A GALIZA COMO TAREFA – mecânica – Ernesto V. Souza

O meu pensamento é mecânico. Dou em pensar isto ultimamente. Agora diríamos analógico. Curioso. Na realidade é híbrido, por causas da idade, ecossistemas e as culturas em que por geração fomos vivendo. Funciona, verdadeiramente, com metáforas, procuras, sistemas gráficos, bases de dados, consumo, próprias da hora digital. Mas por enquanto ordena, define, sistematiza por metáforas e esquemas de reprodução, armazenagem, associação, referencia próprios dos tempos de antes.

Não sou fanático do papel, nem acho mais vantagem que a estética nos jornais, nas máquinas de escrever e na imprensa mecânica, mas acho que as redes sociais nas suas últimas evoluções foram o limite e fronteira a que já não cheguei. Detesto likes, assusta-me o pessoal vociferando na minha casa, como numa grande festa adolescente que saísse do controle. Gosto de saber com quem falo em cada momento, e sou mais de falar pessoa a pessoa, com vagar, a um mesmo tempo, mas separadamente, entendendo que dous amigos e outros conhecidos podem não ser compatíveis entre eles.

Isto ficara-me claro na mocidade, bebedeiras e longas conversas noturnas expansivas. A minha tolerância e capacidade para atender e escutar maniáticos diversos, doídos monotema e loucos é minha. Não dos outros. Melhor não misturar. Algumas pessoas, são como os componentes dos explosivos. Uma por uma, bem. Por junto é o pânico.

Não me considero hipócrita. Por mais que ache que uma certa polidez, paciência e respeito pelos outros seja bem mais facilitadora do bem comum, que a palavra jogada súbita, numa suba de testosterona, como a pedra, não tem tornada. Gosto dos mundos mundanos, os campos laicos, as partes da vida bem cultivadas e estancas. Não suporto o e-mail interferindo com o telefone, nem as agendas dele pedindo permissão para interagir com as das aplicações de grupos; nem de tanto ter de consentir cousas contra os meus interesses e privacidade; e menos de tanta cada app – cousa do demo, têm vida própria – que me oferecem e eu não pedi ou necessito, senão quem ma quer vender, querendo-se nutrir das minhas preferências esparsas, interesses pessoais, gostos, contatos e amizades.

Reclamo o meu direito a entender cada peça da engrenagem de jeito isolado, e o meu direito a tratar as pessoas no tempo e momento que lhe conceda e eu disponha. Não aceito o colapso por plástico invasivo do mundo da logística e o packing, que rouba tempo e sentido à lógica da vida, e ao comércio local a pequena escala, que aproveita e recicla. Incomoda-me a obsolescência programada, na que tanto tem cuidar ou não das máquinas e as ferramentas; passo da moda ditada e dos hábitos de consumo in pelas redes e os softwares privativos.

Não procuro o que já sei, nem o que me aprenderam. Não entendo como minhas as preferências a que os sistemas me encaminham. Se foram, são passado, não futuro, reiterações no já feito, vivido, procurado ou celebrado. Não me servem, como não me servem as indicações em destaque na navegação ou na procura em bases de dados. Não gosto de navegar por links. Gosto do campo aberto das velhas livrarias, das bibliotecas em livre acesso, dos grandes catálogos em caixas, papel ou impressos, de me nutrir eu, quando preciso, em fontes diversas e em poços de saber abandonados.

Não me servem os textos, sem contextos, nem apenas os conteúdos, nem a ideia comercial do livro ser um bem incorpóreo (a que se nos dá aceso) e não um objeto concreto e palpável. Eu procuro o que não sei, maravilha-me o que por acaso encontro, e sou fascinado com as novidades, os matizes, os detalhes, com o que nunca vi, pensei, senti. As associações, como as preferências e as notas, gosto de as marcar manual e individualmente, em caderninhos.

Agora começamos a ser conscientes que internet não vai ser uma grande biblioteca com todo o conhecimento livre. Vai ser, mais do mesmo, um acúmulo categorizado e sujeito aos mesmos cânones, políticos, ideológicos, nacionais, religiosos dos livros de texto, dos sistemas educativos e das bibliotecas. Um conhecimento guiadinho, referenciado a serviço do que mais paga e das grandes classificações estabelecidas e autorizadas. Onde se pode comprar e aprender o que já se sabe ou o que nos querem aprender. O outro continuará nas margens.

Não é uma questão filosófica, nem lógica. É apenas a idade reacionária – suponho – e a constatação de que o meu universo é já outro que vai passando: mecânico, artesanal, local, à escala do meu caminhar.

O bezerro é hoje de plástico e o consumo a ideologia global que nos governa. Afinal tanta “informação” não passa de uma obesidade do pensamento e indigestão diária, de palavras, ideias, mensagens, imagens rápidas e pré-cozinhadas.

Desculpem, se eu me repito e reitero o conselho, mas as ideias são lentas para as absorver e é muita e demais a informação intranscendente.

compre

Compre, para se melhor entender, de se leer todo de começo, passo, e pouco de cada hua vez, bem apontado, estando em razoado tempo bem despostos os que leerem e ouvirem. Ca lendo doutra guisa, entendo que aos leterados parecera mais symprezraente feito. E aos outros nom tam boo dentender, porque taaes leituras aos que de semelhantes nom teem boo conhecimento mais som para serem ensinados que para despender tempo ou se desenfadar com o livro destorias, em que o entendimento pouco trabalha por entender ou se nembrar.

(D. Duarte : Leal Conselheiro…)

 

 

 

 

 

 

 

 

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