A RÚSSIA DE PUTIN, por GEORGE FRIEDMAN

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

A Rússia de Putin

George Friedman, Putin’s Russia

Gonzalo Raffo infonews, Março 2018

 

Vladimir Putin foi reeleito como presidente da Rússia. Este não é o tipo de Rússia nem o tipo de presidente que os democratas liberais ocidentais esperavam quando a União Soviética entrou em colapso em 1991.

Eles queriam e esperavam que os valores e instituições da Península Europeia se tornassem valores dos russos e das suas instituições e esperavam que a Rússia se alinhasse ao Ocidente.

Em retrospetiva não está claro por que isso era esperado. A Rússia é em muitos aspetos fundamentalmente diferente do Ocidente, e tem sido assim desde há séculos. E não tem sido apologética sobre esta questão.

Aparte dos grupos pequenos de Westernizers – intelectuais enamorados pelo ocidente – o povo russo abraçou, ou pelo menos aceitou, a Rússia pelo que ela é. Isto é demonstrado pelo facto de Putin ser enormemente popular, apesar das dificuldades económicas da Rússia. As expectativas dos liberais ocidentais foram desvalorizadas pelos reformistas czaristas, pelos governantes soviéticos e agora por Putin. O problema é que os reformadores liberais vêem a Rússia, e outros países, como nações ansiosas para se tornarem como eles. É uma forma de narcisismo ocidental que leva a um mal-entendido do mundo.

Uma força irresistível

A Rússia é do ponto de vista geográfico fundamentalmente diferente do resto da Europa. O resto da Europa é uma região marítima, com extensos rios que levam aos portos e onde ninguém fica a mais de 650 quilómetros do mar. A Rússia é essencialmente um país sem litoral. Os portos do Oceano Ártico estão frequentemente congelados e os portos no Mar Negro e no Mar Báltico podem ter o seu acesso aos oceanos bloqueados por inimigos que controlam apertados estreitos marítimos . Todas essas portas estão distantes da maioria da Rússia.

Tucídides distinguia entre Atenas, uma potência marítima cujos habitantes viviam em riqueza e tinham tempo para a arte e a filosofia, e Esparta, um território sem litoral cujo povo vivia uma vida difícil com oportunidades limitadas de auto-indulgência, mas era capaz de sobreviver a condições que quebrariam os atenienses. Ambas eram gregas, mas eram diferentes.

O mesmo pode ser dito para a Rússia e a Europa. Como uma potência sem litoral, as oportunidades da Rússia para o comércio internacional ou até mesmo para o desenvolvimento interno eficiente são limitadas. A vida dos seus habitantes é dura, e estes conseguem suportar a privação que quebraria (quebrou mesmo) outros países europeus. Um vasto país com uma população dispersa, a Rússia só pode ser mantida por um poderoso governo central, controlando um aparato político e de segurança interno que administre as tendências centrífugas inerentes a qualquer país. Requer um regime que não apenas tenha autoridade suprema sobre todo o país, mas também se apresenta com autoridade – uma força irresistível que não pode ser contestada.

Houve ruturas maciças na Rússia, claro, incluindo a Revolução Russa e a queda da União Soviética. Mas o Ocidente continuamente confundiu o colapso das instituições com a liberalização, e não conseguiu reconhecer isso como sendo desastroso para a Rússia e alheio à cultura russa.

O Ocidente sempre se surpreendeu quando a Rússia retornou ao que era, culpando Stalin ou Putin por restabelecer as instituições que estabilizaram a Rússia, e considerando isso como um infortúnio devido à maldade de um homem. Perversos poderão ter sido, mas entendiam melhor o problema russo do que aqueles que pensavam que a Rússia se poderia tornar como a Itália ou a França.

A Rússia também sofreu guerras terríveis que ensinaram aos russos que a guerra é sempre uma possibilidade e que a defesa mais forte era a profundidade estratégica. Os suecos, os franceses e, por duas vezes, os alemães ensinaram-lhes esta lição. Os ocidentais sentem que a Rússia deve ir além da história antiga. Mas muito do raciocínio que está por detrás da União Europeia é a memória das duas guerras mundiais e o desejo de que elas nunca sejam repetidas. Nos Estados Unidos, a Guerra Civil ainda é o prisma através do qual grande parte de sua história e muitos dos debates atuais são enquadrados. As guerras que foram travadas assombram as memórias das nações, e as guerras que os russos travaram moldam o pensamento de todos os russos. Eles buscam um estado e um líder fortes o suficiente para impedir outra guerra semelhante ou, se for necessário, suficiente forte para levar a Rússia à vitória. Se os europeus temem o retorno do nacionalismo e os americanos temem o racismo, os russos temem a fraqueza.

Um país fraco

Se Vladimir Putin tivesse sido atingido por um carro em 2000, ele teria sido substituído por um outro Putin com um nome diferente. Manter a Rússia unida – prevenindo a insurreição e protegendo a pátria – é a tarefa para qualquer governante russo bem-sucedido. Putin – através da sua intimidação de inimigos, estrangeiros ou nacionais – é o que Gorbachov e Yeltsin não eram. Ele está a governar um país fraco, devastado pelos baixos preços do petróleo e pelos crescentes custos de defesa, uma combinação que desencadeou o colapso da União Soviética. Ele está bem consciente das fraquezas e sabe que reconhecê-las e demonstrar medo, como fez Gorbachov, pode causar grandes estragos. É importante ver a Rússia como ela é: um país fraco liderado por um governante que entende que a aparência de fraqueza é mais perigosa do que a própria fraqueza.

Há muito por detrás da fachada agora, mas não tanto quanto Putin quer que pensemos.

A Rússia deve ser entendida como a Rússia é, não como o Ocidente quer que ela seja. É importante não nos iludirmos acreditando que a reconciliação com a Rússia é possível, ou que os interesses de outros países são os mesmos que os da Rússia. Essa é outra ilusão ocidental: a crença de que entender os adversários conduz à paz. Às vezes, isso leva à ideia de que um país é verdadeira e irrevogavelmente um adversário. Mas, por enquanto, é necessário entender que Putin não levou a Rússia a uma condição infeliz, mas que a Rússia retornou à média e Putin presidiu a esse retorno. Ele não criou a Rússia; ele simplesmente enfrentou a realidade russa e não recuou.

________

Leia o original clicando em:

http://gonzaloraffoinfonews.blogspot.pt/2018/03/putins-russia-geopolitical-futures.html

ou em:

Putin’s Russia

 

1 Comment

Leave a Reply