A GALIZA COMO TAREFA – tradições – Ernesto V. Souza

Quem pode imaginar no hoje acelerado, inovador ao segundo e apaixonado pela mudança e a novidade, aqueles centos longos de anos da era pre-industrial, aqueles milénios até da era pre-histórica, de tradições transmitidas, de ferramentas e processos fazendo-se igual, geração após geração.

De que falamos hoje, quando falamos em tradição, e em que quando tomamos a tradição como elemento de prescrição para justificar escolhas, hierarquias ou imutabilidades?

Realmente, comparados com os milénios dos primeiros sapiens e com os centos de anos das sociedades agrícolas, as nossas atuais “tradições”, mesmo aquelas que possam documentalmente inalteradas e in-contaminadas se remontar a 30, 60, 100 ou algo mais anos, resultam pouco menos que pingas de tinta num forte curso de água.

As características sociais do género humano demandam umas estruturas comunicativas e um pensamento mítico para dotar de coesão às diversas formas das Comunidades, que são, na realidade o motor primeiro do sucesso e sobrevivência dos grupos.

A tradição é uma ferramenta muito útil, mais não apenas como base no aprendizado coletivo, é-o como elemento na coesão e na fixação de normas, discursos, grupos e hierarquias.

A tradição afinal é sempre inventada, refeita, promovida dentre outros feitos, modos e celebrações para aclimatar, aproveitar, publicitar uma série de ideias e práticas que interessam a um grupo social – normalmente dominante ou com expectativas de ser.

A tradição é pois importante, mas mais importante é ser dono da tradição. Ter a legitimidade e o poder para narrar a tradição, para ir adaptando-a aos tempos novos. Enquanto sejam outros os que formulem o que pode ser debatido e o que não o que pode e não ser alterado é difícil que se possa construir e inventar livremente a tradição.

Enfrentar a tradição imposta, a narrativa e campo de jogo dos poderes estabelecidos é a tarefa de todas as comunidades políticas que pretendem se constituir em sujeito político. O cânone e a história da literatura e das artes, a história, as línguas e as ortografias, o culto aos heróis, lugares de memória, festas, costumes, entram neste esquema.

 

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