundo Monetário Internacional.

E porque é que esta hipótese é absurda? Vamos falar sobre isso imediatamente, mas primeiro gostaria de lembrar àqueles que se puseram a ouvir neste preciso momento, que uma discussão técnica sobre o que é o multiplicador pode ser vista aqui e nos números anteriores da série KPD (keynesianismo para as senhoras: utilizem o Google e a discussão está aberta …).

Em muito poucas palavras, o multiplicador é um número que expressa o impacto que uma variação de despesa pública terá sobre o PIB. Um multiplicador de 0,5 significa que um aumento da despesa pública de um euro aumenta o PIB por 0,5 euros, e é claro (multiplicando por menos um), que uma diminuição da despesa pública de um euro diminui o PIB de 0,5 euros.

Os motivos políticos da subestimação flagrante do multiplicador grego pelo FMI são, portanto, óbvios, e para os leitores não será certamente uma surpresa (e certamente não sou o primeiro a realçá-lo: seguramente muitos já o terão feito). Quando o Comité de Negócios dos credores internacionais precisava de extrair recursos do povo grego (aumentando os impostos, diminuindo as despesas) para resolver os problemas dos bancos do Norte, era essencial insuflar a ideia de que esses cortes não iriam danificar “muito” a economia grega. Note-se bem: que esta era uma avaliação puramente política, com o objetivo de fazer o governo grego aceitar medidas extremamente perigosas (como os factos desde então têm provado), e substancialmente errada do ponto de vista técnico, o FMI, obviamente, sabia-o e, como qualquer bom operador financeiro, quando o FMI puxa do texto para ser assinado, ele também o tinha escrito no “contrato”, mas… em letras pequeninas!

Dificil de acreditar? Veja-se então a página 2 do referido documento.

Riscos: O programa continua sujeito a riscos de aplicação notáveis. Em geral, a Grécia tem pouca, se é que tem alguma, margem para absorver choques adversos ou derrapagem de programa. No caso de que a implementação de políticas leve mais tempo a aplicar ou de reduzirem o programa, a economia leva mais tempo para responder ao mercado de trabalho e às reformas do lado da oferta, ou os multiplicadores orçamentais serão mais elevados (reduzindo o caminho de crescimento) e uma recessão mais profunda e uma trajetória de dívida muito maior seria então o resultado provável. Os riscos políticos ligados ao calendário eleitoral criam incertezas adicionais sobre a aplicação das políticas (e o FMI tem procurado garantias políticas para garantir a continuidade da implementação da política; ver ponto 50).

A materialização desses riscos provavelmente exigiria um perdão adicional da dívida pelo setor oficial e, na ausência deste perdão parcial, levaria a um incumprimento do Estado grego. Na ausência de apoio oficial continuado e de acesso às operações de refinanciamento do BCE, uma saída desordenada do euro seria inevitável, aumentando os riscos para o FMI (ver suplemento ao relatório do Staff técnico do FMI: ” Supplement to the Staff Report: “Greece—Assessment of the Risks to the Fund and the Fund’s Liquidity Position “). A conceção do programa — em particular, a manutenção do mesmo suporte gradual e a estrutura de monitorização apertada — ajudam a reduzir esses riscos. O compromisso dos Estados-Membros da zona euro em prestar apoio a longo prazo à Grécia em termos adequados é também uma consideração fundamental da recomendação dos quadros do FMI para aprovar o acordo proposto.

 

“No caso em que o multiplicador orçamental (relativo a impostos) seja maior, então o resultado mais provável seria uma maior recessão e um rácio dívida/PIB maior”… Deve-se ficar em êxtase, ao ler este aviso de isenção responsabilidade.

