A Cimeira de Gotemburgo vista do Japão
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
2. Pleno emprego no mercado de trabalho japonês e a realidade
Por AMELIE MARIE IN TOKYO (*), em 21 de junho de 2015
O mercado de trabalho japonês orgulha-se de estar numa situação de quase pleno emprego (com um desemprego à volta de 3,7% segundo as últimas estatísticas) e de ter ultrapassado as crises económicas que abalaram o modelo tradicional japonês de emprego para toda a vida. Desde a chegada de Shinzo Abe ao poder e do estabelecimento do seu programa económico – o abenomics- foram criados 1,3 milhões de postos de trabalho, com uma oferta… superior à procura (114 postos de trabalho para 110 pretendentes). Mas ao mergulharmos na realidade do mercado de trabalho japonês, ficamos rapidamente desenganados.
O modelo histórico do mercado de trabalho japonês: o emprego para toda a vida
Para entender melhor este tema, precisamos primeiro que tudo de compreender o modelo tradicional de emprego no Japão. Este assentava estruturalmente em três pilares complementares, a saber, a estabilidade do emprego ou o emprego para a vida, o avançar na carreira pela antiguidade e a formação permanente dos trabalhadores.
O contrato de trabalho do empregado permanente está sujeito ao artigo 8 da Lei do Trabalho a tempo parcial, estipulando que, para que um “trabalho seja permanente, o seu conteúdo e a sua localização podem mudar ao longo da duração do contrato e até ao final desse mesmo contrato de trabalho“. Tradução, o contrato não descreve os deveres do empregado, nem mesmo as condições de trabalho, como os horários, e é modificável à vontade do seu empregador, dentro das margens da legislação do trabalho. Na verdade, trata‑se mais de uma forma de adesão a uma empresa do que de um posto de trabalho definido de forma precisa. Um empregador japonês pode transferir um empregado de um posto de trabalho a outro sem pedir a sua opinião. Compreende-se melhor as horas suplementares de serviço (ou seja, não-pagas também chamadas sabisu zangyou) ou as mutações profissionais longínquas aceites sem nenhum sinal de contestação. Finalmente a vantagem dos empregados permanentes é terem uma segurança sólida do seu emprego, com pouca probabilidade de o perder devido, por exemplo, a um número excessivo de empregados.
Este sistema explica que as empresas japonesas não estão nada interessadas nas qualificações e formação dos estudantes, mas contratam, em vez disso, dúzias de jovens diplomados de acordo com a trilogia das seguintes qualidades: entusiasmo, modéstia e trabalho de grupo. Este sistema, que apareceu na década de 1920 no Japão, e se tornou florescente durante o milagre económico japonês, depende de um equilíbrio entre as empresas, os bancos japoneses e, claro, a estabilidade da economia internacional. Durante os anos 60, o desemprego foi estimado em 1% no Japão, e o país era na altura a segunda potência mundial. Apenas o estourar da bolha especulativa japonesa dos anos 90 fez o modelo de emprego no Japão tremer de alto a baixo e o desemprego, que aumentou gradualmente, alcançou a sua primeira taxa histórica de 5,4% em 2002. O pacto social entre a mão-de-obra e o patronato japonês está a desmoronar-se e as empresas retêm apenas uma elite de funcionários com emprego para a vida, recrutando cada vez menos jovens diplomados.
A situação atual, entre a precariedade dos jovens e o envelhecimento da população
Assim, o quase pleno emprego é dito estar “de regresso” ao Japão, graças à implementação de uma política flexível de legislação laboral, bem como ao aumento massivo de postos de trabalho precários. As empresas japonesas cada vez mais indisponíveis para assinar contratos de duração indeterminada (CDI), recorrem cada vez mais a trabalho irregular, freeter e haken. Os freeters em geral não continuam a sua educação após o liceu, acumulando empregos que exigem poucas competências e são mal pagos, enquanto que os haken são trabalhos a tempo parcial e temporários, registados numa agência de emprego e beneficiam de formação. Em ambos os casos, os trabalhadores vivem em condições precárias, com salários irregulares e baixos, tendo poucas possibilidades de ter uma carreira ou mesmo uma família.
