Sobre os nossos dirigentes internacionais: da falta de ética à incapacidade de compreender a realidade económica. 8. Aumento dos impostos pode diminuir a desigualdade sem afetar o crescimento económico (1ª parte), por Júlio Marques Mota

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Fotografia de Leonel Brás. Tirada junto à IP3, 24 horas depois do fogo ser considerado extinto

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8. Aumento dos impostos pode diminuir a desigualdade sem afetar o crescimento económico (1ª parte)

De Blanchard, a Constâncio, a Vítor Gaspar, a mesma mistificação para tudo poder ficar na mesma.

Por Júlio Marques Mota em 31 de outubro de 2017 julio-marques-mota

 

(1ª parte)

Um novo estudo do FMI não encontra nenhuma forte correlação entre impostos mais baixos e maior crescimento.

A desigualdade é uma das grandes questões políticas do século XXI, com muitos comentadores a referirem-se-lhe como um fator que significativamente está por detrás da ascensão do populismo. No entanto, nada poderia ser mais indicativo do triunfo do homem comum do que a elevação de um bilionário da propriedade à presidência americana.

Um novo relatório do FMI analisa a forma como a política fiscal pode ajudar a combater a desigualdade. Nas economias avançadas, a tributação já tem impacto. O coeficiente de “Gini” (uma medida padrão de desigualdade de rendimento) é cerca de 33% mais baixo depois dos impostos e das transferências do que antes da tributação e das transferências. Mas enquanto tais políticas [redistributivas] são responsáveis pela compensação de 60% do acréscimo da desigualdade de mercado entre 1985 e 1995, estas mesmas políticas não tiveram quase nenhum impacto desde então.

Em contraste, a redistribuição fiscal média mudou muito pouco entre 1995 e 2010, enquanto a desigualdade de rendimento de mercado continuou a aumentar. Como resultado, a desigualdade média de rendimento disponível aumentou consideravelmente. em estreita concordância com a desigualdade de rendimento de mercado. A estabilidade da redistribuição fiscal média durante este período recente é surpreendente, uma vez que, na ausência de reformas políticas, os sistemas progressivos de tributação e de transferência deveriam ter aumentado automaticamente a magnitude da redistribuição fiscal em resposta ao aumento da desigualdade de rendimentos do mercado. Isto sugere que as reformas da política fiscal e de transferência têm, claramente, diminuído a progressividade destes instrumentos redistributivos nalguns países.

Esta ausência de impacto é devida à mudança no sentido da política. Em todo o Ocidente, os impostos sobre os rendimentos mais elevados têm estado geralmente em queda. 

 Diz-nos o FMI

 Em que medida é que as taxas de tributação marginal e média devem aumentar com o rendimento? A teoria fiscal otimal sugere taxas de imposto marginal significativamente mais elevadas para os rendimentos superiores do que as taxas atuais, as quais se mostram com uma tendência à baixa. Poderia a queda da progressividade ser uma resposta às questões relacionadas com potenciais efeitos negativos da progressividade sobre o crescimento? Resultados empíricos não suportam este argumento, pelo menos para níveis de progressividade que não são excessivos. As economias avançadas com níveis relativamente baixos de progressividade na tributação individual dos rendimentos podem consequentemente ter espaço para aumentarem as taxas marginais de imposto sobre os rendimentos de topo superiores sem prejudicar o crescimento económico. (vd. “Tackling Inequality, Executive Summary)

 Isto pode ser devido a uma série de razões, diz o FMI. Os impostos obtidos a partir das remunerações salariais mais altas podem ter-se tornado mais “elásticos” (ou seja, mais sensíveis às mudanças na tributação); num mundo móvel, a elite vai deslocar-se para os países em que possa reduzir a sua fatura fiscal. Mas não há sinal de que a elasticidade tenha aumentado nas últimas décadas. Uma segunda possibilidade, facilmente rejeitada, é que a parcela de rendimento obtida pelos mais ricos possa ter caído; esta tem, naturalmente, aumentado. Uma terceira explicação é que a sociedade chegou a um consenso de que as taxas de imposto precisavam ser reduzidas para ajudar os ricos. Na verdade, os inquéritos mostram que as pessoas são mais favoráveis às políticas redistributivas do que na década de 1980.

Outra explicação é que os governos poderiam ter sido levados a reduzir as taxas de imposto superiores para criar maiores incentivos ao investimento, aumentando assim o crescimento económico. Isso certamente parece ser o fundamento que está por detrás dos cortes que estão a ser propostos pelo presidente Donald Trump.

Mas o FMI avisa

Embora alguma desigualdade seja inevitável num sistema económico baseado no mercado como resultado de diferenças de talento, esforço e sorte, a desigualdade excessiva pode corroer a coesão social, levar à polarização política e, em última instância, baixar a taxa de crescimento económico. (vd. Capítulo 1, Tackling Inequality, Introdução)

E esclarece ainda

Mas quando é que a desigualdade é excessiva? Não há resposta fácil, pois esta depende de vários fatores específicos do país, incluindo o contexto do crescimento em que se dá esse aumento da desigualdade assim como as preferências da sociedade. (ib.)

