Sobre o mercado de trabalho atual: do século XXI ao século XIX, um retorno a Marx. 7 – Alguns resultados dos inquéritos europeus sobre a relação face ao trabalho – Parte I

Muito recentemente, um pequeno artigo do colunista Christophe Barbier, em L’Express propôs  mesmo que se encurtassem as férias dos franceses de uma semana, sugerindo que os franceses  teriam um problema no  seu relacionamento para com o trabalho… O que é desesperante sobre tudo isso é que esta posição representa a vitória ideológica ganha por todas essas pessoas sem que isto assente em algum fundamento, alguma prova de concreto: Esta posição não assenta em nada de verdadeiro, não tem nenhum suporte na realidade, nem há nenhum   estudo nem nenhum testemunho que a defenda.

Parte I

(Dominique Méda, Setembro, 2017, Tradução Júlio Marques Mota)


Resumo

O que é que não tem sido ouvido nos últimos anos sobre a relação dos franceses para com o trabalho? O valor-trabalho ter-se-ia deteriorado – principalmente por causa das 35 horas – os franceses seriam os campeões do lazer e teriam deixado de gostar de trabalhar, os jovens seriam particularmente atingidos por esta doença, tendo-se tornado preocupados, sobretudo, ao procurar um emprego, pela quantidade de dias de férias  e com o baixo volume de horas de trabalho… Muito recentemente, um pequeno artigo do colunista Christophe Barbier, insistiu fortemente na questão, propondo mesmo que se encurtassem as férias dos franceses de uma semana, sugerindo que os franceses  teriam um problema no  seu relacionamento para com o trabalho… O que é desesperante sobre tudo isso é que esta posição representa a vitória ideológica ganha por todas essas pessoas sem que isto assente em algum fundamento, alguma prova de concreto: Esta posição não assenta em nada de verdadeiro, não tem nenhum suporte na realidade, nenhum há  estudo nem nenhum testemunho que a defenda. Como iremos ver, toda a investigação vai na direção oposta, salientando que os europeus, mas entre eles ainda mais os franceses, têm uma relação muita específica sobre o trabalho.


Índice

  1. Os franceses são muito ligados ao trabalho
  2. Os franceses manifestam o seu interesse pelo trabalho
  3. A relação dos jovens franceses para com o trabalho

O que se segue é baseada num conjunto de análises sobre inquéritos europeus e franceses assim como sobre entrevistas que realizámos com Lucie Davoine e Patricia Vendramin como parte de um programa de investigação europeia [1] cujos resultados foram apresentadas em vários documentos e livros [2] mobilizados neste artigo.

Os franceses estão muito ligados ao trabalho

Este é um resultado inegável e regular do levantamento europeu que foi feito sobre os valores europeus (EV), e que passa agora a ser feito em 47 países (ver anexo 1) e que coloca, em particular, a seguinte pergunta: “é o trabalho importante na sua vida?” Naturalmente, o termo “importante” pode ter múltiplos significados e, além disso, as limitações destes inquéritos são muito numerosas: é sabido, por exemplo, que a propensão para usar estimativas extremas (“muito importante”) é diferente segundo os países ( (Davoine, MEDA, 2008).

Os levantamentos europeus sobre os valores (EVS)

Os inquéritos sobre os valores dos europeus, conhecidos internacionalmente como European Values Survey (posteriormente EV), iniciaram-se em 1981. Na primeira vaga, nove países europeus participaram neste inquérito. Eles são atualmente 47. A pesquisa agora inclui quatro vagas : 1981, 1990, 1999, 2008. Logo após o lançamento dos EVS, Ronald Inglehart, um investigador da Universidade de Michigan, tomou a iniciativa de estender a iniciativa a outros continentes, o que deu origem ao levantamento mundial sobre o valor atribuído ao trabalho, de que o seu questionário é muito próximo do EVS e as vagas apresentam uma ligeira diferença. O questionário de EV, do qual uma grande parte é invariável de uma vaga de inquéritos a outra, evoca, entre outras coisas, o lugar de grandes valores tais como o trabalho, a família ou a religião, mas também as práticas religiosas, as opiniões políticas, bem como a importância dada a cada faceta do trabalho (salário, segurança, desenvolvimento pessoal, etc.). Mais de 3000 franceses participaram no inquérito em 2008.