Isto é, pois, bem claro. Certo? Como de costume, aqueles que nos massacram não só sabem o que estão a fazer como também o dizem (embora em letras pequeninas, corpo 7). O ponto, que espero seja bem compreendido, é que o próprio FMI que nos diz que a hipótese de considerar um multiplicador de 0,5 para avaliar o impacto do “programa” (e, portanto, para prever as trajetórias futuras do rácio dívida/PIB), não era uma hipótese prudencial, mas na verdade foi estabelecida no sentido de proporcionar uma avaliação excessivamente otimista do próprio programa, ou seja, a redução do rácio dívida/PIB que a austeridade teria provocado.

E de facto, como todos sabemos agora, as avaliações emitidas na época foram clamorosamente erradas. A dívida estaria ao nível de 167% do PIB em 2013 e depois iria diminuir, mas, em vez disso, subiu para 175% do PIB para então ficar a este nível (a última avaliação que tenho para 2014 é de 174%)

Mas… atenção !

Não são só as coisas escritas em letras pequeninas!

Logo que souberam que o “programa” falharia em relação aos objetivos indicados, o que fizeram, na parte escrita em letras grandes? Simples: eles atiraram antecipadamente a culpa para cima da vítima:

  • Dívida pública. As projeções de base indicam que o rácio da dívida iria cair para 116 ½ por cento do PIB em 2020, um nível ainda elevado. Em termos de trajetória, o acordo feito entre o governo e os operadores privados ajudou inicialmente a reduzir a dívida, mas a dívida, em seguida, sobe novamente para 167 por cento do PIB em 2013 devido à recessão na economia grega e ao ajustamento orçamental incompleto. Uma vez que o ajustamento orçamental esteja alcançado, que o crescimento tenha sido restaurado e que as receitas das privatizações se forem acumulando, começam a verificar-se as reduções sustentadas no rácio da Divida relativamente ao PIB. Os testes de esforço mostram que a implementação integral e oportuna do programa é crucial para este resultado: um ajustamento orçamental incompleto, grandes défices nas privatizações ou atrasos na implementação da reforma estrutural (produzindo uma recuperação económica mais lenta e um ajustamento fiscal mais lento) veria a dívida permanecer em níveis muito elevados e provavelmente insustentáveis.Texto 2 1

“Eh, claro, caríssimos gregos, que se a austeridade é incompleta, se os gregos não fizerem o suficiente, se não privatizarem o suficiente, se se atrasarem na aplicação das reformas estruturais, o programa não vai funcionar, mas a culpa não é nossa – usámos um multiplicador visivelmente subestimado! – mas vossa, que são uns pobres desastrados, são uns pobres Lázaros!”

Assim, é bom, não é? Eh, são sempre os detalhes que fazem a delícia do conhecedor, e se nos acompanha sentir-se-á a passear num jardim encantado, onde cada recanto nos oferece infinitas fontes de prazer…

Agora, o leitor vai-nos perguntar, mas não poderiam eles estar errados, por motivos não-políticos? Afinal, quem sabe quanto é o multiplicador grego?

Eh, aqui não está a ser inteligente, para não dizer outra coisa.

Porque, em suma, o leitor não vai acreditar, como o nosso amigo apreciador, que a Grécia seja um país todo de queijo feta e distintivo? Tem as suas universidades, o seu banco central, os seus economistas, a quem a economia de seu país interessa e que, portanto, a estudam. Daqui resulta que, no momento em que os nossos amigalhaços do FMI emitiram a sua avaliação declaradamente não-prudencial e absolutamente despida de qualquer análise dos dados, houve uma enxurrada de literatura mais ou menos atualizada que forneceu estimativas baseadas em dados. Aqui encontra um pequeno resumo:

Texto 2 2

Então, o que se sabia sobre o multiplicador orçamental na Grécia na época em que o FMI o estimou imprudentemente em 0,5? Era sabido, da literatura científica, que este era em média o triplo!

É claro agora porque estava a falar de pressupostos absurdos?

Atenção. Nem todos estes estudos passaram por um supervisor, isto deve ser dito (para os cretinos). Estes estudos não passariam, mas se Papadimitriou (que mais tarde seria o co-autor de Gennaro Zezza) é um perigoso extremista pós keynesiano, Sideris e Zonzilos, para quem o multiplicador é triplo do valor “estimado” pelo FMI, são funcionários do Banco Nacional.

