A NOSSA PENÍNSULA – 16 – A Primeira República portuguesa assassinada por republicanos – por Carlos Loures

Destacamento da Carbonária na Rotunda, no dia 5 de                                              Outubro de 1910.

 

Há mães que matam os filhos por tanto lhes querer – estreitam-nos ao peito com tal ardor que os sufocam. Podemos dizer que a Primeira República Portuguesa não resistiu ao abraço exageradamente atlético com que alguns republicanos a tomaram nos braços. Entre o Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, que vitimou o rei D. Carlos e o príncipe Luís Filipe, herdeiro do trono, e a Noite Sangrenta de 19 de Outubro de 1919, quando foram assassinados heróis da Rotunda como Carlos da Maia e Machado Santos e o chefe do Governo, António Granjo, passando por outro magnicídio, o de Sidónio Pais, em 14 de Dezembro de 1918, medearam dez anos de violência, muitas vezes (quase sempre) desnecessária.

Noticiando as revoltas diárias, a sucessiva queda de governos, as revoluções, os assaltos a armazéns de víveres… numa palavra, a profunda instabilidade que caracterizava a vida sócio-política em Portugal, um jornalista estrangeiro referiu-se ao nosso país como «o pequeno México». O clima de instabilidade permanente criou um sentimento de saturação que atingiu a própria base de apoio da República – grupos progressistas como o da Biblioteca Nacional, integrando intelectuais prestigiados que manifestavam um profundo cansaço.

Por isso, foi com algum alívio. que diferentes segmentos da opinião democrática, aceitaram a chamada Revolução Nacional – em 28 de Maio de 1926, o putsch de Gomes da Costa interrompeu a governação republicana, desactivou o funcionamento das instituições democráticas e impôs uma Ditadura militar que, a pretexto de reorganizar o aparelho de Estado e as Finanças, só iria terminar quase meio-século depois, quando em 25 de Abril de 1974 outro movimento militar reporia os mecanismos constitucionais e o funcionamento democrático das instituições, aquilo a que se chamou a Segunda República. Ou seja, a turbulência republicana provocou a queda da República e permitiu o advento do regime fascista.

Em quase todos os acontecimentos trágicos que assinalaram a  ascensão e queda da I República, se encontra a mão da Carbonária. A Carbonária, cuja primeiro esboço de organização data de 1822, inspirava-se no modelo italiano (carbonaro significa “carvoeiro” em língua italiana). Depois de diversas tentativas, em 1896 surgiu a Carbonária Portuguesa, com uma estrutura orgânica semelhante à da Maçonaria, mas menos selectiva, aberta a todas as classes sociais. Provinha directamente da Maçonaria Académica (também conhecida pela designação de Comité Revolucionário Académico) que, composta exclusivamente por estudantes no ano lectivo de 1895-1896 fora reorganizada pelo então estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Artur Augusto Duarte da Luz de Almeida. Natural de Alenquer, onde nascera em 1867, tinha o ar de um inofensivo poeta – ninguém adivinharia que aquele modesto bacharel do Curso Superior de Letras iria pôr de pé uma implacável máquina de matar – a Carbonária.

A derrota do movimento republicano que eclodiu no Porto em 31 de Janeiro de 1891, pesava na memória dos revolucionários e levava a que se valorizasse o factor organizativo – o Regicídio foi organizado de forma exemplar – Luz de Almeida não descurou os pormenores mais ínfimos – a Carbonária era uma guilhotina bem oleada. Porém, o que quase sempre ocorre com este tipo de organização não a poupou – a violência ao serviço da República, pôs a República ao serviço da violência e 11 anos depois de proclamado o regime republicano, uma Noite Sangrenta, em 19 de Outubro de 1921, permitia que o inaudito acontecesse – heróis da República eram assassinados por um comando da Carbonária – a autofagia sobrepunha-se à razão revolucionária – A República alimentava-se devorando os seus filhos, tal como sucedera com a grande revolução francesa. O radicalismo nebuloso de mentes ensandecidas pela violência, sobrepunha-se ao raciocínio que deve sempre orientar uma situação revolucionária. A paixão, a vertigem radical, o populismo exacerbado, foram aliados das tropas que, de Braga, desceram até Lisboa, quase não encontrando resistência – a fúria revolucionária esgotara-se nas lutas internas e deixou passar o inimigo.

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