O emprego precário não é nenhuma novidade, mas era o bastião de donas de casa e estudantes e não era a principal fonte de rendimento para um trabalhador. A situação é tal que um jovem licenciado que não tenha feito parte da vaga anual de recrutamento (desfasamento na obtenção do diploma, falhanço nas entrevistas) encontrará somente empregos precários a que ele será subsequentemente confinado. Estima-se que 40% dos ativos são empregados precários. Face a esta situação, é verdade que o governo está a tentar tomar medidas, nomeadamente através do desenvolvimento da legislação baseada no posto de trabalho. Mas parece que as empresas desconfiam desta forma de emprego com base nas qualificações necessárias para uma tarefa específica.
Paralelamente, o envelhecimento da população tem um forte impacto na população ativa (-3% em cerca de dez anos). O governo tenta influenciar a evolução da situação fazendo reentrar na vida ativa uma franja da população que está fora do mercado de trabalho (os jovens, as mulheres… e os trabalhadores na casa dos 65 anos, ditos seniores).
O mercado de trabalho japonês visto pelas estatísticas
Sem surpresa, os empregos precários afetam muito mais as mulheres, com 58% das mulheres em situações de emprego precário. Do lado dos homens, são 20% que vivem a acumular pequenos empregos, ou seja, a acumular trabalhos precários.
Se analisarmos o nível escolar dos entrevistados, é sem nenhuma surpresa que se descobre que quanto maior o nível de educação (grau universitário, escola especializada), maior é a possibilidade que se tem de poder arranjar um emprego permanente. Salvo se se trata de uma mulher. Evidentemente.
Subemprego no Japão, uma forma de desemprego?
As mudanças estruturais no mercado de trabalho japonês não têm necessariamente as consequências que poderiam ser as esperadas. Certamente há 114 empregos para 110 candidatos, mas… as ofertas não correspondem à procura. Isto conduz a uma discrepância no mercado de trabalho japonês, com salários muito baixos. Assim, muitos dos empregados a tempo parcial não o são por opção e prefeririam antes um emprego estável. Em termos estatísticos, esta proporção da população ativa excede a taxa de desemprego em 50% e é referida como subemprego.
Em seguida, entramos na linguagem muito técnica dos analistas do mercado de trabalho (a curva de Beveridge tem o suficiente para nos encher de urticária). Para simplificar, “o grau de disparidade no mercado de trabalho japonês, com um excesso de oferta de empregos a tempo parcial, e um excesso de procura de empregos a tempo integral, o que implica um grau significativo de subemprego, é evidente nas taxas de salário. Durante os últimos 15 anos, os salários por hora propostos para o trabalho a tempo parcial aumentaram, enquanto os salários por hora propostos para o trabalho a tempo inteiro têm uma clara tendência a diminuir.”
Consequência? O mercado de trabalho japonês vê uma evolução do tempo parcial em direção a posições mais estáveis em algumas indústrias onde falta mão-de-obra. Mas a norma desde os anos 90 é sobretudo o emprego a tempo parcial, emprego precário e insegurança em relação ao futuro profissional. A diminuição dos salários dos empregos a tempo integral é suscetível de agravar as dificuldades das famílias japonesas, enquanto o governo está a discutir a possibilidade de passar o IVA de 8% para 10% (passámos em 2014 de 5% para 8%).
Texto original em http://ameliemarieintokyo.com/plein-emploi-sur-le-marche-du-travail-japonais-et-realite/
(*) Expatriada francesa casada com um japonês, vive no Japão desde 2013, Bacharel literário, estudos jurídicos, Gestora de marketing numa escola de japonês e numa agência de recrutamento.