O programa internacional de investigação  social (ISSP)

O programa internacional de investigação social (ISSP), teve a sua primeira vaga em 1985 e nasceu da colaboração de investigadores de quatro países, Alemanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos e Austrália, onde já havia uma tradição de investigar sobre as atitudes, mas o número de participantes aumentou acentuadamente nos 1990 anos, atingindo 37 países atualmente. Este tipo de inquérito é realizado anualmente, sob um tema diferente de cada vez. Um levantamento sobre o significado do trabalho teve lugar em 1989 (mas a França não participou), em 1997, em 2005 e em 2015. Estas quatro vagas são uma das bases mais abrangentes sobre a relação para com o trabalho. 1224 questionários franceses foram utilizados na última vaga do inquérito.

Inquéritos europeus sobre as condições de trabalho

O inquérito europeu sobre as condições de trabalho é conduzido a cada cinco anos pela Fundação Europeia para a melhoria das condições de trabalho, sediada em Dublin. O número de países em causa aumentou ao ritmo do alargamento da União Europeia. O questionário aborda as condições de trabalho em sentido lato: tempo de trabalho, organização de trabalho, rendimento, dureza física do trabalho, efeito de stress, possibilidade de conciliação, a natureza das tarefas executadas, o sentimento de discriminação. Ele também contém perguntas sobre a satisfação relativamente às condições de trabalho, rendimento e oportunidades de promoção. A última vaga data de 2015.

Mas os seus limites são tidos em conta e  os resultados do inquérito são claros: o trabalho é considerado em toda a Europa como  muito  importante ou bastante  importante. Menos de 20% dos inquiridos dizem que o trabalho não é importante ou não é mesmo nada importante, exceto na Grã-Bretanha e na Irlanda.

Os franceses têm uma visão massiva do trabalho como muito importante, e eles são mais numerosos do que muitos outros nacionais dos países europeus a fazê-lo, como se mostra no quadro 1.

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Vemos neste gráfico a posição especial ocupada pela França: muito perto do Luxemburgo, mas especialmente de um conjunto de países relativamente aos  quais ela é muito diferente, particularmente em termos de riqueza económica, e longe de países que se lhe assemelham como o Grã-Bretanha ou Alemanha. O panorama da vaga anterior, em 1999, mostrou-o ainda mais claramente (tabela 2).

gr2

Nas duas vagas do levantamento, os franceses são cerca de 68% a indicar que o trabalho é muito importante [3]. Ao contrário de outros países, como a Grã-Bretanha e a Alemanha, esta proporção varia pouco com o estatuto de emprego: a ênfase no trabalho é mais pronunciada em França do que em qualquer outro lugar em todas as categorias de pessoas, enquanto que na Grã-Bretanha ou Alemanha, é principalmente o resultado da posição dos ativos empregados, e ainda mais quando eles trabalham em tempo integral, a França está a singularizar-se pelo fato de que os desempregados e os aposentados mostram a mesma ligação para com o trabalho, como se mostra na tabela 3.

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Notas:

[1] Programa coordenado por Patricia Vendramin no quadro do 7º PCRD.

[2] Veja-se Lucie Davoine, Dominique Méda : « Place et sens du travail en Europe. Une singularité française », Document de recherche du CEE, n° 96, février 2008 ; Dominique Méda, Patricia Vendramin, Réinventer le travail, PUF, 2013 ; Patricia Vendramin (ed.), Generations at work and social cohesion in Europe, PIE Peter Lang, 2010 ; le site de la recherche SPREW (Social Pattern of relation to Work) ; Dominique Méda, « L’avenir du travail. Sens et valeur du travail en Europe », Document de recherche de l’OIT, 2017.

[3] As lacunas entre os países continuam a ser significativas mesmo quando se tem em conta o efeito da composição da população (por idade, a proporção de pessoas ativas ou até mesmo o nível de qualificação e profissão).


Artigo original aqui

 A segunda parte deste texto será publicada, amanhã, 12/01/2017, 22h


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