Nenhuma colheita da cereja: vermelhas, pretas, amarelas, verdes, quaisquer que sejam as suas cores, quaisquer que sejam os dados, quaisquer que sejam os métodos, qualquer que seja a data da publicação, todos estes estudos dizem (isto é, eles disseram) que as estimativas do FMI estavam distorcidas à baixa e consequentemente eram muito pouco prudenciais.

E nós, onde estávamos?

E nós, que dizíamos? Bem, nós dizíamos isto:

Texto 2 3

ou seja, isto:

Texto 2 4

com o nosso modelo (em construção). Se repararem, também a nós os dados disseram aquilo que disseram aos nossos colegas (excluindo aqueles que são generosamente pagos pelo FMI): o multiplicador oscila entre 1,4 e 1,6 (note-se que estamos a utilizar dados trimestrais não corrigidos de sazonalidade, porque o multiplicador é afetado pela variação dos dados sazonais). Se os dados dizem a todos a mesma coisa, isso significa que essa coisa não consegue mesmo deixar de o dizer…

Além disso, se tivermos tempo, mostro-vos também a elasticidade subjacente, entramos no plano técnico, de modo a que aqueles que pensam que assim se divertem, possam na verdade divertir-se. Mas, para concluir, permitem-me chamar a vossa atenção para um dado evidente? A vida e a dignidade de milhares de pessoas foram esmagadas com base na escolha de um número que para os profissionais do setor não podia de deixar de parecer flagrantemente absurdo. Nenhum estudo empírico apoiou essa escolha, e mesmo aqueles que a fizeram, essa escolha, sabiam quão tendenciosa e falsa ela era, e tanto é assim que o escreveram à vontade (Deus nos livre que alguém lhes dissesse que tinham sido pouco escrupulosos), mas em letras muito pequeninas.

Eis então.

E agora um pequeno esforço de imaginação …

Pense nas mães separadas dos seus filhos, e, depois, sobre os quatro idiotas que viajam por 15000 dólares por mês [1], isentos de impostos.

O mundo é belo, porque é muito variado.

 

Texto original em http://goofynomics.blogspot.com.es/2015/04/kpd6-limf-e-il-moltiplicatore-della.html

Nota

[1] Nota do tradutor. O autor deve referir-se aos homens do FMI pagos a peso de ouro para nos falarem de austeridade.

(*) Alberto Bagnai estudou economia na Universidade de Sapienza (Roma), onde se doutorou em Ciência Económica em 1993. Em 1996 investigador em Econometria. Nesse período publicou com Francesco Carlucci o primeiro modelo agregado da economia europeia. Com Stefano Manzochchi aprofundou o tema mobilidade dos capitais nos países em vias de desenvolvimento, contestando o paradoxo de Feldstein-Horioka, e estudou os determinantes das crises das balanças de pagamentos, dando uma definição empiricamente rigorosa do sudden stop. Desde 2005 é professor associado de Política Económica no departamento de Economia da Universidade Gabriele d’Annunzio em Chieti-Pescara. É investigador associado no Centre de Recherche en Economie Appliquée à la Mondialisation (CREAM) da Universidade de Rouen. É membro do comité diretivo de International Network for Economic Research (INFER). É professor convidado do Centre for Globalisation Research da Universidade Queen Mary de Londres. Tem artigos publicados em China Economic Review, Open Economies Review, Applied Economics, Economic Modeling, Energy Policy, Cambridge Journal of Economics, International Review of Applied Economics, e outras revistas, bem como ensaios editados por Routledge e Palgrave McMillan.

Autor do livro “Tramonto dell’euro”, novembro de 2012 (Premio Canova di Letteratura Economica e Finanziaria em 2013) e “L’Italia puó farcela” em 2014.

Autor do blog http://goofynomics.blogspot.com.es/http://www.ilfattoquotidiano.it/blog/abagnai/.

 

 

 

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