Mas o FMI, depois de analisar as taxas fiscais nos países da OCDE entre 1981 e 2016, não encontrou nenhuma relação forte entre a forma que a progressão fiscal assume e o crescimento económico. Na verdade, o estudo acrescenta que para os países que querem fazer uma politica redistributiva mais intensa do rendimento podem ter “espaço para aumentar a progressividade da tributação do rendimento sem significativamente prejudicarem o crescimento“.

O FMI diz-nos:

 A política fiscal pode ajudar a melhorar a redistribuição, reduzindo quer as desigualdades de rendimento (pós impostos e pós transferências) quer as desigualdades de rendimento geradas no mercado (antes de impostos e antes das transferências). Os impostos e as transferências relacionadas com o rendimento afetam a desigualdade de rendimento disponível, enquanto as transferências em espécie, como a saúde e a educação, influenciam a desigualdade dos rendimentos geradas no mercado. A política fiscal pode pois ser um poderoso instrumento na redistribuição. (…) (ib.)

 e o FMI avisa-nos:

No entanto, isso poderá ser difícil de implementar politicamente, porque os indivíduos em melhor situação económica e social tendem a ter mais influência política, por exemplo, através do lobing, do acesso aos meios, e de um envolvimento político maior. (vd. Capítulo 1, Tackling Inequality, Progressivity of PIT-Personal Income Tax) 

 

A afirmação de que nas economias avançadas há espaço para uma maior redistribuição de rendimento sem que isso afete o crescimento é uma afirmação que será bem aproveitada por políticos à esquerda. Mas o argumento funciona melhor nuns lugares do que noutros. O FMI considera que a taxa de imposto ótima sobre rendimentos mais elevados, assumindo que o objetivo é a maximização do rendimento, é de 44%. A taxa mais alta da Grã-Bretanha é já de 45%. Assim, o estudo do FMI realmente não fornece nenhum grande apoio a Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista, a principal oposição, que quer aumentá-la para 50%. É um argumento melhor, talvez, para Bernie Sanders, o democrata, uma vez que a taxa de imposto americana superior, antes de todos os cortes de Trump, é de apenas 39,6%.

Mesmo aqui, é necessária alguma cautela. As empresas têm tendência a deslocarem-se de região para região em busca de um tratamento fiscal mais favorável, daí o sucesso da Irlanda em atrair empresas com a sua taxa de 12,5% de impostos sobre os lucros e a linha sobre “inversões”, onde as empresas americanas se movem para o exterior para jurisdições de menor imposto. Em resposta, os países diminuíram progressivamente as taxas de tributação sobre os lucros; desde 1990, a taxa média das economias avançadas diminuiu em mais de 13 pontos percentuais (ver gráfico seguinte).

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Muitos indivíduos ricos podem optar por mudar a forma como eles reportam os seus rendimentos para tirar proveito das taxas mais baixas de impostos sobre lucros. Assim é difícil fazer subir a taxa de tributação sobre os rendimentos individuais enquanto simultaneamente se estão a baixar os impostos sobre as empresas. Como o relatório do FMI secamente observa: “a coordenação fiscal internacional poderia potencialmente enfrentar este problema, mas já se provou ser muito difícil de implementar.” Então há outras maneiras de reduzir a desigualdade através do sistema tributário? Uma outra opção discutida pelo FMI seria a tributação sobre propriedades, que é um ativo imóvel. Os impostos sucessórios são outra possibilidade, embora sejam dispendiosos de administrar, e nenhum país do G7 levanta mais de 1% do PIB através desta via.

Dada a influência política dos ricos, parece improvável que um consenso internacional sobre a redução da desigualdade através de impostos mais elevados possa vir a ver a luz do dia. Na ausência de um tal consenso, poucos governos assumirão o risco de elevar as suas próprias taxas unilateralmente. Um passo à frente, no entanto, pode ser dado por um futuro governo Corbyn, que pretende aumentar a taxa de imposição fiscal sobre as empresas, bem como sobre os indivíduos, tudo no contexto do Brexit, quando as empresas podem, em qualquer caso, ser levadas a reconsiderar a sua decisão de investir ou não na Grã-Bretanha. Será uma experiência económico a ser observada de perto por outros países, sugerindo um novo slogan nacional: “Britânicos, nós tentamos as políticas que não se vêem nos outros lados.

 Diz-nos o FMI:

 Nas últimas décadas, a concorrência fiscal internacional, resultante da mobilidade de capitais, levou a uma tendência sustentada à baixa nas taxas de tributação sobre os rendimentos empresariais (ver acima gráfico 1.17). Esta tendência, pelas razões já discutidas, reduz a progressividade fiscal global e pode igualmente impor uma pressão à baixa das taxas de tributação sobre rendimentos individuais. (vd. Capítulo 1 – Tackling Inequality, Capital Income Taxation)

 O FMI avisa

A coordenação fiscal internacional poderia abordar este problema, mas já se provou que isto é muito difícil de implementar. (ib.)

 

(continua)

Notas:

Um trabalho feito a partir dos seguintes textos:

  1. FMI, Fiscal Monitor, October 2017, série World Economic and Financial Surveys, Tackling Inequality
  2. Um texto publicado pelo sítio Gonzalo Raffo, “Higher taxes can lower inequality without denting economic growth- A new study by the IMF finds no strong correlation between lower taxes and higher growth”, cujo endereço é: http://gonzaloraffoinfonews.blogspot.pt/2017/10/higher-taxes-can-lower-inequality.html

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