CARTA DE BRAGA – POR CÁ NÃO SE ALUGAM VIDAS! – por ANTÓNIO OLIVEIRA

Há uns dias atrás abri um jornal em castelhano – já há muito que vou procurando notícias noutros lugares onde não haja a síndrome de Sócrates nem reine o Tecnosilêncio, para citar Carlos Esperança (Estátua de Sal, 15 Dezembro) – e descobri a existência de uma nova forma de arrebanhar algum para as necessidades imediatas.

Uma proposta tão simples como isto – “Aluga a tua vida pela internet, para pagares o aluguer da tua casa” – referindo uma plataforma online com um vídeo promocional de título um pouco preocupante, “Aluga uma vida ou põe a tua em aluguer e não te conformes com a experiência”.

O texto dizia que se podia vestir a pele de um pastor gastando pouco mais de trezentos por um par de dias, alugar uma família para fingir um Natal ou alugar mesmo a própria vida se houver uma proposta interessante, para poder pagar a renda de casa.

Acabei de ler o artigo (não vi o tal vídeo!) e o texto baseava-se no fingimento e na simulação, que o autor considerava como os comportamentos obscuros que globalização e redes sociais alimentam e multiplicam.

Penso ser aquela uma hipótese com diminutas possibilidades de concretização pelo panorama de tão parcos proventos deste país, onde o risco de pobreza baixou para quase toda a gente menos para os desempregados, como afirma o último Inquérito às Condições de Vida e Rendimento divulgado pelo INE.

O Inquérito também mostra, a quem o souber ler, que a desigualdade por estas terras tem proporções dramáticas (este termo é meu!) e se evitam gastos sociais em benefício de quem vive dificilmente e mal, por se lesarem algumas áreas que poderiam ajudar a sair da crise como saúde, educação e serviços sociais, pelas transferências feitas para outras entidades, algumas com escândalo mediático.

Por estas razões, também não acredito que num país onde a quebra do índice de pobreza é constante desde 2004, os deserdados da vida tenham propostas interessantes para oferecer a endinheirados com estômago capaz para viver em zonas onde imperam conceitos como “intensidade laboral muito reduzida” ou “privação material”, todas num país onde um pouco mais de 23% da população está e sobrevive em situação de pobreza e exclusão.

Neste mesmo país do Tecnosilêncio, a enorme tragicomédia com que os ecrãs estão a mascarar e a transformar a vida de todos os dias, já é cada vez mais difícil distinguir e separar a verdade da ficção, isto sem entrar nos domínios da pós-verdade, agora tão do agrado de muitos políticos em praças diversas.

Por cá não haverá vidas para alugar, mas talvez haja para empenhar!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

2 Comments

  1. Basta referir-se o avolumar da pobreza que atinge um número imenso – e em crescendo – de portugueses- mais de dois milhões – para agradecer-se convictamente a quem os escreve de Braga.CLV

  2. Oh, António, que bem saber lê-lo…Ironicamente, à vezes , precisamos de ler as opiniões e reflexões sábias, para ratificar o que pensamos e sentimos!Na verdade, os media servem-se de nós e servem-nos à mesa, doses maciças do que querem que comamos…Triste realidade!!!Detesto o derrotismo, mas enoja-me a total ausência de princípios,,,Quo vadis?
    Obrigada pela lucidez das suas palavras!!!!Abraço, meu amigo!!

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