A GALIZA COMO TAREFA – cartas – Ernesto V. Souza

Escrevemos cartas, artigos de opinião, criticamos, protestamos, fazemos comentários nos jornais, postamos, rascunhamos notas nas redes sociais. Mas nada. A resposta é sempre a mesma e nenhuma. Tudo o mais apanhamos desprezo crispado e irritação dalguns mais fanáticos, ou dos esbirros em forma de trolls ou de cansativos, pseudônimos e anônimos.

Nestes dias circula pela rede mais uma carta: aberta e dirigida ao presidente do governo Galego, na que boa parte das entidades reintegracionistas (Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), a Associaçom Galega da Língua (AGAL), Associaçom de Estudos Galegos (AEG) e a Fundaçom Meendinho) destacam o seu “mal-estar” pelo “nulo desenvolvimento jurídico” da Lei Paz Andrade, e na que acusam o Governo galego de ter “incumprido o compromisso adquirido”.

Os assinantes lembram que se produziu “un nível de aplicação ínfimo e testemunhal, não indo além de medidas provisionais e parciais, que carecem de orçamento e garantia de continuidade, decepcionando as expectativas geradas e reduzindo ao mínimo a credibilidade do Governo nesta matéria”. A carta critica que neste tempo não houve qualquer implementação de docentes no sistema de ensino público para o dotar de professores de língua portuguesa e também não houve qualquer garantia, apoio, dotação económica, horária para aqueles docentes que tentaram desenvolver os programas. A precariedade dos docentes e do próprio ensino do português, na Galiza continua como antes da aprovação da lei”. Critica igualmente a carta, que também não houve a inclusão de conteúdos em língua portuguesa nos médios de comunicação públicos e destaca que a Estremadura espanhola, continua neste aspecto bem por diante da Galiza.

A verdade que não é apenas o Presidente Feijó o destinatário da carta. Acho que é a todas as pessoas e instituições da Galiza a que se deveria encaminhar: partidos políticos, sindicatos, coletivos de professores de língua galega, associações de pais, sindicatos de alunos, intelectuais, as instituições galegas.

Qual foi o apoio, reivindicação e seguimento político, social, sindical, da comunidade educativa, dos pais, dos opinadores, intelectuais, espaços culturais da lei Paz Andrade fora dos espaços reintegracionistas?

Parece que tivessem aceitado com resignação cristã e com pragmática comodidade o status quo e discurso imposto. Dá igual o que se diga de língua pequena e mesmo o que muitos particulares pensem.

Nestes últimos 40 anos não saímos do apartheid. É mais, continuamos no apartheid. Apenas os professores de Português das universidades e Escolas de idioma por serem docentes de línguas e literaturas estrangeiras, têm normalizada a sua participação cultural. No resto dos espaços continua a perseguição e o desprezo. A abertura última é uma aparência, apenas motivada pelas dinâmicas da rede e porque não havendo dinheiro para ninguém, sendo tudo amador. Tanto tem, não são raros os casos e compartilhar a fame é bem mais doado que compartilhar quando há.

Convida-se a alguma parte aos reintegracionistas? quem convida? existe um debate permanente nalguma das universidades, espaços culturais, políticos, sindicais, municipais a respeito? para nada: há sempre outros temas.

Bem cedo o pessoal compreendeu que praticando ou defendendo o uso de uma grafia reintegracionista para o galego (isto é uma ortografia próxima da do português) não se chegava longe, nem no mundo do jornalismo, nem no editorial, nem no acadêmico, nem no político, nem no funcionariado. E o pessoal tem de viver e mesmo se pode fazer carreira.

Cada dia tenho mais claro que é perder tempo tratar de conectar ou falar com o mundo institucional e no cultural para-institucional do galeguismo. É malhar em ferro frio. E por muito que trabalhemos sem antes existir um trabalho prévio que construa uma base associativa, política, sindical, institucional reintegracionista, por muito esforço individual ou de pequenos coletivos que haja. Não se passa de heroico ativismo.

A história da construção das línguas dos estados, é a história da burocracia, da administração, da educação, das crenças fixadas. Em resumo, é a história de uma labaçada: a escolar do mestre funcionário do Estado, ao miúdo que fala patois, do mestre ou patrão ao aprendiz de operário que com o ofício e a destreza necessária aprende a calar. A do pároco que aprende a doutrina em língua alheia. É a labaçada aos moços na administração, no exército, na política, na indústria, na cultura. Aos velhos que vão ao médico ou a solucionar qualquer burocratize na administração. São as labaçadas dos mapas, dos censos, dos bilhetes de identidade, dos formulários de contratos, notarias, publicidade, contratos. As labaçadas da universidade, do funcionariado, do mundo editorial, das revistas e das editoras, das livrarias que não vendem e das bibliotecas que não compram para além do “oficializado”.

Há um fator de peso social, cultural, político e económico no prestígio das línguas. As línguas precisam de aparato estatal e institucional. Essa mudança era necessária e foi acontecendo na Espanha, por causa da democracia e da força diversa da sociedade civil. Mas a “normalização” não aconteceu, pelo momento, no caso galego, para além de uns limites. E o mais preocupante é que ano após ano, as estatísticas informam da perda de uso numa população decrescente e os documentos oficiais evidenciam o estancamento dos usos sociais, a falta de um projeto de redes comunicativas e até o decrescimento da produção de livro em galego.

Isso não deixa de ser normal, porque estes processos de capitalização e massa crítica podem ser muito lentos. Porém, no caso galego a única possibilidade não era a da resistência no esquema língua menorizada. Não era a da autoconsideração de língua territorial-autonómica supeditada a respeito do castelhano língua do estado. Não era a dialectalização dependente do castelhano todo-poderoso.

Internet chegou como a cavalaria nos filmes do faroeste, no último minuto e rompeu o baralho. Em querendo é possível trocar o modelo. Mas, por comodidade, por costume, por que é muito difícil mudar a trajetória brutalmente errada em que entrou o isolacionismo institucional, porque é impossível lutar contra o corporativismo e interesses estabelecidos sem poder oferecer nada (dinheiros, horas, reconhecimento) em troca do esforço, não compensa.

Mas há um espaço cultural, modelos, materiais, fontes lexicais corretoras e literárias no espaço múltiplo, variado e vivo na Língua portuguesa. É uma vantagem, da que carecem sistemas aparentemente mais fortes hoje como são os da Língua Basca e o Catalão.

Há que se centrar no mundo e espaços reintegracionistas. Na construção de um espaço lusófono galego (político, cultural, sindical, educativo) e na fixação de um português da Galiza para uso dos que assim o consideramos. E ir construindo aí, pouco a pouco, na medida dos nossos recursos e forças.

 

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