Sobre o mercado de trabalho atual: do século XXI ao século XIX, um retorno a Marx. 11- De onde vem o sofrimento dos trabalhadores no século XXI? Ruturas e continuidades entre gestão moderna e a lógica de gestão tayloriana – Parte III

A modernização da gestão afirma ser uma ruptura radical com a lógica tayloriana. Afirma abrir espaço para a autonomia, a liberdade de iniciativa, a responsabilidade dos assalariados e promover modos de trabalho em consonância com a evolução da sociedade. Esta está cada vez mais individualizada e as políticas postas em prática nas empresas mostram a importância agora dada às qualidades pessoais de cada assalariado: a sua capacidade de adaptação, a sua criatividade, o seu gosto pelo risco …

Parte III

(Danièle Linhart, Setembro, 2017, Tradução Júlio Marques Mota)

  1. Acabar com a subordinação

O assalariado, enquanto  se torna um assalariado cada vez mais terciário, e em que se inclui cada vez mais os quadros, estará ele será sempre condenado à subordinação? A ideia que está a emergir é que, para escapar à subordinação, a única solução possível é sair do mercado de trabalho. O sucesso do estatuto  de auto-empresário ilustra essa tendência para um número crescente de trabalhadores quererem escapar à condição de assalariado.

A uberização, que introduz uma relação de trabalho distanciada entre comanditários do trabalho e trabalhadores através de plataformas digitais, é baseada na ausência de subordinação para escapar às restrições legais que acompanham essa mesma subordinação. Os trabalhadores que são governados por esta lógica proclamam a sua liberdade, a sua independência, a sua capacidade em decidir dos seus horários, do seu tempo de trabalho.

Também aparecem os maníacos do trabalho, que acumulam vários trabalhos deste tipo e com longas, longas durações do tempo de trabalho e que  também proclamam o prazer da liberdade conquistada.

É provável que este setor se desenvolva: muitos assalariados são excluídos do sistema salarial e encorajados pelos antigos empregadores a usar esses novos estatutos.

O fato é que esta ausência de subordinação tem um custo real para os trabalhadores: menos garantias, salários mais baixos e isto para um trabalho, muitas vezes mais longo do que a duração legal.

Mas tudo se passa como se o futuro fosse para aqueles que, valentes, com o gosto pela aventura e o espírito de independência, se encarregam de si mesmos e se empregam eles próprios. Os outros, aqueles que permanecem conservadoramente apegados ao assalariado são ainda mais desvalorizados. No entanto, eles já arrastam consigo um passado pesado com uma estigmatização que começou na década de 1980. Seriam preguiçosos, mais inclinados a defender as suas garantias do que em se dedicarem ao seu trabalho. Em 1984, o programa “Vive la crise” na Antenne 2 apresentou Yves Montand, que pediu aos nossos concidadãos que se arregaçassem as mangas, que ganhassem consciência que a crise exigia esforços e sacrifícios, enquanto na França tínhamos  muita tendência para “viver sem problemas, a viver calmamente”. São numerosos os alertas que  foram regularmente emitidos pelos políticos sobre o suposta má relação dos franceses para com o trabalho. O primeiro-ministro Raffarin disse no verão de 2003, no Quebec, que devemos fazer com que o francês volte ao trabalho, que devemos parar de pensar que a França é um país de lazer. Durante a campanha presidencial, Nicolas Sarkozy exaltou, por seu lado, “a França que se levanta cedo” ao lançar o slogan “trabalhar mais para ganhar mais” e propôs reabilitar o valor do trabalho. As 35 horas da lei Aubry já haviam convencido uma parte da opinião pública que na França, nós éramos bastante preguiçosos.

No entanto, em França, a produtividade horária é uma das mais altas do mundo e os inquéritos mostram que o trabalho representa um valor prioritário (Davoine, Méda, 2013).

Sobre uma falsa imagem de empenhamento dos franceses no seu trabalho, foi desenvolvida como uma naturalização da subordinação que não seria questionável. Seria a contrapartida normal, lógica e necessária das “vantagens” que o sistema de remuneração oferece e ainda mais indispensável, pois os assalariados franceses (bastante preguiçosos, bastante mais inclinados a trabalhar de acordo com o seu estado de espírito), devem ser colocados em ordem. Inscrever-se no sistema salarial implicaria aceitar as regras do jogo de que a subordinação faz parte, e tanto mais quanto existem outros possíveis com esses novos estatutos.

É tempo de abrir um debate real sobre essa dimensão coerciva de subordinação por vários motivos. Em primeiro lugar, o mal-estar dos assalariados. A gestão moderna produz situações pessoais de esgotamento físico e psicológico, burnout, produz sofrimento no trabalho, suicídios, adições a substâncias ilegais ou álcool. Isso não é uma fatalidade, mas decorre das orientações muito específicas do novo modelo de gestão em que se multiplicam os constrangimentos paradoxais, devido a uma desconfiança a priori contra os assalariados. A segunda razão é que o desempenho das empresas sofre dessa lógica de subordinação que bloqueia a inteligência dos assalariados, que desqualifica o seu profissionalismo e os precariza. Os assalariados constrangidos, permanentemente controlados, sujeitos a procedimentos imperativos e fontes de problemas, assim como a avaliações irrealistas, tenderão a fecharem-se, a jogar a carta do conformismo, em detrimento da criatividade, da inventividade e da capacidade de resposta. A terceira é que isso leva ao desenvolvimento de um setor não-salarial onde os trabalhadores têm que pagar um preço muito alto, o que não é, no fundo, senão uma aparência apenas de independência.


Bibliografia :

BOUSSARD V., MAUGERI S. (2003), Introduction dans Du Politique dans les organisations ; sociologie des dispositifs de gestion, Paris, L’Harmattan.

BRUNO I., DIDIER E. (2013), Benchmarking, L’État sous pression statistique, Paris, La Découverte, coll Zones.

DAVOINE L., MEDA D. (2009), « Quelle place le travail occupe dans la vie des Français par rapport aux Européens ? », Informations Sociales, n° 153, p. 48-55.

DIET E. (2012), « Changement, changement catastrophique et résistances », Connexions, n° 99.

GAULEJAC (de) V. (2005), La société malade de la gestion, Idéologie gestionnaire, pouvoir managérial et harcèlement social, Paris, Seuil.

LINHART D. (2009), Travailler sans les autres ? Seuil, coll. Hors normes.

LINHART D. (2015), La comédie humaine du travail, De la déshumanisation taylorienne à la surhumanisation managériale, Toulouse, Erès.

METZGER J.-L. (2000), Entre utopie et résignation : la réforme permanente d’un service public Paris, L’Harmattan, Coll Logiques sociales.

TAYLOR F.W. (1911), The Principles of Scientific Management. Trad. (1957) La direction scientifique des entreprises, Paris, Dunod.

VIGNA X. (2007), L’insubordination ouvrière dans les années 68, Essai d’histoire politique des usines, Rennes, Presses universitaires de Rennes.


Artigo original aqui

Esta é a última parte deste texto o qual é o último desta série. 


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